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Descomplicando

O mundo do vinho anda em franca expansão. Atualmente existe uma infinidade de estilos, uvas, produtores (todo dia surge um nome novo) o que torna o simples ato de comprar uma garrafa uma tarefa que já está exigindo um doutorado.
 
Não deveria ser assim.
 
Para simplificar esta complexa operação, vamos explicar uns poucos fatos sobre a nossa bebida predileta que vão ajudar na hora de fazer escolhas.
 
1 – Diminuindo o número de opções
 
Quem nunca visitou uma loja especializada em vinhos é capaz de se perder lá dentro. Há um pouco de tudo numa confusão visual (para quem não é do ramo) atordoante.
 
Os vinhos podem estar organizados por país produtor, dentro deste por região e finalmente, dependendo das normas locais, por variedade ou estilo.
 
Aqui vai o 1º conselho: simplicidade.
 
Se o leitor já tiver um paladar definido, procure por suas castas prediletas ou cortes elaborados a partir delas.
 
Se ainda não definiu o seu vinho de cabeceira, este é um bom momento para começar a apurar o seu gosto pessoal.
 
Comece pelas principais castas, algumas chamadas de “nobres”, o que não é por acaso: Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir entre as tintas e Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling entre as brancas.
 
No nosso país podemos acrescentar a esta relação mais algumas castas que são famosas no continente: Malbec, Carménère, Syrah e Tannat, além das brancas Torrontés e Albarinho.
 
Com o tempo, expanda para castas mais regionais como as italianas Sangiovese e Nebbiolo, a espanhola Tempranillo ou as diversas uvas de Portugal (Touriga Nacional, Baga, etc.).
 
2 – Entendendo os rótulos
 
Dependendo das normas de produção de um país e de algumas tradições, os vinhos podem ser rotulados de várias formas, o que pode ser muito confuso:
 
– por casta (varietal);
– por região;
– por nome ou marca.
 
O primeiro tipo é o mais fácil e direto: Cabernet, Merlot, Zinfandel, etc. Não pode haver dúvida, mas é interessante pesquisar um pouco mais, ler o contrarrótulo, em busca de detalhes: nem sempre o conteúdo de uma garrafa deste tipo contem 100% da varietal declarada.
 
Os rótulos por região, muito comum nos vinhos franceses, podem complicar a vida de um comprador leigo.
 
Exemplos clássicos são os rótulos com a expressão Bourgogne: os tintos são Pinot Noir e os brancos, Chardonnay.
 
Vinhos com a indicação Bordeaux são cortes onde predominam Cabernet Sauvignon ou Merlot.
 
Outros países que adotam este tipo de rótulo são Itália (Chianti), Espanha (Rioja) e Portugal (Douro, Dão, etc.).
 
Os rótulos mais enigmáticos são dos vinhos que recebem apenas um nome ou marca, onde o produtor quer prestar uma homenagem ou contar a história de uma vinificação através de uma única palavra ou frase.
 
São, quase sempre, vinhos que de alguma forma fogem à regulamentação do país produtor.
Um exemplo conhecido são os chamados Supertoscanos, elegantes cortes da casta Sangiovese com uvas nobres como Cabernet ou Merlot. Como não poderiam ser vendidos como os vinhos tradicionais, receberam “marcas” que acabaram por se tornar icônicas: Tiganello, Ornelaia, Sassicaia, etc..
 
Outros países que adotam este estilo: Estados Unidos, Austrália, Chile, África do Sul e Argentina.
 
3 – Terminologia
 
Experimentem responder a este desafio: descreva o seu vinho predileto.
 
Parece fácil, mas não é.
 
Não existe uma “linguagem comum” no mundo do vinho. Excetuando-se alguns descritores mais conhecidos, o número de adjetivos que podem ser usados nesta resposta é bastante alto, outro fator que causa confusão, principalmente se o seu interlocutor for alguém encarregado de lhe oferecer um vinho, seja ele um Sommelier, o vendedor de uma loja ou o seu anfitrião numa reunião social.
 
Para sair deste dilema só aprendendo a usar corretamente alguns destes termos o que pode ser feito em cursos de degustação ou com leituras especializadas.
 
Mas muito cuidado na hora de usar: fácil ficar monocórdico e receber a temida pecha de “Enochato”…
 
4 – Safras
 
Saber quais as safras que foram as melhores é para os que realmente são especialistas e profissionais.
O enófilo do dia a dia, por outro lado, deve usar a indicação do ano de vinificação de outra forma, muito mais simples:
 
– saber se é um vinho jovem ou não e degustá-lo de acordo;
– entender que o seu vinho predileto hoje, não vai ser mais o mesmo na próxima safra.
 
Um conselho final com linguajar bem atual: desgourmetize!
Dica da Semana: um bom exemplo para entender rótulos varietais…
 
PALO ALTO RESERVA MERLOT 2012
(60% Merlot, 33% Shiraz, 5% Tempranillo e 2% Viognier)
 
Aroma fresco e complexo.
Notas de frutas vermelhas provenientes da Merlot, notas de especiarias da Tempranillo e notas de damasco da Viognier.
No paladar é suave, fresco e mineral. O carvalho aporta complexidade e doçura.
Harmonização: Bastante versátil, acompanha carnes brancas, risotos, massas e queijos maduros.
 

O Mercado do Vinho e a Crise Brasileira

Prezados leitores.
 
