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Organizando uma adega

Uma das mais interessantes facetas do universo dos vinhos, algo que fascina desde novos enófilos até os mais experientes, é ter sua própria adega. Traz aquela segurança de ter sempre por perto alguns de nossos vinhos favoritos, nos faz sonhar com uma garrafa diligentemente comprada para ser, um dia, degustada e, como se nada disto bastasse, ainda vira uma espécie de vitrine do nosso gosto pessoal.

Montar uma adega em casa, mesmo com poucas garrafas, não é apenas comprar e guardar – isto nem sempre funciona: algum planejamento é necessário.

A nossa primeira recomendação é começar pequeno e com um orçamento aceitável. Investir em grandes vinhos será uma segunda etapa, depois de dominarmos a manhas desta operação.

O segundo ponto é encontrar a localização ideal de guarda, dentro de nosso espaço doméstico. Uma solução, óbvia, é investir numa adega climatizada. Não é mandatório: um canto de um armário, que não receba luz solar, bem ventilado e fresco pode funcionar perfeitamente para este propósito.

A terceira recomendação é decorrente: quantas garrafas devemos manter em estoque?

Um bom ponto de partida é comprar três garrafas de cada tipo de vinho que mais apreciamos: uma será de consumo rápido e servirá de balizador para o destino das outras duas. Devemos acreditar no nosso “feeling” e estabelecer uma data limite para o consumo, degustando a segunda garrafa no meio deste caminho.

Esta sugestão vale para todos os tipos de vinhos: tranquilos, espumantes e generosos. Em linhas gerais, os vinhos mais simples duram entre 1 e 3 anos, os vinhos finos e caros podem durar até 20 anos. Alguns generosos e os de sobremesa podem dobrar este tempo. Vinhos brancos tem vida ligeiramente inferior à dos tintos.

Um detalhe que muitas vezes passa despercebido é fazer o “rol” do nosso estoque, dando baixa em tudo que foi consumido, facilitando a reposição. Para os mais aplicados e organizados, vale incluir uma indicação da posição da garrafa. Colocar etiquetas penduradas nos gargalos é outra boa dica. Não precisam ser sofisticadas, podendo conter apenas o nome do vinho e a safra, ou um código que remeta a listagem.

Qualquer que seja a adega, higiene é fundamental. Periodicamente devemos examinar as garrafas, removendo, da melhor e mais delicada maneira, qualquer mancha de mofo, acúmulo de poeira e, sobretudo, observar se não há indícios de vazamentos ou ressecamentos das rolhas. Este conselho deve ser observado até pelos que optarem por adegas climatizadas.

Desde que começamos a escrever no O Boletim do Vinho, a recomendação de manter um caderno de anotações é periodicamente enfatizada. No caso dos vinhos adegados se torna mais importante e será o instrumento chave para fazer o “giro do estoque”. As informações ali contidas nos orientarão sobre o que deve ser repetido e o que deve ser inovado.

Se o orçamento for generoso, esta é a hora de investir num grande vinho, aquele que nunca provamos e que habita nossos sonhos. Desta vez, não será uma aventura, mas uma compra com a segurança de termos o espaço certo e a disposição de deixá-lo quietinho a espera de um grande dia.

— “A minha adega tem algumas garrafas neste compasso”.

Saúde e bons vinhos, inclusive na adega!

Créditos:

Foto de Amy Chen no Unsplash

Qual a ordem de serviço dos vinhos? – de volta ao básico

A maneira mais fácil de estragar uma refeição harmonizada é não dar a devida importância para a sequência dos vinhos que serão servidos. Muito fácil de perceber o tamanho do possível estrago: sirvam um vinho mais encorpado antes de um mais leve. Ninguém vai gostar do segundo vinho…

Ao contrário da conhecida propriedade da multiplicação, aqui, no mundo dos vinhos, a ordem de serviço altera o resultado.

Há uma regra básica a partir da qual múltiplos corolários se apresentam:

Sirvam primeiro os brancos, seguido dos rosados, dos tintos e para finalizar os de sobremesa e os generosos.

Espumantes podem ser os primeiros vinhos, para preparar o palato antes de uma refeição ou, ao final, para brindar ou celebrar um evento. Neste caso os brut devem ser servidos primeiro deixando os Demi-sec ou doces para o final.

