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Bordeaux aprova o uso de novas castas

Em 2019, produtores bordaleses solicitaram ao INAO (Institut National de l’Origine et de la Qualité) a inclusão de 7 novas castas que poderiam ser vinificadas na região. Tudo em nome das alterações climáticas e a eterna preocupação de manter a reconhecida qualidade superior dos vinhos de Bordeaux. (veja nossa coluna: Novas castas Bordalesas)

As pesquisas já estavam sendo feitas há cerca de 10 anos, incluindo plantio e vinificações experimentais. Este processo seletivo, que teria começado com mais de 50 castas, concluiu que apenas cinco uvas tintas e duas brancas eram adequadas. Faltava a aprovação dos órgãos de controle.

Não foi uma decisão fácil para o respeitado INAO, afinal, o seu OK a este ambicioso projeto significava, também, a quebra de uma tradição secular: o mais que famoso “corte bordalês”, elaborado com as nobres Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère. Teria que ser repensado e, quem sabe, ganhar uma nova denominação. A decisão foi embasada pelo Conselho de vinhos de Bordeaux (CIVB).

Das sete castas propostas, uma não passou no crivo, a branca Petit Manseng. Apesar de se adaptar perfeitamente ao novo terroir e permitir cortes brancos perfeitos, a razão pela que não teria sido aceita não tem nada de técnica ou científica: é a casta icônica do sudoeste francês (Cahors, Bergerac, Buzet and Gaillac). Seria um grande problema alterar esse “status quo”.

Há algumas curiosidades no grupo aprovado.

As tintas Arinarnoa e Marsellan são uvas criadas através de cruzamentos controlados. A primeira entre a Cabernet Sauvignon e a Tannat (1956) e a segunda entre a Cabernet Sauvignon e a Grenache (1961).

A terceira casta tinta aprovada se chama Castets. É nativa na região e mais conhecida por ser uma casta bordalesa quase esquecida. Ou seja, estava por ali e ninguém se interessava por ela…

A grande novidade é a quarta uva tinta, importada de Portugal, a Touriga Nacional, uma das grandes castas lusitanas.

No capítulo das brancas, aparece outra casta ibérica e também muito importante no cenário de Portugal, a Alvarinho ou Albarinho, na Espanha.

A última casta aprovada, branca, se chama Liliorila. Novamente, é um cruzamento entre a Chardonnay e a Baroque, outra casta do sudoeste francês que andou muito desprestigiada por longo tempo.

As regras de utilização

Por enquanto essas novas castas não serão as protagonistas, sendo colocadas num 3º time ou reservas, para usar uma linguagem bem popular. Antes delas estão as principais (Cabernet, Merlot…) e as secundárias (Malbec, Carménère…). Este critério será revisto a cada 10 anos.

Com relação à área plantada, limitaram a 5% do vinhedo total. Na elaboração do corte, estipularam um máximo de 10% do volume.

Isto implica que, de acordo com a legislação vigente, não é obrigatório citar as novas castas nos rótulos.

As pesquisas para encontrar soluções que ajudem aos produtores se adequarem as mudanças climáticas continuam em várias outras frentes, que incluem até o manejo das parreiras, seja com podas mas precisas, mudanças na chamada área coberta, altura das plantas e colheitas em diferentes pontos de maturação.

Fazendo um paralelo, pesquisas brasileiras desenvolveram a poda invertida, mudando a época de frutificação das uvas para um período de clima mais ameno no nosso país.

Esta técnica é um enorme sucesso que permitiu ampliar a nossas regiões produtoras e a utilização de novas castas que não se davam bem por aqui.

O resultado final são alguns vinhos tranquilos muito bons que já estão chamando a atenção de críticos e consumidores internacionais.

Sinal que os caminhos bordaleses têm tudo para dar certo.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Imagem de alohamalakhov por Pixabay

Uma casta, um vinho – País

Esta é uma casta muito especial para os enófilos das américas: coube a ela a introdução do vinho em nosso continente.

Sua origem é espanhola, na região de Castilla-La Mancha. A primeira descrição desta casta é de 1513, feita por Alonso de Herrera, que a chamou de Palomina Negra.

