Autor: Tuty (Page 28 of 145)

Ataque e Retrogosto – de volta ao básico

Há quem afirme que “beber” um vinho é diferente de “degustar” um vinho. Embora pareça algo semântico, Enófilos são adeptos de alguns ritos no momento de apreciar sua bebida o que poderia explicar esta diferenciação.

Um dos protocolos mais importantes é o que rege o contato com os nossos sentidos do olfato e paladar: se não forem do nosso agrado, c’est fini, não se toma um segundo gole.

Este primeiro momento é o “ataque” ou entrada. Avisados pelo que foi sentido ao apreciar os aromas, tem-se uma expectativa sobre o que vai acontecer na boca. As possibilidades passam por acidez, adstringência, doçura, maciez, calor e carbonatação que são determinantes no sabor. Cada uma destas características é o resultado da presença, acentuada ou não, dos principais elementos que compõem um vinho. Acidez traz a sensação de refrescância, taninos respondem pelas sensações ásperas, o teor alcoólico passa calor e assim por diante.

É no momento do ataque que se decide se um vinho agrada. Cada uma das características mencionadas, de forma individual, constitui a “estrutura” do vinho. Em conjunto e bem equilibradas, se transformam nas “sensações em boca”.

Se realmente existem diferenças entre “beber” e “degustar”, é neste ponto que talvez haja alguma inflexão. Dar aquele grande gole não vai revelar nada. A bebida vai passar batido e cumprir sua função de inebriar, apenas. Por outro lado, um pequeno e elegante sorvo, que permita ao líquido ingerido passear por todo o palato, vai revelar todos os seus segredos.

A etapa seguinte, quase óbvia, é buscar como o vinho se mostra nos segundos após o impacto do ataque. Enche a boca ou nem é percebido? Qual é a textura: áspera, suave, arenosa, mastigável, luxuosa?

Isto é o que se chama de “meio de boca”. Em conjunto com o “ataque”, vai trazer novas informações sobre o que estamos bebendo. Neste momento, degustadores mais experimentados são capazes de perceber pequenos detalhes que vão ajudar a descobrir o tipo de casta utilizada, origens, defeitos e até a idade do vinho.

A última etapa, o retrogosto, é o que sobra após o líquido ser ingerido. Um vinho que não apresenta sabores residuais se torna desinteressante, insípido, não disse a que veio. O oposto é aquele que nos deixa com algumas camadas de sabor, seja a espera de outro gole ou de um petisco que harmonize corretamente.

Não se pode diminuir a importância do retrogosto, cabendo a ele ser o elo com o que vem depois. Muitos especialistas usam este parâmetro para avaliar a qualidade da elaboração de um vinho. Entendem que quanto maior for a permanência do “final de boca”, melhor é a qualidade da vinificação, com seus desdobramentos diretos: matéria prima, higiene, maturação etc.

Apreciar um vinho desta forma não precisa de nenhum curso teórico. Basta absorver o que foi exposto aqui e dar tempo ao tempo. Não se apressem, desfrutem cada golezinho. Procurem fazer associações com sensações do dia a dia, pode mesmo ser aquela do arroz com feijão, bem temperadinho e com uma gotinha de pimenta malagueta.

É disto que estamos falando…

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto “Pessoa bebendo vinho” de Helena Lopes para Pexels.

Uma casta , um vinho – Baga

Existem as uvas nobres, as icônicas, as emblemáticas e as complicadas: a Baga é uma delas!

Faz parte de um especialíssimo grupo ao qual se juntam a Nebbiolo e a Pinot Noir, considerada como a mais difícil uva para ser cultivada e vinificada. A Baga não fica muito atrás não…

Sua origem mais provável é a região do Dão, Portugal, de onde se espalhou para a vizinha Bairrada, seu local de excelência. Vinhedos menores podem ser encontrados em outras regiões portugueses e até mesmo na vizinha Espanha. Dados de um censo realizado em 2016 estimam uma área plantada de 6.800 hectares.

Como de costume nas terras lusitanas, a Baga tem uma grande variedade de denominações regionais, algumas bem curiosas como “Paga Dívida”. Sua relação com os produtores é de amor e ódio, simultaneamente. Se bem tratada, pode produzir vinhos maravilhosos e longevos ou, se maltratada, não produz nada que preste. Totalmente temperamental!