A quantidade de açúcar no vinho é o que está por trás destas regrinhas. Numa relação bem direta, sirvam os vinhos mais secos antes dos mais doces. O que nos leva a mais um ponto a ser considerado: vinhos mais leves vêm antes dos encorpados e os mais jovens, antes dos maduros. Para facilitar, aqui está um prático resuminho:

– Brancos antes dos tintos;

– Secos antes dos doces;

– Vinhos mais frios em primeiro lugar;

– Leves antes dos encorpados;

– Vinhos mais simples antes do mais complexos;

– Jovens antes dos envelhecidos.

Estas não são cláusulas pétreas e devem ser usadas com sabedoria e bom senso. Em sã consciência, ninguém imaginaria servir um leve Pinot Noir da Borgonha na sequência de uma degustação com Cabernet e Malbec. Já ao contrário…

Exceções sempre existem, por exemplo, numa refeição em que o prato principal harmonizaria com um branco encorpado e que tenha passado por madeira, nada impede que o vinho servido com a entrada seja um branco suave ou mesmo tinto ligeiro.

Um corolário importante diz respeito àquelas situações em que um tipo de vinho, apenas, será servido: todos serão brancos ou tintos. Embora não seja mais uma regrinha, é bom lembrar que existem inúmeras variações entre as diversas castas e formas de vinificação, logo, podemos imaginar uma escala de serviço que se aplica nestes casos:

Para os brancos: Riesling seco; Pinot Grigio; Sauvignon Blanc; Gewürztraminer; Chenin Blanc; Viognier; Chardonnay.

Para os tintos: Pinot Noir; Sangiovese; Tempranillo; Grenache; Zinfandel/Primitivo; Merlot; Carménère; Shiraz/Syrah; Malbec; Cabernet Sauvignon.

Para os de sobremesa: Colheita tardia e outros doces (brancos antes dos tintos); Fortificados/Generosos (Porto, Jerez etc.)

Saúde e bons vinhos, na ordem certa!

Ilustração: “Garrafa de vinho”, vetor criado por macrovector para Freepik

Harmonizar – de volta ao básico

A ideia de combinar vinho e comida não é nova, vem de muito tempo atrás, quando beber água não era seguro: naqueles tempos, não existiam tratamentos para água potável e nem filtros caseiros. Beber um vinho ou outra bebida alcoólica durante as refeições diminuía o risco de se contrair alguma doença.

Atualmente, alguns autores e profissionais da gastronomia definem a harmonização de vinho e comida como uma experiência que vai otimizar aromas e sabores de uma refeição. Geralmente quem mais se beneficia desta “experiência” são os “restaurateurs” (Chefs, Sommeliers etc.) que não só vendem a comida como os vinhos que lhes interessam passar adiante.

Não são os vinhateiros que descobriram ou inventaram as regras de harmonização e nem vinhos são produzidos para serem consumidos com este ou aquele prato, isto é coisa dos salões dos restaurantes mundo afora.

Por outro lado, existe uma curiosa raiz, neste capítulo, que nos ajuda a entender como tudo pode ter começado: as comidas típicas das regiões produtoras de vinho. Podemos imaginar livremente que tanto o vinho quanto os pratos tenham se ajustado ao longo da história.

Esta talvez tenha sido a primeira forma de harmonização, digamos, consciente e, quem sabe, tenha originado a mais clássica das “regras”, a que combina a cor da comida com a cor do vinho.

Funciona?

Em certos casos, sim. Mas não é disto que estamos falando.

Harmonizar não é uma ciência, é algo totalmente empírico. Em qualquer curso sobre vinho este é um tema considerado obrigatório, e algumas regras, que eu prefiro chamar de técnicas, vão ser explicadas. Há livros também, muitos, e cada escritor aborda o tema de uma forma diversa.

Em comum, todos tentam criar a tal “experiência” que melhora tudo. Nem sempre acertam. Um dos piores resultados de uma combinação errada é chegar no desagradável sabor metálico, muito comum quando se misturam frutos do mar com alguns vinhos tintos. Neste caso, a proteína dos frutos do mar não reage bem com o tanino do vinho. Para quem quiser se aprofundar mais, visite esta matéria do meu site: “O tal do gosto metálico”.

Qualquer Enófilo de boa cepa tem sempre um caderninho onde faz anotações de tudo que acha relevante, o que pode variar desde uma excepcional garrafa de vinho até locais onde uma formidável experiência gastronômica foi vivenciada. Se algum dos leitores ainda não tem um, aqui vão algumas informações sobre como não errar na hora de combinar vinho e comida e dar partida nestas anotações pessoais. Desta forma, em vez de seguir pétreas normas, podemos nos aventurar em criar nossas próprias elocubrações.

