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Vinho tem que ser tinto?

Acreditem, há muitos apreciadores de vinho que pensam exatamente assim e são cheios de argumentos para defender esta ideia.

Por exemplo, gostam de alegar, com algum fundamento, que a complexidade de aromas e sabores de um tinto de primeira linha é insuperável. Outra afirmação bastante comum é sobre sua versatilidade para harmonizar com diversos alimentos. Há, ainda, quem ache o aspecto visual muito importante, complementando com a sempre presente ideia de que é mais saudável, o que é um ponto muito questionável.

Excetuando este último fato, não há nada que desabone as demais colocações, mas é preciso levarmos em conta alguns outros aspectos. Os vinhos tintos são bebidas para climas mais frios, o que pode, por si só, explicar boa parte desta preferência. Até sua cor escura e opaca é reconfortante.

Mas enquanto o mundo gira (e a Lusitana roda…), a OIV, Organização Internacional da Vinha e do Vinho, publicou, em 2023, uma pesquisa sobre a produção e consumo de vinho, baseada na sua coloração. (OIV Focus 2023)

Surpreendeu a todos!

A soma dos dados observados para vinhos brancos e rosados, superou a dos vinhos tintos, pela 1ª vez.

Este resultado confirma uma tendência surgida há duas décadas, pelo menos, indicando uma mudança na preferência dos consumidores.

Há um grande peso introduzido pelas novas gerações de consumidores que preferem vinhos mais leves ou mesmo nenhum vinho, optando por outras formas de consumir bebidas alcoólicas. Em alguns segmentos, preferem se manter abstêmios.

Desta atitude, surgem ou ressurgem “velhas novidades”, como uma certa idolatria pelo Gin e seus múltiplos coquetéis, Tequila, Mezcal e até a nossa boa pinga.

Com relação ao vinho, preferem os chamados “naturais”, oriundos de vinhedos manejados de forma orgânica e vinificações elaboradas com a técnica de “mínima intervenção”.

Um comportamento de difícil explicação, algo como uma ida para o futuro com as técnicas e ferramentas do passado.

“Há algo no ar além dos aviões de carreira”, diria o Barão de Itararé, pseudônimo do Jornalista e Escritor, Aparício Torelly. Até nas garrafas de vinho as novas gerações de consumidores estão provocando mudanças. Materiais como papelão e alumínio parecem que vieram para ficar. Vidro, por sua “alta pegada de carbono”, virou o vilão da vez.

Alguns dados da pesquisa

– A produção e demanda de vinhos tintos vem caindo desde 2004. No começo deste século, os tintos eram responsáveis por cerca de 48% do mercado. Hoje respondem por 43%. Uma queda significativa. A maior perda foi na Europa. Nas Américas, Austrália e África do Sul houve um ligeiro acréscimo.

– Com relação aos brancos, a produção e consumo vem crescendo desde o ano 2000. Em 2013 superou as marcas do vinho tinto e, nesta última avaliação, atingiu 49% do mercado.

– O desempenho dos vinhos rosados também é notável. Partindo de uma posição quase insignificante, atingiu a 8% do mercado ao final de 2021. Os maiores produtores estão concentrados no hemisfério norte, França principalmente. Chile e África do Sul também se destacam. Os grandes consumidores são os EUA, Alemanha, Inglaterra e França.

Alguém ainda concorda que “vinho é tinto”?

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Imagem de Freepik

Vegetarianismo e o vinho

Pode parecer estranho, mas o vinho não é, necessariamente, um produto estritamente vegetariano e menos ainda vegano, uma filosofia de vida que vai muito além de uma dieta isenta de alimentos de origem animal.

Embora em sua composição só existam uva e leveduras, ambos 100% vegetais, nos diversos processos de elaboração de um vinho podem ser empregados produtos de origem animal. Acreditem, a lista é grande e, em alguns casos, altamente insuspeitos.

Depois de fermentado, o mosto tem aparência muito turva com muita coisa em suspensão no líquido. São restos das cascas das uvas, algumas proteínas decorrentes da reação e resíduos das leveduras que precisam ser removidos para assegurar uma boa aparência e qualidade de aromas e sabores ao final.

Um dos produtos mais simples e antigos usados no processo de clarificação de um vinho é a clara de ovo, que não se enquadra nas regras da dieta vegetal. Além dela, mais subprodutos de origem animal podem ser usados: sangue, medula óssea, gelatina, cola e óleo de peixe, quitosana e caseína.

