Page 17 of 145

Alguns vinhos icônicos – Pêra Manca

Vinhos famosos existem tanto no Velho Mundo quanto no Novo. Cada um ficou conhecido por diferentes razões. Uns são muito antigos e cheios de lendas, outros apresentam qualidades indiscutíveis e há, claro, os que nos contam histórias curiosas.

Tradicionalmente, Portugal tem dois vinhos famosos, o Barca Velha, produzido na região do Douro e o Pêra-Manca, da região do Alentejo, que é o personagem deste texto.

Uma bela história nos conta que no ano 1300, numa região próxima à cidade de Évora, um pastor teria presenciado uma aparição de Nossa Senhora. Peregrinos adotaram o local como destino de suas viagens, dando origem a uma capela e, depois, a um Convento da Ordem de São Jerônimo, cujos Frades plantaram os vinhedos que teriam dado origem a este vinho.

Em 1517, devido ao alto custo de manutenção, os Frades arrendam os vinhedos, que foram passando por diversas famílias. Coube à Casa Agrícola Soares, já no século XIX, recuperá-los e transformar aquele vinho em um produto de excelência, abrindo caminho para o Pêra-Manca ficar afamado.

O curioso nome é uma deturpação de “pedra manca” ou pedra oscilante, nome dado para blocos arredondados de granito que estão soltos e precisam se equilibrar sobre outras rochas. Este é o terreno típico daquela região.

A crise da filoxera dizimou estes vinhedos e a Casa Soares deixou de produzir o vinho. Em 1987, um dos herdeiros, José António de Oliveira Soares, ofereceu a marca para a Fundação Eugênio de Almeida, proprietária da Adega Cartuxa, que passou a usar o nome em seu melhor vinho, o Cartuxa Garrafeira.

Este excelente corte das castas Trincadeira, nativa de Portugal e Aragonez, nome local para a conhecida Tempranillo, já recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais que o colocaram neste rol exclusivo. Só é elaborado em safras muito boas.

Outra lenda afirma que Pedro Álvarez Cabral trouxe alguns toneis do Pêra-Manca em sua viagem que resultou na descoberta do Brasil. Pero Vaz de Caminha, em uma de suas cartas, relata que um vinho teria sido partilhado com os indígenas. Teria sido o “Pêra”?

Não há como negar que este vinho tem uma forte ligação com o nosso país: somos o maior comprador deste rótulo!

Existe uma versão branca do Pêra-Manca, um corte das castas Arinto e Antão Vaz.

Preços médios no Brasil:

Branco – R$ 600,00

Tinto – R$ 4.000,00

Saúde e bons vinhos!

Cor, transparência e reflexos

Tem muita gente que não sabe o que isto significa, mesmo assim, cumpre o manjado rito de examinar o vinho, seguindo três etapas: visual, aromas e sabores.

Leigos e Enófilos menos experientes, não dão tanta importância a este exame visual, que é o nosso primeiro encontro com o que sai da garrafa. Apenas olham, não procurando especificamente por nada, mas se acharem que o conjunto não combina com suas referências…

A turma mais tarimbada demora um pouco mais nesta etapa. Não basta olhar, é preciso procurar por certos sinais para descobrir e aprender bastante sobre o que será degustado.

Para observar o conteúdo da taça, corretamente, é preciso um local com boa iluminação e um fundo branco, que pode ser facilmente improvisado com um guardanapo ou folha de papel.

A coloração deve ser homogênea, valendo para qualquer tipo de vinho. A tonalidade deve estar dentro dos limites esperados, de acordo com a casta utilizada. Tomando os tintos como exemplo, um Pinot Noir tende a ser mais claro que um Cabernet Sauvignon ou um Syrah. Alguma coisa fora desta linha acende o sinal de alerta.

Cores que tendem ao marrom, âmbar ou similar, já indicam que o produto em análise não está bom para consumo.

O segundo ponto desta avaliação é a transparência. Para observá-la, devemos colocar a taça contra uma boa fonte de luz. Mesmo um tinto bem encorpado vai apresentar algum grau de translucidez.