1 – Os principais fatores que serão determinantes nas diversas combinações são: taninos, acidez, doçura, teor alcoólico e passagem (ou não) por madeira.

Para refrescar a memória, quando se fala em “acidez” estamos nos referindo àquela sensação de refrescância no palato. Já tanino é o oposto, uma sensação adstringente. Vinhos, tintos ou brancos, que passaram por madeira tendem a ser mais arredondados e fáceis de beber – menos tânicos no caso dos tintos;

2 – O termo harmonizar é uma pista importante para o que deve acontecer: equilíbrio. Um prato com molhos densos e pesados deve ser combinado com um vinho de características semelhantes: encorpado, marcante. Já um prato como peixe ou salada, pede um vinho mais leve. Cuidado, entretanto, com molhos muito cítricos ou avinagrados. Neste caso, optem por um vinho com maior acidez;

3 – Doces harmonizam com vinhos um pouco mais doces. Algumas combinações são clássicas, como chocolate e Vinho do Porto, mas não é a única opção: vinhos tintos frutados e com taninos domados ficam ótimos com chocolates amargos;

4 – Teores maiores de gordura são compensados por vinhos mais tânicos. Pratos picantes podem se beneficiar de um vinho mais adocicado. Para pratos com maior acidez combinem com vinhos brancos com acidez destacada;

5 – Surgindo dúvidas, harmonizem o molho ou o acompanhamento em vez da proteína principal. Atenção com aspargos, couve de Bruxelas e similares – não se entendem bem com qualquer vinho…

6 – Espumantes são considerados coringas, harmonizando, por contraste, com uma inacreditável quantidade de pratos, inclusive a nossa onipresente Feijoada.

7 – Alguns vinhos chave:

Sauvignon Blanc é mais leve e tem mais acidez que um Chardonnay que é mais encorpado e menos ácido;

Cabernet Sauvignon é mais encorpado e tem mais taninos do que um Pinot Noir que é de corpo leve e pouco tânico;

Saúde, bons vinhos e boas harmonizações!

Foto: Queijo e vinho, criada por master1305 para Freepik

Cristais na rolha – o que é isto?

Para começo de conversa, não é um defeito. Sob um olhar mais detalhado e crítico, pode até ser uma qualidade. Para entender o que acontece neste caso, não basta ser um degustador de vinhos, é preciso ter um pouco de cultura enológica. Esta talvez seja a faceta mais interessante a ser descoberta quando se mergulha neste infinito universo.

Cada região produtora, cada vinícola e cada vinho tem uma história por trás. Conhece-las, mesmo que superficialmente, torna cada gole mais gostoso e nos permite ir um pouco mais além na hora de decidir o que degustar.

Estes cristais são de Bissulfato Tartárico, quimicamente categorizados como um sal. São inofensivos e decorrem da presença do Ácido Tartárico, um dos produtos que surgem na vinificação. Ele é o responsável por dar corpo e cor ao vinho. Em determinadas situações há uma concentração maior deste ácido que acaba se combinando com outro elemento comum nos vinhos, o Potássio, formando os cristais. Ocorrem tanto em vinhos tintos quanto nos brancos, apenas a cor do cristal pode ser mais escura ou clara.

Não existe uma explicação simples para esta reação. Uma multiplicidade de fatores, que incluem desde o tipo de uva até alguns processos de fermentação, pode estar por trás dos cristaizinhos. Vinhos de guarda são mais propensos a apresentar estes sedimentos, algumas vezes surgindo logo após a rolha ser sacada. Em vinhos jovens é sinal de que algum processo de elaboração foi feito de forma desatenta.

Normalmente são mais fáceis de serem percebidos no fundo das garrafas ou em suspensão no líquido, o que é resolvido com uma decantação antes de servir. Quando estão na rolha, é uma indicação sobre a forma como a garrafa foi armazenada durante sua vida, deitada, para não ressecar a cortiça.

Uma das maneiras que os produtores conseguem controlar a concentração do Ácido Tartárico, evitando a formação dos cristais, é trabalhando com maceração a frio, uma técnica que mantém o mosto em baixas temperaturas logo após a fermentação. Não é uma informação que conste de rótulos ou contrarrótulos, apenas das Fichas Técnicas, disponibilizadas pelas vinícolas.

Enófilos, que tem um espírito mais zen, enxergam este fenômeno de uma forma altamente positiva e desejável: são cristais, aos quais podem ser atribuídos diversos poderes, inclusive de cura.