Todos estes produtos citados cumprem a mesma função: auxiliar na filtração e clarificação do vinho. A escolha fica a critério do produtor.

Existem alternativas que se enquadram nas regras do vegetarianismo e veganismo. A primeira e quase óbvia, é não filtrar o vinho, optando por deixá-lo em repouso por um longo tempo, decantando e sedimentando. Produtores de vinhos naturais seguem esta linha. A aparência pode não ser a mais comercial, mas o vinho está com tudo que lhe pertence dentro da garrafa.

Outra técnica emprega produtos de origem mineral como bentonita, sílica gel, caulim, calcário e de origem vegetal como algas e caseína obtida a partir de plantas. Algumas destas técnicas tem influência direta no preço final do vinho.

Para o grupo que segue a filosofia vegana, ainda há mais pontos a serem considerados. Algumas rolhas de cortiça são produzidas a partir de resíduos aglomerados com uma cola de origem animal. O encapsulamento das garrafas, se feito com cera de abelhas, é mais um item a ser observado. Os que seguem este regime de forma mais restrita se preocupam, também, com o manejo do vinhedo: nada de fertilizantes de origem animal.

Na legislação brasileira não há nenhuma obrigatoriedade de mencionar se um vinho é vegetariano ou vegano. Entretanto, muitos produtores, que já perceberam um bom potencial neste mercado, incluem estas informações em seus vinhos, seja no rótulo ou contrarrótulo.

A Sociedade Vegetariana Brasileira criou, em 2013, o “Certificado Produto Vegano SVB”, um programa de reconhecimento já adotado por boas vinícolas nacionais, que exibem o selo (foto) em seus produtos.

Lojas on line costumam colocar um marcador, ao lado da foto de cada produto, indicando se é adequado para consumo por quem segue uma destas dietas. Nas lojas presenciais, o melhor caminho é perguntar ao vendedor.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto por Lisa Davies no StockSnap

Há controvérsias:
Pisa a pé ou meios mecânicos?

Para produzir vinho, as uvas têm que ser esmagadas, prensadas, amassadas, enfim, precisam passar por um processo que rompam as peles dos bagos e liberem o suco, para que possa ocorrer a fermentação, onde o açúcar do sumo será transformado em álcool.

O processo mais tradicional é a pisa a pé, um método muito fotogênico e bastante conhecido, mas nem todo mundo se dá conta do esforço brutal que é necessário para, por exemplo, pisar algumas toneladas de uvas.

Uma pisada típica duraria cerca de 3 dias, divididos em intervalos de 3 a 4 horas. Os primeiros minutos são lindos, até turistas participam do evento, sempre com música e cantoria para ditar o ritmo.

Agora imaginem ficar horas a fio, para lá e para cá, no lagar, pisando algo que se acha muito macio, mas, se forem cachos inteiros, a coisa pode ser bem mais dura.

Tecnologia existe para substituir este trabalho intensivo por diversos meios mecânicos, alguns de alta tecnologia. Vão desde robôs que imitam o movimento da pisada até prensas muito elaboradas que usam uma espécie de bexiga (bladder press), além de sofisticados controles a cada etapa do processo, para obter o mesmo efeito.

Mas e o resultado é o mesmo?

Alguns produtores dizem sim enquanto outros dizem não.

Vamos aos fatos:

Os defensores do método tradicional alegam que há um maior controle sobre a qualidade do mosto a ser fermentado. Insistem que, pelos meios mecânicos, nem sempre é possível controlar a quantidade de taninos jovens decorrentes dos talos, peles e sementes prensados. Já com o trabalho humano, a sensibilidade dos pés de cada um seria inimitável. Mas, para isto ser verdadeiro, o grupo de pisadores teria que estar bem treinado.

A seu favor, lembram que um dos vinhos mais icônicos, o português “Vinho do Porto”, continua sendo elaborado por este processo.

Verdadeiro até um certo ponto. O Porto pode ser elaborado por qualquer um destes caminhos. Algumas Quintas usam a pisa apenas para vinhos de pequenas produções.

Além de Portugal, Espanha, França, Itália, EUA e até no Brasil a pisada ainda é utilizada, seja para a alegria dos turistas ou em busca de diferenciais de qualidade. Os vinhateiros que seguem o caminho dos vinhos naturais, orgânicos, biodinâmicos etc. são defensores deste processo – mínima intervenção.