Em condições normais, esta uva não teria sobrevivido a epidemia de Filoxera que devastou os parreirais europeus. Mas, com o auxílio da técnicas de análise por DNA, muito atuais, descobriu-se que nos séculos XVI e XVII, colonizadores e missionários a caminho do novo continente a levaram para quatro diferente regiões que hoje são: México, Chile, Argentina e Ilhas Canárias. Em cada local recebeu uma denominação diferente: País, Mission, Criolla Chica, Listán Prietro e muitos outros, totalizando quase 50 sinônimos.

Muitos pesquisadores admitem que esta foi a primeira Vitis vinifera plantada no continente americano, naqueles territórios controlados pela Espanha. Curiosamente não chegou ao Brasil, embora ela exista em Portugal com o nome de Listrão.

Com a chegada de outras castas viníferas, como a Malbec, Cabernet Sauvignon e Merlot, a País foi sendo esquecida, mas seus vinhedos foram preservados e eventualmente era vinificada de modo bem rústico, sem grande importância para o mercado de vinhos finos.

Coube ao Chile redescobrir esta casta e, logo depois, a Argentina. Com técnicas modernas de plantio e vinificação estão produzindo pequenas joias. No Chile é a segunda varietal mais encontrada, depois da Cabernet Sauvignon.

O movimento de vinificar vinhos atuais com a País começou por pequenas vinícolas. Mantinham uma certa rusticidade como principal característica dos vinhos, tudo para preservar um estilo “rural”. Eram vinhos destinados a acompanhar as comidas típicas de um campesino – carnes na brasa, guisados, miúdos e embutidos domésticos.

Os resultados foram ótimos e logo as vinícolas de maior porte embarcaram nesta deliciosa aventura. O Guia Descorchados, apresenta uma categoria só para esta casta. Na edição de 2020 os vencedores receberam 95 pontos: Bouchon Pais Salvage 2019 (Chi) e o Cara Sur Parcela La Tortora 2018 (Arg).

Na relação dos melhores, vamos encontrar produtores como a Vallisto, Durigutti, El Esteco, Cadus e Catena Zapata (Arg); Garces Silva, Garage Wine Co., Miguel Torres e Santa Cruz (Chi). Nada mau.

Tintos e rosados são o caminho desta tradicional casta, quase esquecida. São vinhos com uma interessante acidez, atípica para os tintos e boa tanicidade. São ao mesmo tempo refrescantes e poderosos para enfrentar um gordo naco de carne ou de caça.

O vinho escolhido foge da maioria dessas características, mas abraça, com muita dignidade, a acidez natural desta varietal – um espumante!

Santa Digna Estelado Brut Rosé– Miguel Torres

Elaborado com uvas produzidas por pequenos produtores, apresenta coloração rosa pálido. No nariz, notas frutadas, com ênfase em frutas vermelhas e cítricas. O paladar é descrito como “selvagem” e fresco, característica desta casta histórica.

Perfeito para acompanhar pratos de peixes e frutos do mar.

Na safra de 2018 recebeu 93 pontos do Guia Descorchados e 90 pontos do crítico James Suckling.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: imagem de abertura – https://glossary.wein.plus/criolla-chica

Aromas do vinho são importantes!

Quem resiste ao cheiro de um cafezinho recém-coado ou daquele delicioso aroma de pão fresquinho na porta da padaria? Os dois juntos então…

Enófilos têm uma especial ligação com os aromas de um vinho, que surgem logo ao sacar a rolha: quanta informação está ali!

Naquele momento do primeiro contato, olfativo por definição, é que vai ser decidido o próximo passo.

Para compreender tudo isso é preciso ter um pouco de conhecimento.

Essa peculiar característica de nossa bebida predileta começa a ser desenvolvida no solo onde as uvas estão plantadas. É um dos pilares do pouco compreendido “terroir”. A combinação da casta e do tipo de solo (granítico, arenoso, cascalho etc.) vai implicar num tipo de cheiro. Mais tarde, outras características vão se juntar por conta dos processos de fermentação e de maceração empregados, passagem ou não por madeira e por quanto tempo.