Seu principal problema é o lento amadurecimento. Na maioria das vezes, o momento de ser colhida coincide com a estação chuvosa, aumentado a possibilidade de apodrecimento (botrytis) e perda dos cachos.

A Baga, bem cultivada e vinificada, entrega bons tintos, encorpados, alcoólicos e tânicos. Apresentam aromas de ameixas, ervas, azeitonas, cassis e tabaco. Não são vinhos para serem consumidos jovens, há que dar tempo ao tempo: 15 ou 20 anos de guarda…

Espumantes e rosados são dois outros vinhos que podem ser elaborados com esta casta. Ambos têm ótima reputação no mercado português. Geralmente os frutos serão colhidos um pouco mais cedo, garantido uma boa acidez e perlage consistente.

Luís Pato (Bairrada) é considerado como o grande “domador” desta instável casta e uma referência entre os grandes produtores portugueses. Um dos seus vinhedos, a Quinta do Ribeirinho, foi plantada em pé franco, num solo arenoso, conseguindo reproduzir as condições pré-filoxera. Foram mais de 20 anos de espera até a primeira colheita em 1995. Para os especialistas, este é o melhor tinto do país.

Outros produtores que elaboram deliciosos vinhos com esta uva são: Campolargo, Casa de Saima, Caves São João, Adega Cooperativa de Cantanhede, Dulcinea dos Santos Ferreira e Kompassus.

Uma curiosidade: A Baga é a principal casta no corte elaborado para a produção do famoso Mateus Rosé, junto com a Rufete, Tinta Barroca e Touriga Franca.

Para representar esta casta, selecionamos um vinho da Bairrada e de seu mais famoso produtor, Luís Pato:

Vinha Pan 2013

Um vinho português clássico, de vinhedo único e minúscula produção. Elaborado utilizando rendimentos muito baixos. Um vinho refinado e potente, apresentando um bouquet muito complexo e deliciosa textura do palato. Maturado em barricas de Carvalho, pode ser guardado por mais de 15 anos. Nesta safra recebeu 90 pontos de Robert Parker e 16,5/20 de Jancis Robinson.

Harmoniza com pato e com carnes vermelhas.

Saúde e bons vinhos!

Macabeo, Xarel-lo, Parellada

Estas três uvas brancas fazem um “blend” notável, digno de figurar em qualquer enciclopédia sobre vinhos no capítulo dos espumantes. Para quem aprecia, este particular tipo de vinho, o Cava, produzido originalmente na região de Penedés, Catalunha, rivaliza em qualidade com o Prosecco e com o Champagne, inclusive.

Deve ser elaborado pelo método tradicional, ou Champenoise, unicamente dentro das regiões de origem controlada, D.O, específicas, seguindo rígidas normas de produção. São 4 formas de classificação ou categorias:

Cava – mínimo de 9 meses de maturação;

Cava Reserva – mínimo de 18 meses de maturação;

Cava Gran Reserva – mínimo de 30 meses de maturação;

Cava de Paraje Calificado – são vinhos produzidos em locais considerados de excelência. Mínimo de 36 meses de maturação.

Dentro de cada uma destas classificações, podem ser comercializados 7 tipos diferentes, conforme o teor de açúcar residual: Brut Nature, Extra Brut, Brut, Extra Seco, Seco, Semi Seco e Dulce.

Segundo as normas espanholas, além das castas citadas, podem ser usadas estas outras: Chardonnay, Subirat Parent, e as tintas Garnacha, Trepat, Monastrell e Pinot Noir. Além das versões em branco, existe um delicioso Cava Rosé.

Um vinho muito versátil que é capaz de harmonizar com um infinidade de alimentos. Combina magistralmente com a culinária típica de alguns países, como Peru, México e Japão, além dos vizinhos do Mediterrâneo.

As marcas Codorníu e Freixenet  talvez sejam as mais conhecidas. Enfrentam uma dura concorrência com vinhateiros tradicionais e de alta qualidade como Juvé y Camps, Gramona, Guliera, Pere Ventura, Segura Viudas, entre outros. São quase 3.000 produtores!

O nosso destaque vai para esta curiosa garrafa da vinícola Agustí Torelló Mata:

Este Cava, Kripta, é considerado como o melhor da Espanha. Foi elaborado pela 1ª vez em 1978, com o tradicional corte das uvas Macabeo, Xarel-lo e Parellada, cada uma vinda de vinhedos antigos e únicos. Matura por 7 longos anos.