O que não deve ser encontrado:

– Opacidade – indica que o vinho pode estar contaminado ou mesmo sofreu uma segunda fermentação já na garrafa, sinal de pouco cuidado na elaboração;

– Elementos em suspensão – podem variar desde pedaços da rolha até restos das leveduras usadas. A aparência é turva, dando a impressão de um vinho sujo. Dependo de exames olfativos, uma boa decantação ainda poderá salvar um vinho assim;

– Espuma, bolhas ou efervescência – isto só é desejável nos espumantes. Em vinhos tranquilos é defeito grave e deve ser descartado;

A terceira e última fase do exame visual é a busca pelos “reflexos”, uma estreita faixa que se observa no arco que formado entre o líquido e a lateral da taça, quando a inclinamos, como na foto que ilustra este texto.

À medida que um vinho envelhece, sua cor vai mudando. Um tinto jovem apresenta uma coloração denominada Rubi. Quando estiver mais maduro, esta mesma coloração tende a um Grená. Ao fim da sua vida, a cor será marrom ou tijolo, dependendo da casta.

O exame do reflexo ou nuance vai mostrar em que fase da vida o vinho está. Se jovem, reflexos de outra coloração não serão notados. Se naquela estreita faixa aparecerem tons mais castanhos ou um pouco mais escuros que a cor original, é sinal que o vinho já evoluiu.

Não é uma tarefa fácil exigindo muito treino, mas é um ótimo indicador. Para ajudar a entender as cores básicas, listamos as mais comuns:

Tintos leves – rubi (Pinot Noir, Gamay)

Tintos médios – grená, púrpura (Cab. Franc, Tempranillo, Cab Sauvignon)

Tintos encorpados – vermelho escuro (Malbec, Syrah)

Brancos leves- amarelo palha (pinot grigio)

Brancos médios – amarelo ouro (Sauvignon Blanc, Chardonnay, Alvarinho)

Brancos encorpados – dourado – (Sauternes, Semillon)

Dependendo da região, estas indicações podem variar discretamente. Os Pinot da América do Sul tendem a ser mais escuros que os da Borgonha, e assim por diante.

Que tal dedicar mais tempo ao exame visual?

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS

Imagem de KamranAydinov no Freepik

Notícia da semana: derramamento de vinho

Acho que esta foto, ou similar, esteve presente nas manchetes dos jornais mundo afora. Afinal, foram derramados algo em torno de 2.2 milhões de litros de “um” vinho ou quase três milhões de garrafas. Dois tanques de armazenamento teriam se rompido. As razões ainda não foram explicadas.

Colocamos o artigo indefinido – um – entre aspas, propositadamente, para chamar a atenção: não é um vinho como aqueles que estamos habituados a consumir. Trata-se de uma vinificação específica para ser destilada, ou seja, transformada em aguardente vínica ou mesmo álcool farmacêutico.

A empresa responsável pelo vazamento foi a Destilaria Levira, situada em São Lourenço do Bairro, Anadia, região da Bairrada. Existe desde 1923, e tem uma reconhecida linha de produtos, que abrange desde diversos tipos de aguardentes, licores e produtos farmacêuticos, entre outros.

A empresa é certificada como sustentável e, rapidamente, assumiu total responsabilidade sobre o episódio. Não houve vítimas. A grande preocupação era que este volume de vinho não atingisse o Rio Certima, o que foi evitado pela rápida ação da empresa e dos órgãos de controle ambiental. O despejo foi desviado para um terreno vazio de onde foi dragado e enviado para uma estação de tratamento de resíduos.

Quem teve o maior dano foi uma residência: seu porão ficou inundado. A Destilaria assumiu todos os custos.

Curioso notar que nesta mesma semana, outra notícia do mesmo calibre chamou a atenção dos Enófilos: A França pretende transformar cerca de 300 milhões de litros de vinho em Etanol.

O consumo de vinhos naquele país teve acentuada queda e o volume que será convertido foi considerado como excedente. Há uma outra versão que está sendo muito citada: esta operação teria como principal objetivo garantir os altos preços de seus grandes vinhos.

Derramamentos de vinhos são eventos bastantes frequentes no mundo do vinho, embora nem sempre causem o impacto deste último. Aqui estão alguns que conseguimos lembrar:

Em junho deste ano, um tanque se rompeu na vinícola espanhola Vitivinos, derramando 50 mil litros de bons vinhos;

Em abril de 2016, alguns vinhateiros franceses sequestraram cinco caminhões tanques carregados de vinhos espanhóis. Abriram os tanques e desperdiçaram 68.000 litros de vinhos, em protesto pela manobra de trazer vinhos não franceses para o mercado. Aparentemente seriam usados para fraudar vinhos locais;

Em 2012, um empregado que foi demitido de uma vinícola italiana fez uma ato de sabotagem, abrindo as válvulas de esgotamento de 10 dornas de armazenamento de um Brunello di Montalcino, deixando ir para o ralo, literalmente, o equivalente a 80 mil garrafas.