Do outro lado do ringue, desculpem a metáfora, estão os grandes produtores de vinho. Todo o processo de vinificação, atualmente, pode ser controlado nos mínimos detalhes. Cada tipo de vinho a ser elaborado exige um certo tipo de atenção. Por exemplo, pode-se ou não usar os cachos inteiros; vinhos brancos não são macerados com suas peles; as leveduras empregadas na fermentação podem ser preparadas para cada tipo de casta utilizada e muito mais.

É um grande arsenal de recursos que pode e deve ser usado, com sabedoria. Os grandes produtores sabem disto e investem, constantemente, em novas tecnologias.

E ninguém reclama destes vinhos…

Reconhecer, numa degustação, que um vinho foi elaborado por pisa a pé é tarefa impossível. Se a ficha técnica não fizer menção a este especial processo, não é possível diferenciar de um vinho elaborado com alta tecnologia.

Quem poderia comparar e julgar, objetivamente, seriam os críticos, os Sommeliers e gente especializada, desde que tenham as informações necessárias. Mas é muito difícil: não existem vinhos “iguais” que sirvam de base para uma comparação. Qualquer opinião será, sempre, subjetiva.

Sendo assim, quem deve decidir esta controvérsia são os consumidores. Cabe a eles, somente, gostar ou não deste ou daquele rótulo, seja feito por cinematográficos processos ou apenas frutos de grandes investimentos em técnicas atuais.

Honestamente, neste julgamento final o peso maior não vai estar no método; outros parâmetros serão mais relevantes.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Imagem de macrovector no Freepik

Vinificação redutiva e aromas redutivos

De forma análoga ao texto que antecede este, temos, novamente, uma qualidade e um defeito. Alguns especialistas afirmam que esta situação é o oposto de vinhos oxidativos e vinhos oxidados.

Em parte, têm razão.

Vinificação redutiva, ou reduzida, como preferem alguns, é uma forma de elaboração que evita, de todas as formas possíveis, o contato com o oxigênio.

Já “aromas redutivos” são aqueles estranhos cheiros que nos remetem a ovos estragados, borracha, fósforo queimado e alguns outros que preferimos não mencionar. Surgem por falta de oxigênio, permitindo que composto derivados do enxofre se desenvolvam.

Já aprendemos sobre a importância da exposição do mosto ao oxigênio. Se for muita, o vinho oxida, se for pouca, o vinho fica reduzido. Ambos os casos são considerados como defeitos.

Na vinificação tradicional, a fase mais importante do processo, a fermentação, é feita em aberto. Denominamos como oxidativa. Uma alternativa é que esta fase seja feita em um tanque hermético que pode, em situações extremas, receber uma carga de gás inerte, como o Argônio.

O vinho resultante, neste caso, é muito aromático, frutado e com uma bela cor. Vale para tintos e brancos. Mas há um limite: as leveduras que fermentam o mosto precisam de uma quantidade de oxigênio para se desenvolverem corretamente e fazerem sua “mágica”.

Mesmo depois de pronto, há que engarrafar, sob as mesmas condições – quase nenhum contato com o ar. Não é uma tarefa fácil e as armadilhas estão por todos os lados.

Qualquer falha e os compostos sulfurosos e os mercaptanos aparecem. Um vinho sempre vai necessitar de uma quantidade específica de oxigênio para ficar pronto, para polimerizar, no jargão dos especialistas. Algumas castas são mais susceptíveis aos métodos redutivos, como a Syrah, a Chardonnay e a Sauvignon Blanc.

São vinhos frescos, aromáticos e fáceis de beber. Mas não são vinhos de guarda. São produzidos para serem degustados ainda jovens.

Não existem vinhos redutivos icônicos, como alguns dos vinhos oxidativos citados no outro artigo. Entretanto, os aromas e notas redutivas são bastante comuns na gama de vinhos orgânicos e naturais. Decorrem do processo específico de vinificação que utilizam leveduras indígenas e nenhum sulfito como conservante.

Neste caso, não chega a ser um defeito. Basta uma boa aeração ou decantação para que estes incomuns aromas se dissipem.

Saúde e bons vinhos!

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Foto de abertura por Florian Berger para Pixabay

Vinhos “laranja” estão em alta!

