Mês: fevereiro 2013

Outra incrível experiência

Desta vez foi um jantar, mas em outras terras. Como o período de Carnaval, no Rio de Janeiro, transforma a cidade num local quase impossível de se locomover e ter serviços de qualidade optei por uma viajem com o objetivo de descansar e ser bem atendido. Formou-se um grupo, de 14 pessoas, entre elas sete membros de outra confraria a qual pertenço. As perspectivas estavam ficando ótimas.
O destino principal era Buenos Aires, seguido de Punta Del Este. Nove dias de passeio ao todo. Na primeira parada, após várias confabulações e descobrir que nossa primeira opção estava fechada para obras, reservamos mesa para os 14 no restaurante Hernán Gipponi, localizado dentro do Hotel Fierro em Palermo.

Chegamos pontualmente e nos foi apresentado o cardápio: uma proposta de degustação com opções de 5, 7 ou 9 pratos, harmonizados ou não. Optamos pelo menu de 7 passos com a harmonização clássica de 5 vinhos.

Talvez não fosse a melhor opção em termos de custo, mas nos poupou tempo já que não tínhamos que decidir que vinho harmonizava com que. Havia, além disto, outro compromisso agendado para as 23h00min o que nos levou a economizar os ‘debates’, caso contrário, não sobraria tempo para o próximo evento, Tango para variar…

Para começar, foi servido um bom espumante da Patagônia, o Agrestis Rosé. Um pequeno couvert de pães feitos na casa e manteigas aromatizadas distraiam os comensais até a chegada da 1ª entrada: Lagostins.

Estavam deliciosos e na medida certa para o próximo vinho, um classudo Viognier da Escorihuela Gascon. Este mesmo vinho seria o acompanhante para o fabuloso prato seguinte, um ovo cozido a exatos 62º C servido com lulas pequenas, cebolas macias e cinzas de cebola, flutuando num saboroso caldo. Silêncio geral, nosso paladar foi surpreendido de forma inesperada.

Aguardávamos ansiosos os próximos movimentos da cozinha, uma especialidade da Argentina, as Mollejas, ou a glândula Timo. Acompanhava Quinoa, amendoim e mini abobrinhas. Comentários divididos: compararam com o clássico francês ‘Ris-de-Veau’ ou com a receita de outro bom restaurante de Buenos Aires. Prevaleceu a máxima ‘gosto não se discute’. Quem optou por um prato sem carne não reclamou de nada – culinária impecável e serviço a altura. O vinho que acompanhava ainda era um branco, desta vez um bom Chardonnay, o Ruca Malén.

Entra em cena o peixe do dia com purê de batas defumado, erva doce e espinafre. Perfeito, inclusive na harmonização.

Recolhidos os pratos, serviram a ‘pièce de résistance’, um cordeiro acompanhado de queijo provolone, morcela (linguiça com sangue de boi), lentilhas e pimentões, numa apresentação espetacular. O vinho era um delicioso Terrazas Malbec.

Os pimentões, verde e vermelho, foram transformados em delicados cremes, o provolone foi triturado e frito assim como o pequeno pedaço da morcela que foi empanada. A lentilha era apenas cozida e bem temperada. A maior emoção foi com o cordeiro. Apesar da aparência de bem passado, a crosta superior estava bem escura, ele simplesmente se desmanchou ao primeiro contato como garfo. Aplausos efusivos e insistentes pedidos de ‘bis’!

A esta altura do campeonato já não queríamos mais ir embora. Chegou a hora das duas sobremesas, uma à base de melancia, para limpar e refrescar o paladar seguida de outra, um verdadeiro festival de sabores que incluía pistachos, pêssegos, sorvete de framboesa, cacau e chocolate branco, harmonizada com um late harvest de Viognier, o Las Perdices. Sem dúvida nenhuma um Grand Finale!

