Estas são as famosas Talhas, que voltaram a ser utilizadas na produção de vinhos na região do Alentejo (não conheço o cavalheiro da foto, serve, apenas, como referência de tamanho). A Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) adotou a classificação Vinhos de Talha DOC, criando regras especificas para os produtores que retomam práticas de vinificação iniciadas pelos romanos a mais de dois mil anos atrás.
Uma delas exemplifica muito bem o universo português do vinho, único em muitos aspectos: as talhas só podem ser abertas a partir do dia de São Martinho, 11 de novembro. Uma tradição bem italiana, que foi completamente incorporada na cultura lusitana. Nesta data comem castanhas assadas regadas a vinho.
Portugal é repleto desta interessante simbiose entre o tradicional e o moderno. Os seus vinhos estão nas prateleiras de lojas especializadas nos quatro cantos do planeta e se destacam por terem muita personalidade. São produtos modernos que não se afastam um milímetro de suas tradições. Vinicultores portugueses dominam mais uma arte além da vinificação: modernizar tradições sem perder seu caráter.
Infelizmente este não é um mundo perfeito. Técnicas de marketing agressivas, países que veneram um determinado estilo, a chegada dos vinhos do Novo Mundo, que alteraram o equilíbrio desta delicada balança e chamaram a atenção para os varietais que, até então, eram os azarões do mercado.
Isto tudo teria, em tese, relegado os vinhos de corte, que sempre foram os grandes vinhos (o corte Bordalês, se tornou a referência do mercado) a um segundo plano. Nada mais longe da verdade.
Hoje existem outros cortes que fazem frente, em igualdade de condições, aos vinhos de Bordéus, como os GSM do vale do Ródano ou os Supertoscanos da Itália e os vinhos do Douro, estes com uvas que ninguém mais tem.
O corte ou lote mais famoso da terrinha é o Porto, cujas regras de produção limitam a escolha da matéria-prima a cerca de 30 castas. Os grandes produtores trabalham com apenas 5: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Tinto Cão.
Na visita que fizemos à Quinta do Bomfim, produtora do afamado Porto Dow’s, houve um episódio que deixou o guia meio sem jeito. Estávamos em um grupo e, logo no início, ele explicou esta norma de produção que limita o número de castas que podem ser usadas na produção. Uma senhora, visivelmente neófita em assuntos do vinho ficou desconcertada e perguntou; “Mas não é qualquer uva”?
Todos ficaram com a impressão que ela imaginava que o vinho do porto era elaborado com as mesmas uvas que comprava para sua residência. Total desconhecimento sobre uva viníferas e de mesa…
Mais adiante, uma nova pergunta confirmou estas suspeitas. Já estávamos nas caves, onde o guia mostrou um vídeo e estava explicando como a doçura dos vinhos do Porto era obtida pela adição de aguardente, interrompendo a fermentação. O fazia de modo muito didático e com muita paciência.
A mesma visitante, desta vez demonstrando muita confusão, questiona: “Mas o Sauternes (famoso vinho doce de Bordéus) é feito de uva também”?
Pano rápido!
Estes dois episódios demonstram que o desconhecimento sobre vinhos é grande, mesmo entre alguns especialistas e por estas razões, preferem navegar por caminhos seguros e não se aventurar em trilhas desconhecidas.
Pena!
Os vinhos de corte portugueses deveriam estar ombro a ombro com os bordaleses. Podem ser tão bons quanto e muitas vezes são superiores.
Saúde e bons vinhos!
Vinho da Semana: Listamos, a seguir, alguns destaques portugueses em 2018.
Vinho Verde: Vale dos Ares, Alvarinho, da vinícola Quinta do Mato do produtor Miquel Queimado;
Porto: Quinta do Noval Nacional Vintage 2016;
Douro: Duorum Old Vines Douro Reserva tinto 2015;
Alentejo: Procura Vinhas Velhas Regional Alentejano tinto 2014;
Dão: Fonte do Ouro Dão Reserva Especial Touriga Nacional, 2015;
Bairrada: Aliança Baga Clássico, Quinta da Dôna, 2011;
Branco: Meruge Douro branco, 2016.