É um Brut Nature orgânico e sua produção está limitada a 15 mil unidades. No seu país de origem pode ser encontrado em lojas especializadas por cerca de 70 euros (R$ 350,00 aprox.) o que não é nenhum absurdo.

A garrafa em forma de ânfora é uma homenagem à Roma antiga. O rótulo, um design de Rafael Bartolozzi, evoca o mar Mediterrâneo, a vinha e a oliveira, como se fossem uma trilogia.

Desde o seu primeiro prêmio em 1984, ganha novos lauréis a cada safra.

Saúde e bons vinhos!

Tinto ou Branco? – de volta ao básico

Aristóteles afirmava que “a dúvida é o princípio da sabedoria”. Com um pouco de razão, podemos aplicar à nossa situação facilmente, afinal, quem já não ficou num dilema como este na hora de decidir o que servir?

Em algumas situações a escolha é direta, por exemplo, num churrasco. No máximo vamos ter que optar por um bom tinto ou uma cerveja gelada. Já se o prato for uma carne mais leve ou um pescado, os brancos serão a opção mais segura.

O mundo do vinho é bem mais complexo que esta simples escolha que, para muitos, é bastante difícil. Imaginem que temos cerca de dez mil variedades de uvas e um volume de produção anual de vinhos, de todos os tipos, em torno de 270 milhões de hectolitros. São mais de 193 países que elaboram esta bebida.

A escolha deixa de ser um simples tinto ou branco e ganha contornos bem mais amplos.

A frase de Aristóteles se encaixa com perfeição e podemos acrescentar mais um adágio: “A sabedoria não vem do acerto, mas do aprendizado com os erros”. Logo, relaxem, ninguém vai levar nota zero por servir um vinho que não combinou 100% com o seu evento.

Em contrapartida, imaginem o stress que passa um Sommelier para ser aprovado no seu exame: tem que acertar o máximo de informações sobre os vinhos que lhe serão submetidos, totalmente às cegas. Nem a cor saberá. Tudo tem que ser deduzido a partir dos aromas e do paladar. Dureza!

Para os que apenas preferem desfrutar de um bom momento com um vinho, as exigências são bem menores. Ainda assim, algum conhecimento é necessário para, pelo menos, saber se é a hora de tinto ou do branco.

Um dos elementos chave para ajudar na escolha e, diga-se de passagem, determinante na maioria das “harmonizações” é o sal. Este onipresente mineral talvez já não seja tão importante a ponto de ser a origem da palavra que indica o que recebemos por nosso trabalho: “salário” deriva do latim “salarium” que significava o “pagamento em sal”, hábito do tempo do Império Romano. O sal valia quase como o ouro e era visto como uma maneira de preservar os alimentos, prática que é usada até hoje.

Deixando a história um pouquinho de lado, o sal é usado como realçador de sabor. “Sem sal” é algo sem graça, desinteressante e pode ser aplicado até para definir pessoas. Já “salgado” pode ser usado como um sinônimo de exagerado.

Aqui está o nosso segredinho: o sal suaviza a sensação de amargor provocada pelo tanino. Assim como nos alimentos, o sal também acentua as qualidades sápidas de um vinho, deixando-o mais fácil de beber. Tintos e brancos podem ganhar muito em qualidade com o teor correto de sal na comida. Um único cuidado: não exagerem.

Leitores da velha guarda vão recordar um truque ainda muito usado: acrescentar uma pitada de sal para realçar o sabor de uma fruta. Laranjas e melões ficam perfeitos. Para os que são cervejeiros, esta pitadinha também funciona, ficando ainda melhor com um toque de limão.

Com isto em mente, podemos partir para um extenso e delicioso aprendizado fazendo as mais inusitadas combinações, sem medo de errar. O objetivo de acrescentar uma taça de vinho nas nossas refeições é enriquecer uma experiência, vinho e comida devem ficar melhor. As regras que todos aprendemos servirão de ponto de partida ou, se preferirem, de porto seguro. Daí em diante a experimentação é livre.

E o que vamos aprender? Onde está o ganho em sabedoria?