O melhor fica por último, a conta: com uma polpuda gorjeta, ficou por menos de 500 pesos por pessoa, ou US$ 60.00 que convertidos ao câmbio de hoje resulta em R$ 120,00, com direito a visita do simpático e competente Chef que autografou os cardápios.

Dica da Semana: um vinho que foi dos mais aplaudidos neste jantar e fácil de encontrar por aqui.

Ruca Malen Chardonnay – $

Mendoza – Argentina.
100% Chardonnay.
Cor amarela esverdeada com reflexos dourados. Delicados aromas florais e cítricos, além de um suave toque de caramelo e baunilha.  Em boca tem entrada suave e sedosa. Um vinho fresco e frutado, com ótima acidez. Seu final é elegante e persistente, com toques de frutas secas. Excelente para acompanhar carnes brancas e peixes com molhos cremosos. Também vegetais, massas na manteiga e cremes aromáticos.

Com organizar uma confraria

Seguindo no tema da coluna anterior, alguns leitores se mostraram interessados na organização e funcionamento de uma confraria. Nas ‘Cartas dos Leitores’ há algumas respostas interessantes. Hoje vamos explorar alguns aspectos menos visíveis.
Quantos participantes?
Esta é a questão fundamental, vai ditar o número de garrafas a serem degustadas, objetivo da confraria. Obviamente, todos os confrades ou pelo menos a maioria deles deve apreciar esta bebida, mas nada impede que alguns não a bebam. Isto é muito comum nas damas, sejam esposas, namoradas ou ficantes.
Tecnicamente, uma garrafa serve bem 4 pessoas, O volume padrão de 750ml, dividido por este quociente resulta em 187,5ml, aproximadamente 2 taças. No texto da semana passada ficou claro que cada garrafa serviu até 9 confrades. Isto significa que cada confrade degustou apenas 80ml, de cada vinho, o que é pouco e não pôde haver repetições.
Com estes parâmetros já é possível ter uma noção do tamanho da confraria e também da regra inicial: quantas garrafas vão ser servidas.
Para começar o ideal são 4 pessoas. Pode expandir, sem problemas, até 8. Seguindo a regra, comecem com 1 garrafa para 4, duas para oito, mantendo a proporção.
Quem leva o vinho?
No início, 1 confrade escolhe o vinho. Na segunda reunião, passa o bastão para outro e assim por diante. Pode-se fazer reuniões temáticas que são muito divertidas e instrutivas: define-se o tema, por exemplo: Itália. Um grupo vai cuidar da comida e outro da bebida. Neste caso, vale a pena estabelecer limites de gastos e ratear as despesas. Uma variação interessante é indicar um dos membros para explicar a harmonização.
Confrarias informais
Este é outro caminho: alguém oferece um churrasco e pede para os convidados trazerem 1 garrafa de vinho. A confraria do nosso almoço começou assim.
Obviamente, serão trazidos vários tipos de vinhos: de brancos a tintos e de bons a ruins. Mas é justamente esta mistura desordenada que vai criar, naturalmente, a organização deste grupo. A primeira lição a ser aprendida é que os vinhos devem ter um mesmo patamar de qualidade. A melhor maneira de conseguir é estipular um valor mínimo para a garrafa de vinho, deixando a escolha livre para cada um.
O segundo passo é sugerir uma divisão mais objetiva entre espumantes, brancos, rosado e tintos. Se não for assim, só vai aparecer vinho tinto. Uma boa regra é sempre começar uma degustação por um espumante para, como costumamos dizer: ‘fazer a boca’. Seguem-se na ordem dos vinhos mais claros para os mais escuros.
Harmonizar ou não?
Este é o último passo. No fundo, ninguém escapa de tentar uma reunião ‘azeitadinha’, tudo bem dentro das regras clássicas. Mas não é fácil! Se o número de confrades for grande, pode ser uma missão impossível. Um bom caminho é escolher um restaurante típico e tentar levar os vinhos que se encaixem com o que vai ser servido.
O Bacalhau é um bom desafio, já que não existe uma regra generalizada: tanto brancos mais encorpados, que passaram por madeira, como tintos leves, podem combinar muito bem. Se a receita do peixe for, por exemplo, um ao “Zé do Pipo”, até mesmo um bom Syrah ou Malbec podem ser degustados. Há campo para muita experimentação.
Conselhos finais:
Não compliquem! Quanto mais simples as regras, mais divertido, e todos vão querer repetir o encontro e este é o objetivo;
Não se preocupem se este ou aquele vinho ‘não combinou’, faz parte do aprendizado;
Escolham um companheiro para ser o ‘escriba’: caberá a ele fazer as fichas do que foi provado. Escolham o melhor e o pior vinho.
Caso várias garrafas diferentes forem levadas, discutam muito a ordem de abertura delas. Se ninguém conhecer um dos vinhos, usem seus tablets e smartphones para descobrir – o Google é ótimo para isto;
Se tudo der certo, habituem-se de abrir a reunião com um bom espumante e terminá-la com um vinho de sobremesa ou um Porto. Um dos confrades pode ser o encarregado desta função;
Negociem a ‘rolha’ nos restaurantes. A maioria deles aceita que se tome um vinho da casa, em geral o espumante, em troca de liberar a taxa;
Escolham um nome simpático para a Confraria, é motivo agregador;
Por último, divirtam-se e lembrem: “A variedade é o tempero da vida”.
Dica da Semana: um vinho que foi escolhido o melhor de 2012 pela revista Prazeres da Mesa