Procurando podemos encontrar mais eventos semelhantes. Motivos não faltam e acidentes podem acontecer.

Mas é lamentável, sempre.

Saúde e bons vinhos!

Vegetarianismo e o vinho

Pode parecer estranho, mas o vinho não é, necessariamente, um produto estritamente vegetariano e menos ainda vegano, uma filosofia de vida que vai muito além de uma dieta isenta de alimentos de origem animal.

Embora em sua composição só existam uva e leveduras, ambos 100% vegetais, nos diversos processos de elaboração de um vinho podem ser empregados produtos de origem animal. Acreditem, a lista é grande e, em alguns casos, altamente insuspeitos.

Depois de fermentado, o mosto tem aparência muito turva com muita coisa em suspensão no líquido. São restos das cascas das uvas, algumas proteínas decorrentes da reação e resíduos das leveduras que precisam ser removidos para assegurar uma boa aparência e qualidade de aromas e sabores ao final.

Um dos produtos mais simples e antigos usados no processo de clarificação de um vinho é a clara de ovo, que não se enquadra nas regras da dieta vegetal. Além dela, mais subprodutos de origem animal podem ser usados: sangue, medula óssea, gelatina, cola e óleo de peixe, quitosana e caseína.

Todos estes produtos citados cumprem a mesma função: auxiliar na filtração e clarificação do vinho. A escolha fica a critério do produtor.

Existem alternativas que se enquadram nas regras do vegetarianismo e veganismo. A primeira e quase óbvia, é não filtrar o vinho, optando por deixá-lo em repouso por um longo tempo, decantando e sedimentando. Produtores de vinhos naturais seguem esta linha. A aparência pode não ser a mais comercial, mas o vinho está com tudo que lhe pertence dentro da garrafa.

Outra técnica emprega produtos de origem mineral como bentonita, sílica gel, caulim, calcário e de origem vegetal como algas e caseína obtida a partir de plantas. Algumas destas técnicas tem influência direta no preço final do vinho.

Para o grupo que segue a filosofia vegana, ainda há mais pontos a serem considerados. Algumas rolhas de cortiça são produzidas a partir de resíduos aglomerados com uma cola de origem animal. O encapsulamento das garrafas, se feito com cera de abelhas, é mais um item a ser observado. Os que seguem este regime de forma mais restrita se preocupam, também, com o manejo do vinhedo: nada de fertilizantes de origem animal.

Na legislação brasileira não há nenhuma obrigatoriedade de mencionar se um vinho é vegetariano ou vegano. Entretanto, muitos produtores, que já perceberam um bom potencial neste mercado, incluem estas informações em seus vinhos, seja no rótulo ou contrarrótulo.

A Sociedade Vegetariana Brasileira criou, em 2013, o “Certificado Produto Vegano SVB”, um programa de reconhecimento já adotado por boas vinícolas nacionais, que exibem o selo (foto) em seus produtos.

Lojas on line costumam colocar um marcador, ao lado da foto de cada produto, indicando se é adequado para consumo por quem segue uma destas dietas. Nas lojas presenciais, o melhor caminho é perguntar ao vendedor.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto por Lisa Davies no StockSnap

Vinhos com altas pontuações valem a pena?

Na recente viagem a Mendoza, foi possível constatar alguns fatos sobre a relação do consumidor brasileiro com o vinho.

Em linhas gerais, a nossa cultura sobre esta bebida ainda é incipiente, salvo em algumas regiões onde o vinho sempre foi parte do dia a dia. São poucos os cursos de formação de Enófilos, os mais comuns formam Sommeliers.

A mídia especializada ainda é pouca, duas publicações são marcantes, as revistas Adega e Gula. Há um bom guia de vinhos sul-americanos, o Descorchados e outro só dos nacionais, publicado pela Adega. O resto são colunistas nos principais jornais, uns bons e outros nem tanto.