Cada tipo de vinho nos proporciona uma coleção de sensações olfativas únicas, também conhecidas por buquê ou nariz. Para os que têm boa memória, é quase uma carteira de identidade do que vem a seguir, no momento do provar. Pode-se identificar a origem, casta e método de vinificação só por aquele curioso gesto de colocar o nariz na taça do vinho e aspirar, levemente. Mas leva tempo e muita disciplina. Não é uma coisa que se consegue de um dia para o outro.

Identificar os aromas é um dos ritos mais celebrados de qualquer degustação.

Alguns exemplos são clássicos, como o aroma de couro molhado dos cortes bordaleses, o famoso pimentão verde (pirazina) do Carménère chileno e muitos outros. Importante mesmo é saber distinguir bons aromas dos aromas ruins, como o conhecido “papelão molhado” que é associado a um defeito da rolha, a contaminação por T.C.A. (tricloroanisol): bouchonée, no nosso jargão.

Para os que desejam se aprofundar nesse tema, desafiar o seu olfato é o primeiro passo. A ideia é procurar por experiências que estão no nosso dia a dia, na nossa rotina. Por exemplo, o cheiro de terra molhada nos dias de chuva, o ar salitrado da praia no dia ensolarado, o respirar limpo do campo ou do alto da montanha. Cada um será um registro único e pessoal. A pessoa que está ao seu lado terá, necessariamente, impressões diferentes das suas.

Aromas caseiros também são importantes, como os temperos usados na sua culinária, a mistura de cheiros de uma quitanda ou mercado, incluindo os que não são agradáveis. Um ótimo exemplo é o das ruas e calçadas após uma feira livre.

Para os que tem um viés mais científico, o Disco dos Aromas e os kits de essências, como o Nez du Vin são boas ferramentas.

O passo seguinte é associar toda essa experiência ao momento que sentimos os aromas de um vinho recém-aberto. Muito importante é ter em mente que sempre existirá um leque de opções e não um único e monótono cheiro. Se não identificar mais que um ou dois não significa que é um problema, com o tempo outros surgirão. O objetivo é registrar as associações dos aromas vínicos com o (seu) olfato. Serão únicas. É a chave para futuras aventuras nesse universo.

Para não deixar dúvidas, vinhos que foram abertos e novamente arrolhados, vão desenvolver novos aromas. Alguns deles indicativos da qualidade da bebida: se for estranho, descarte.

A partir do momento que dominarmos, com confiança, esta técnica teremos uma poderosa ferramenta que vai nos ajudar e entender as razões pelas quais apreciamos determinados vinhos e não gostamos de outros. Depois do binômio cor/visão, a dupla olfato/aromas é quem vai reger a nossa capacidade de apreciar ou rejeitar.

Um corolário importante é desenvolver a habilidade de identificar as melhores harmonizações, algo muito bem visto entre os apreciadores de vinho: evitem aromas que não se combinam.

Desafio lançado, caminho e ferramentas indicadas. Só depende de cada um.

Saúde e bons vinhos e bons aromas!

Foto de abertura: “The smell of the portuguese wine” por pedrosimoes7 está licenciada sob CC BY 2.0

Oxidação e Redução

São dois termos que causam muita confusão no mundo dos vinhos, até para os mais experientes. Podem ser interpretados como bênção ou maldição, tudo vai depender da forma como cada um for empregado.

Para entender do que estamos falando, tentem responder estas questões:

– O que significa cada um desses termos: vinho oxidado, vinho oxigenado, vinho reduzido e vinificação redutiva?

– Seria possível um defeito do vinho ser visto como uma qualidade?

– Um vinho pode estar oxidado e reduzido, ao mesmo tempo?

Vamos esclarecer estes pontos sem transformar este texto e uma aula de química.