Ile de Beauté 2011 
Produtor:Francois Labet 
Pais/Região:França/Córsega 
Uva:Pinot Noir
Rubi intenso e luminoso. Limpo e vibrante no olfato, com frutas vermelhas frescas, violeta e minerais (granito). A incursão em boca é sedosa, com taninos charmosos revigorados por acidez suculenta. Harmoniza com codorna ou vitela assados com ervas ou risoto de carne de caranguejo com tomates e açafrão.

Um grande almoço

Uma das confrarias que participo sempre aproveita a data do aniversário de um confrade para organizar uma de suas reuniões. Uma divertida regra faz tudo começar com o pé direito: além de não pagar sua cota na conta, o aniversariante pode indicar o local de sua preferência.
Neste mês de janeiro, o local escolhido foi um simpático restaurante italiano, a Casa do Sardo, localizado em São Cristóvão-RJ. Nunca havia sido feito um encontro por lá, embora 2 confrades já conhecessem a casa. As recomendações eram muito boas, são dois chefes, um Sardo e outro Siciliano, que tocam magistralmente a cozinha. O local é simples, rústico, mas muito confortável. Atendimento de 1ª linha – a equipe foi treinada pelos proprietários nos padrões europeus de qualidade. A grata surpresa é que a casa permite que os clientes levem seus vinhos, nada é cobrado.
Reservamos uma mesa e chegamos pontualmente às 12:30h, dentro do horário previsto para garantir a reserva. E começou a festa!

Enquanto aguardávamos a chegada do nosso Diretor de Gastronomia, encomendamos o antepasto do dia, uma boa tábua de queijos e frios acompanhada por um delicioso pão italiano feito na casa. Abrimos o ‘Vinho da Diretoria’, algo muito especial, só para os madrugadores… Um excelente branco argentino, o Lagrima Canela, um corte de Chardonnay com Semillon elaborado por Walter Bressia. Foi escolhido pelo guia Descorchados 2013 como o melhor branco daquele país.

Com a chegada do responsável pela parte gastronômica, foram selecionadas algumas entradas: carpaccio de tentáculos de polvo com pimenta rosa; mix de bruschettas; presunto Parma. A esta altura, o único branco já havia sido devidamente enxugado. Entramos nos tintos. O primeiro foi o Tribal, um tinto sul-africano, elaborado a partir de uvas viníferas das variedades Pinotage e Pinot Noir. Sua cor é rubi claro, límpido e brilhante, aromas com notas de morango, pimenta do reino e frutas vermelhas. Macio, bom corpo, taninos elegantes e final seco.