Não é vinho com laranja e nem vinho de laranja. O que importa é a coloração desta interessante forma de vinificação. Poderíamos chamar de “cobreado” ou “âmbar”, mas o que pegou, em todo o mundo, foi o laranja ou orange.

Alguns críticos acham que é um modismo, coisa das novas gerações que estão mais preocupadas com o “como é produzido” do que com “o que é”.

Na verdade, é um resgate. Originalmente, vinhos elaborados com qualquer tipo de uva seguiam uma mesma receita. Assim, todo tinto tinha a sua cor característica, mas não eram límpidos, e os brancos eram turvos e alaranjados.

A razão é muito simples: as cascas eram fermentadas junto com o mosto.

Com o tempo, os vinhos brancos seguiram por um caminho, processando unicamente o mosto ou sumo, enquanto os tintos precisam das “peles” para lhes dar a cor.

Este ressurgimento trilha o mesmo caminho dos vinhateiros que elaboram os Vinhos Naturais, uma categoria que abarca os orgânicos, biodinâmicos e assemelhados. Os métodos de produção adotados por este grupo são chamados de “baixa intervenção”, logo, em algum momento, os brancos passaram a ser macerados com suas cascas, resultando na curiosa coloração do produto final.

Com características organolépticas esquecidas pelo tempo, os laranjas pegaram de surpresa toda a gama dos enófilos e críticos: agradaram em cheio.

Formam, agora, uma nova e diversa categoria que se soma às tradicionais dos brancos, tintos e rosados. Qualquer uva branca pode ser utilizada para esta elaboração. A cor final dependerá, apenas, do tempo de contato com as cascas. Há uma grande variação que tipifica, bem, as origens de cada rótulo. Produtores de todo mundo vinificam de acordo com suas melhores práticas, traduzindo de forma muito clara o seu “terroir”. Parece que este tipo de vinho foi feito para isto.

Algumas castas se mostram mais afetas a este estilo: pinot grigio/gris, ribolla gialla e uma das mais antigas varietais, a rkatsiteli da Georgia, país considerado como o berço dos vinhos laranja, onde já teriam sido vinificados há 8.000 anos atrás!

Aromas, sabores e sensações gustativas destes vinhos são absolutamente únicas. Imaginem um vinho branco ligeiramente tânico, com uma intrigante e agradável adstringência. Fechem os olhos e poderíamos afirmar que é um tinto leve. Notas de flores secas, feno, pêssego maduro, jaca, zimbro, nozes e castanhas diversas. Alguns críticos acrescentariam, num comentário ferino, verniz de madeira, óleo de linhaça e maçã passada …

Se o caráter e personalidade deste vinho já causaram uma boa sensação no mercado, foi na hora de harmonizar que brilharam, preenchendo uma lacuna onde os demais estilos de vinhos não conseguiam combinar adequadamente: culinária oriental e dietas vegetarianas e veganas.

Por suas características que se aproximam às de um tinto, os laranja enfrentam, galhardamente, carnes de qualquer tipo. São muito versáteis.

Alguns produtores nacionais que seguem a linha dos naturais oferecem excelentes laranjas, tranquilos ou espumantes. Destaco um produtor que, acredito, foi um pioneiro neste estilo: Luís Henrique Zanini e sua vinícola Era dos Ventos.

O vinho em questão é o Peverella, que na safra de 2018 recebeu 90 pontos do Guia Descorchados, o mais importante do cone sul.

A descrição, a seguir, foi obtida no site da vinícola:

“Parte das uvas são de produção própria e parte são provenientes de Vinhedos antigos de mais de 50 anos, lote inicial de 600 garrafas. Colheita manual. Desengace, maceração aberta por 21 dias em mastelas (cubas) de carvalho francês da década de 30, prensagem em prensa manual (tórchio) de madeira brasileira (araucária). Fermentação espontânea, leveduras indígenas, sem clarificação, sem colagem, sem filtração. Pequenas doses de SO2 no engarrafamento. 50% deste vinho estagia por dois anos em barricas brasileiras de ipê, de 250 litros, e os outros 50% em barricas de carvalho francês de vários usos. Álcool 12,8%.”

Um dos melhores vinhos brasileiros, acima de qualquer suspeita. Caro, por conta de sua limitada produção, mas vale cada centavo investido.

Os rosados que se cuidem!

Saúde e bons vinhos, laranja!

CRÉDITOS:

Orange Wine” por fs999 está licenciado sob CC BY-NC-ND 2.0.

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