Outro grupo de apreciadores imaginam que sejam verdadeiros diamantes, do vinho, é claro, não se importando com sua presença e valorizando estarem ali.

Qual é o grupo de vocês?

Saúde e bons vinhos!

Créditos das fotos:

Abertura – “1/5/12” por Scott’s Scenes, licenciada sob CC BY 2.0;

Foto 2 – “200810x_064” por Paul A Hernandez, licenciada sob CC BY 2.0;

Foto 3 – “Cork Crystals” por wanderingnome, licenciada sob CC BY-NC-ND.2.0.

Elaborando um vinho – de volta ao básico

Esta imagem nos mostra o interior de uma moderna vinícola. Os tanques enfileirados são usados para a fase mais importante no processo de elaboração de um vinho: a fermentação.

De modo muito simples e direto, produzir um vinho se resume a uma equação da química que nos explica o que ocorre:

Açúcar (da uva) + leveduras => Álcool Etílico + CO2 (gás carbônico) + calor

Para os leigos, o encontro dos açúcares presentes nas uvas, matéria prima dos vinhos, com as leveduras, mais conhecidas como “fermentos”, produzem uma reação que terá, como produto, uma bebida alcoólica, o nosso vinho, e o desprendimento de gás carbônico e calor. Muito se assemelha a assar um bolo, ou um pão, guardada as devidas proporções…

A quantidade dos açúcares na fruta (frutose e glicose) é a chave para um bom vinho. Daí vem o conhecido mantra “O bom vinho começa no vinhedo”, a uva precisa estar no ponto certo para ser colhida e vinificada.

Após a colheita, as uvas são separadas do cacho numa operação chamada de desengaço. Pode ser mecânico ou manual. Em seguida, passam por algum processo para obtermos um suco de uva, que aqui ganha o sofisticado nome de “mosto”.

Dois caminhos podem ser seguidos: as uvas brancas são prensadas e seu bagaço descartado; as uvas tintas são “esmagadas” ou apenas “rompidas”, num processo muito delicado cujo objetivo é preservar o bagaço. É ele que vai dar cor e tanicidade ao vinho tinto.

Uma curiosidade: com raras exceções, o suco de qualquer uva é incolor.

O mosto é colocado nos tanques como os da foto, adicionam-se as famosas leveduras ou esperamos que as que existem nas frutas entrem em ação. Esta fase é longa e exige uma série de cuidados, por exemplo, a temperatura deve ser mantida dentro de padrões estabelecidos por cada produtor, de acordo com o tipo de vinho que se deseja obter.

No caso dos tintos, como a fermentação é uma reação tumultuosa, as cascas tendem a vir à tona formando uma camada, o “chapéu”. Como isto não é desejável, ele deve ser empurrado para entro do mosto, novamente, numa operação chamada de “remonta”.

O tempo de contato do bagaço com o mosto, que será determinante no resultado do vinho tinto é chamado de “maceração”. Em algum ponto de todo o processo, o bagaço será separado.

Ao final da fermentação e maceração, o vinho passa por outras etapas a critério da vinícola: estabilização, filtração, clarificação. Novamente, nada disto ocorre de forma imediata. Cada etapa citada pode ser feita por mais de uma vez e os controles sanitários devem ser impecáveis: uma pequena contaminação pode estragar tudo.

Para os leigos, vale à pena um pequeno resumo:

1 – Os componentes que entraram nos tanques de fermentação foram o mosto, cascas e sementes (tintos e rosés) e leveduras;

2 – Não se adicionou água;

3 – Não se adicionou álcool (ele é obtido na fermentação).

A última etapa neste processo é o amadurecimento. O vinho, logo depois de fermentado, ainda não é agradável ao paladar. É uma bebida rústica que precisa de refinamento. O processo mais simples é deixar repousar, seja em tanques de inox ou outro material inerte. Vinhos sofisticados passam por barricas de Carvalho, madeira nobre que irá acrescentar novas nuances à nossa bebida.

Uma vez declarado como pronto, o vinho será engarrafado e repousado mais um pouco, 1 ou 2 anos, antes de ser colocado no mercado.

Um dia vamos degustá-lo.

Em 2011, publicamos uma série com 4 textos sobre este tema. Bem mais completa e técnica que que esta simplificação, acima. Para os que forem mais curiosos, aqui estão os links:

– Vocês sabem como se produz vinho?

Parte 1Parte 2Parte 3Parte 4

Saúde e bons vinhos!

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