Com 9 pessoas presentes, as garrafas secavam rapidamente. Foi a vez do Conti Neri Valpolicella. Com uma coloração vermelha rubi intensa, tendendo a granada. Buquê característico com perfume delicado. Seco com corpo médio. 
Começamos a encomendar os pratos principais. Mesmo sabendo que só haviam tintos, a turma preferiu encomendar frutos do mar, nas diversas variações oferecidas no cardápio. Com poucas exceções, ninguém se importou em harmonizar nada, ou melhor: “partimos para grandes experimentações…”.

A próxima vítima foi o excelente Paulo Laureano DOC Premium, um corte Alentejano de 20% Alicante Bouschet, 40% Aragonez, 40% Trincadeira. Coloração granada intensa apresentando aromas de compotas de frutos negros mesclados com notas de chocolate escuro. Outro excelente vinho. Em termos de aceitação estava ‘empatado’ com o anterior.
Os dois próximos vinhos fizeram o cacife subir bastante. Abrimos o 100% Tempranillo Marqués de Riscal. Um vinho vermelho intenso com borda rosada e aromas inicialmente fechados que rapidamente se abrem revelando frutas maduras, especiarias e toques de carvalho e tostado. No palato, toques de caramelo e tostado típicos desta casta. Houve um momento de silêncio na mesa. A coisa estava séria. A comida foi servida. Tudo estava perfeito. Que me desculpem os conservadores, simplesmente esquecemos até mesmo as mais simples regras de harmonização. Só um adjetivo: delicioso!

Próximo vinho: na abertura do Miguel Escorihuela Gascon um momento de drama: a rolha, com quase 10 anos, se esfarelou e teve que ser empurrada para dentro da garrafa. A equipe do restaurante trouxe um decantador e o vinho foi vertido delicadamente. Pela cor, estava tudo em ordem, o que foi confirmado no palato – excepcional! Este é um dos grandes vinhos argentinos. Coloração rubi muito profunda, com a tonalidade púrpura típica da Malbec. A estrutura tânica, os toques de especiarias da Cabernet e os toques de frutas vermelhas da Syrah complementam em perfeita harmonia a forte personalidade da Malbec, o que torna esse vinho intenso, bastante complexo e muito fácil de beber. Certamente o melhor vinho do almoço.

Como o movimento do restaurante já havia diminuído, recebemos a visita do Chef Silvio Podda que se interessou pelos nossos vinhos, provando alguns e solicitando indicações para sua boa carta. O aniversariante foi agraciado com uma sobremesa.

Já no capítulo final da farra, abrimos o argentino Dignus Malbec, macio e agradável, com aroma fresco de frutos vermelhos e o uruguaio Don Pascual Pinot Noir, redondo, com frutas vermelhas intensas, taninos presentes e aveludados. Outros dois bons vinhos, corretos e ótimos coadjuvantes para o Marqués de Riscal e o Miguel Escorihuela Gascon, escolhidos como os melhores deste encontro.

Para brindar e encerrar, Villaggio Grando Brut, um dos bons espumantes da serra catarinense.
Todos os confrades voltaram para suas residências sem problemas…
Fotos: Pedro Costa e Enoeventos
Dica da Semana: uma proposta: que tal trocar a cerveja do carnaval por um delicioso Rosé?

Languedoc AOC Rosé 2010

Produtor: Hecht & Bannier

País: França/Languedoc-Roussillon

Uva: Syrah (maior parte), Grenache e Cinsault

Este delicioso rosado é saboroso e fresco com muita fruta e um ótimo final de boca. Temperatura de serviço: 13º a 16º

© 2025 O Boletim do Vinho

Theme by Anders NorenUp ↑