Nada nos impede de servir um vinho branco com carne vermelha ou mesmo um vinho tinto com um delicado peixe grelhado. O balizador ideal é a quantidade de sal nestas combinações.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto por WDnet Studio para StockSnap

Vinho e Azeite caminham juntos

Realizou-se entre os dias 7 e 9 de agosto a 4ª edição do Brazil International Olive Oil Competitition (BRAZIL iOOC), simultaneamente, na Quinta da Pacheca, em Lamego, Portugal e no restaurante Kinoshita na cidade de São Paulo, Brasil.

Nesta edição, mais de 100 amostras de azeites, de quatro continentes, foram avaliadas por um qualificado corpo de jurados internacionais. O leque de países que enviaram amostras vai desde os mais tradicionais produtores até rincões como Israel, Uruguai, Tunísia e Estados Unidos da América. Os azeites brasileiros tiveram uma presença recorde.

Para compreender a importância do azeite no mundo do vinho, temos que voltar no tempo, mil anos atrás. Oliveiras e parreiras eram plantadas juntas, cabendo às oliveiras fazer o papel de guardiãs, como uma cerca, protegendo o vinhedo das intempéries e de alguns insetos. Muito antes de se falar de agricultura sustentável, orgânica e similares, esta técnica, nascida nos países mediterrâneos e trazida para o novo mundo no século 19, ficou conhecida como “coltura promiscua”.

Mas as afinidades entre estas duas espécies vegetais e seus principais produtos, vinho e azeite, não se resumem a isto. Existem diversos tipos de uvas e de azeitonas, o que implica em cortes e varietais. Os métodos de extração são, em parte, similares: ambos frutos precisam ser “esmagados” para iniciar seus processos de produção. Além disto, é um bom negócio: ambas colheitas se sucedem o que otimiza o emprego de mão de obra.

Azeites são degustados de forma bem semelhante aos vinhos. Concursos como o “Brazil IOOC” são, na verdade, provas comparativas que avaliam aspectos como aparência, aroma e sabor, além do design das embalagens. As “taças” de prova são aqueles simpáticos copinhos azuis que podem ser vistos no lado direito da foto que abre este texto.

Tudo é provado às cegas…

Especialistas na degustação deste ouro líquido são chamados de “Sommelier de azeite” e desenvolvem uma capacidade de avaliar, em maior detalhe, as notas de frutas, amargor, pungência e equilíbrio.

Para não deixar nenhuma dúvida pairando, a resposta para aquela pergunta que está na ponta da língua, sobre harmonização, é sim! Azeites também combinam melhor com este ou aquele alimento.

As coincidências não param por aí. Assim como nos grandes vinhos, os grandes “extra virgens” também são safrados! Afinal, é um produto de origem vegetal que está sujeito aos efeitos de um “terroir” e das variações climáticas: há anos bons e anos ruins, o que enfatiza a importância destes concursos.

A mais recente descoberta afirma que azeite e vinho tinto harmonizam entre si. O estudo foi feito pela renomada Universidade de Bordeaux. Em linha gerais, tanino e lipídios interagem, proporcionando ao degustador melhores condições sensoriais no paladar.

Aqui estão os “Top 10” desta edição do “Brazil IOOC”:

OLIOVITA CHANGLOT – ARGENTINA
CASA ALFARO KORONEIKI – BRAZIL
CAPOLIVO KORONEIKI – BRAZIL
DON JOSÉ CORATINA – BRAZIL
CAPOLIVO PICUAL – BRAZIL
OURO DA FÁBRICA PREMIUM – PORTUGAL
AL-ZAIT & CO. PICUAL – BRAZIL
DON JOSÉ BLEND – BRAZIL
PURO CORATINA – BRAZIL
PURO BLEND – BRAZIL

O resultado completo está neste link: Premiação Brazil IOOC – 2022

O idealizador deste já respeitado concurso é Maurício Gouveia, um simpático paulistano que se mudou, faz tempo, para Portugal em busca das origens de sua família. Atualmente é um craque de vinhos e azeites e está num exclusivo rol de 20 pessoas que empreendem estes concursos. Parabéns!

Estamos estudando, em parceria com ele, a possibilidade de oferecer cursos sobre este delicioso alimento nas principais cidades do Brasil. Para ajudar nesta nova aventura, gostaríamos de saber do interesse dos leitores. A página de comentários é perfeita para este fim.

Saúde, bons azeites e bons vinhos!

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