Nas redes, há de tudo. É tanta informação ou desinformação que fica difícil separar o joio do trigo.

Um mecanismo bastante popular é se orientar pelas pontuações atribuídas, aos vinhos, por diferentes críticos. Esta peculiaridade ficou bastante evidente na viagem citada. Todas as vinícolas que eram constantemente premiadas estavam com suas agendas lotadas e os visitantes em busca daquele que seria o seu melhor vinho, nem sempre disponível para degustações.

São poucas garrafas e muito caras…

Já as vinícolas de pequeno porte, com vinhos requintadíssimos e difíceis de serem adquiridos nas lojas, estavam vazias, principalmente por serem quase desconhecidas do público em geral.

O marketing dos “100 pontos” é avassalador.

Avaliar um vinho não é tarefa fácil. Um crítico, para ser respeitado, precisa de muito conhecimento, paladar e olfato apuradíssimos, no mesmo nível de um perfumista e ser o mais isento possível.

Convenhamos, esta última qualidade é quase utópica. Robert Parker Jr. foi um que conseguiu deixar isto bem claro: sempre adquiriu as garrafas que iam ser degustadas, nada de aceitar remessas não solicitadas. Talvez tenha sido a chave do seu sucesso.

Ninguém o substituiu, ainda. Parker não era uma unanimidade. Seu estilo predileto de vinhos, era dirigido a um público muito específico, o consumidor norte americano. Gostava de vinhos intensos, encorpados e madeirados. Apelidaram, maldosamente, de “fruit bomb” (bomba frutada, em tradução livre).

Embora não tenha sido o inventor da escala de 100 pontos, foi quem a tonou popular. Existem outras, numéricas ou não, mas nenhuma representa melhor o ideal de um consumidor: 100 pontos é um senhor vinho!

Curiosamente, alguns aplicativos sobre vinhos, como o conhecido Vivino, estão, lentamente, mudando este quadro ao adotarem uma escala de 5 (cinco) pontos. Honestamente é mais simples e não é difícil fazer uma correlação entre as duas: 5 pts = 100 pts.

(Em passant, sempre lembro da apuração do desfile de escolas de samba aqui no Rio. De acordo com a regra vigente, a menor nota é 9 (nove) e a maior 10 (dez), valendo os décimos. Será que alguém já fez a correlação 9=0?)

Para compreender o que significa uma pontuação, não importando qual escala foi empregada, precisamos observar alguns fatores, o mais importante, é quem atribuiu a nota e qual o seu grau de comprometimento com o mercado de vinhos. Fica subentendido que os críticos locais são os que tem a maior chance de harmonizar com o nosso paladar.

Um segundo ponto, bastante interessante, mas quase sempre pouco divulgado, é como se subdivide uma escala e quais os parâmetros que são usados na hora de analisar.

Tomamos como exemplo a escala de 100 pontos.

Um crítico tem que analisar os seguintes aspectos:

– Cor, 15 pontos;

– Aroma, 25 pontos;

– Estrutura, 25 pontos;

– Qualidade como um todo, valendo 35 pontos (este item é muito subjetivo e o que agrega a maior pontuação).

Há também (como nas Escolas de Samba) limites para os menores valores, embora existam 100 pontos disponíveis:

– As melhores notas se situam entre 90 e 100 pontos;

– As notas médias estão entre 80 e 89 pontos;

– As notas aceitáveis ficam entre 70 e 79.

Fora deste escopo, notas não são mais atribuídas e nem os vinhos são recomendados.

Aqui vai o truque que ninguém explica: as diferenças são mínimas dentro destas faixas. Para o consumidor final, mesmo sendo alguém muito tarimbado, um vinho de 90 pontos é muito perto de outro com 100 pontos.

Tanto é verdade que se tornou comum classificar pela faixa de notas do que pela pontuação exata. Exemplo, “este é um vinho de mais de 90 pontos”.

Se a escala for outra, basta fazer uma correlação. Não importa se são os “bicchieri” (taças) do Gambero Rosso, as estrelinhas do Hugh Johnson ou outra simbologia, há muita qualidade nos vinhos que, por algum motivo, não obtiveram nota máxima.

Pensem nisto na próxima compra.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Imagem de Freepik

« Older posts Newer posts »

© 2025 O Boletim do Vinho

Theme by Anders NorenUp ↑