Diz-se que um vinho está oxidado quando ele foi muito exposto ao oxigênio (do ar) e passa a apresentar uma coloração mais escura, tendendo ao marrom (tijolo), com aromas que lembram frutas secas (amêndoas, nozes etc.) ou maçãs muito maduras. No paladar perde o frescor e já começa a fazer referências aos sabores avinagrados. Um defeito muito comum em garrafas mal arrolhadas ou nas que foram adegadas incorretamente permitindo o ressecamento da cortiça e a entrada, indesejável, de ar. Não deve mais ser consumido.

O que torna isso tudo muito complicado é perceber que, ao abrirmos uma garrafa, servir um taça e girá-la, estamos buscando uma forma de oxidação, nesse caso benéfica. Queremos que o vinho “respire”.

No jargão dos enófilos estamos “abrindo” o vinho para que ele nos apresente toda sua gama de aromas e sabores. Muitas vezes usamos decantadores e aeradores para acelerar esse processo. A ideia é acrescentar oxigênio.

Podemos ir mais longe: na elaboração de um vinho podem ser usados processos de micro oxigenação controlada, em busca de melhor cor, sabor e compostos fenólicos bem comportados. Algumas regiões produtoras oxidam, propositadamente, seus vinhos como o Madeira, o Jerez e alguns vinhos da região do Jura, na França.

Em lugar de ser um defeito é uma grande qualidade e traz, a cada um desses produtos, uma característica marcante.

Para não deixar pedra sobre pedra, não se esqueçam dos vinhos que passam por maturação em barris de carvalho, madeira que permite uma quase perfeita micro oxigenação. Isso vale para as boas rolhas de cortiça, também.

Se a oxigenação pode ser benéfica, o vinho reduzido é uma outra história.

Diz-se que um vinho está reduzido quando apresenta aromas de fósforo queimado, ovo podre ou borracha. Geralmente se dissipam com um pouco de aeração. Ocorrem pelo motivo oposto ao da oxidação: pouco oxigênio na sua elaboração.

Em lugar de oxigenar o mosto em alguma etapa da sua elaboração, a técnica denominada “vinificação redutiva” trabalha num ambiente (tanques fechados) sem ar, que pode ser substituído por um gás inerte. O enólogo busca por um maior frescor no seu vinho deixando aromas e sabores bem destacados.

Um bom exemplo são alguns Chardonnay da Borgonha, conhecidos por apresentarem característicos aromas de palito de fósforo. Novamente, um possível defeito se torna uma boa qualidade, destacando a personalidade de uma marca. Muitos especialistas acham errado o termo “vinho reduzido” preferindo usar “vinificação redutiva”. Legislações específicas já exigem que esta técnica seja declarada no contrarrótulo.

Existe uma enfadonha explicação técnica para tudo isso, envolvendo os Compostos Sulfurados Voláteis (CSV), formados durante a fase de fermentação. São responsáveis, não só, pelos aromas estranhos do vinho, como por muitos outros fora desse universo, inclusive o mau hálito…

Para fechar a coluna desta semana, é sim possível um vinho estar oxidado e reduzido ao mesmo tempo.

Alguém se arrisca a uma explicação?

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Foto de ELEVATE no Pexels

EDIÇÃO EXTRA!

Desde o primeiro texto deste blog e por 8 anos seguidos, indiquei um bom vinho, semanalmente. Foi bem divertido e devo ter ajudado muito dos meus leitores. Ainda faço indicações, eventualmente.

Esta edição extra do O Boletim do Vinho é justamente sobre vinhos bons e baratos, mas não estão aqui, nem na foto de abertura, borrada intencionalmente.

Estão neste link: (se preferir, clique na foto)

Vinho Bom e Barato: 6 Rótulos de até R$100 Indicados por Sommeliers e Enófilos

Recebi um convite do site de recomendações, my best Brazil, para indicar um vinho, junto com outros 5 Sommeliers e Enófilos. Cada um selecionou um rótulo e fez uma pequena resenha.

Ficou ótimo, foram boas escolhas.

Não deixem de prestigiar a minha indicação e nem a dos meus parceiros nesta deliciosa aventura: Ana Flávia de Abreu, Cristiane Jardim, Jeriel da Costa, Rodrigo Sitta e Alexandre Santucci.

Feliz 2021!

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