O texto de hoje não é meu. Foi transcrito do jornal Valor Econômico pelo amigo e leitor, sempre atento, Ronald Sharp.
 
Achei muito importante em função do período de vacas magras que se aproxima. Espero que seja do interesse de todos.
 
Eis a transcrição:
 
Publicação: Valor Econômico – Empresas – 22/09/2015 – p. B 8
 
Título: No consumo de vinhos, brasileiro vai migrar para rótulo mais barato.
 
Autor: Maria da Paz Trefaut
 
A disparada do dólar e os novos impostos que incidirão sobre as bebidas alcoólicas a partir de 1º de dezembro têm levado um clima de incerteza aos importadores de vinho. Mas eles parecem concordar em como o consumidor vai reagir: haverá migração imediata para rótulos mais baratos.
 
“As regras do governo não são claras e é difícil compreendê-las”, diz Adolar Hermann, proprietário da importadora Decanter, que contratou um especialista em tributação para entender o que vai mudar.
 
“Estamos esperando os resultados desse estudo para ver como poderemos nos adequar sem prejudicar demais o consumidor”.
 
Conforme anunciado em 31 de agosto, o novo modelo de tributação incide sobre vinhos nacionais, do Mercosul, e de outros países, e cria um imposto extra de 10% sobre o valor de cada rótulo. No caso dos uísques e outros destilados, o imposto eleva em 30% o que era pago até agora.
 
De acordo com a Receita Federal, a medida deve gerar uma arrecadação extra de R$ 1 bilhão em 2016. No caso do vinho, os importadores parecem unânimes em reconhecer que a consequência imediata será uma migração para os rótulos mais baratos.
 
“Precisamos buscar alternativas para fidelizar o consumidor, com oferta maior de produtos no segmento que denominamos ‘preço versus prazer’, nossa versão para o tradicional ‘custo versus benefício'”, diz Hermann.
 
Embora a Decanter produza vinhos e espumantes no Rio Grande do Sul e na Serra Catarinense, 98% do faturamento é proveniente da importação. O maior volume de vendas concentra­se na faixa entre R$ 30 e R$ 70. Pelos cálculos preliminares, uma garrafa vendida a R$ 80 passará a R$ 100, se somada a desvalorização do dólar e o novo imposto.
 
“Na verdade, a crise para nós não é nenhuma surpresa. Ela vinha sendo camuflada e tínhamos um dólar irreal. Só que agora, a queda do grau de investimento do país agrava a situação ainda mais e a solução não será rápida”, diz o empresário.
 
Para ele, neste momento, é hora de reduzir custos para ficar mais competitivo.
 
“Nossas vendas estão sendo mantidas com um sacrifício enorme de margens e com negociações duras com fornecedores. Mas é evidente que o consumo vai mudar de patamar e o cliente vai escolher vinhos mais baratos”.
Uma visão bem parecida é compartilhada por Celso La Pastina, proprietário das importadoras World Wine e La Pastina.
 
“Vivemos um momento negro, que representa um golpe duríssimo sobre um mercado pequeno, que vinha se afirmando na última década. A alta do dólar até entendo, e teria sido absorvida com mais tranquilidade se não tivesse havido interferência do governo para manter a moeda norte-americana em patamares irreais”, afirma.
 
O importador explica que os impostos anteriores, entre R$ 0,73 e R $1,08 por litro, viravam custo. Já a nova alíquota de 10% incide sobre o preço de venda de cada garrafa. Com ela, numa avaliação prévia, ele imagina que a soma de impostos atingirá 70% do preço final.
 
“Todos na categoria vinho serão prejudicados, independentemente do país. Precisamos de tempo para ver como o consumidor vai absorver esse impacto e como será a evolução da crise econômica brasileira. Se não houver aumento de renda não haverá consumo”, diz La Pastina.
 
Na World Wine, onde o portfólio soma mais de mil rótulos, os mais vendidos ficam na faixa entre R$ 50 e R$ 100. Na La Pastina, que possui acervo de 300 rótulos, as vendas se concentram entre R$ 30 e R$ 40.
 
Segundo o importador, os vinhos caríssimos, acima de R$ 1 mil já não se vendiam aqui, porque o pessoal traz de fora. Agora, os caros, entre R$ 500 e R$ 700, ficarão caríssimos.
 
Para fazer face ao momento, a World Wine começou a antecipar promoções. A cada semana cerca de trinta rótulos entram em promoção desde que vendidos em caixas com seis unidades. Os descontos, que chegam a 50% permitem, por exemplo, comprar o espanhol Setze Gallets 2012 por R$ 48,50 a garrafa, e o Maduresa 2009, também da Espanha, por R$ 121 a unidade. As promoções mudam semanalmente e incluem diversas nacionalidades.
 
Para quem trabalha apenas com vinhos caros, o mercado deve encolher ainda mais, prevê o francês Philippe de Nicolay Rothschild, que há cinco anos abriu a PNR e batizou a importadora com suas iniciais. Como parte expressiva de suas vendas é de vinhos e champanhes acima de US$ 70, nos quais a carga tributária é maior, ele calcula que com os novos impostos a soma total dos tributos pode chegar a 150% do preço final.
 
A PNR é uma importadora butique, que possui 38 rótulos, entre os da família, provenientes do Domaine Barons de Rothschild e outros, escolhidos pelo empresário ­ barão. O rótulo mais barato sai por R$ 75 e o mais caro por R$ 2,4 mil.
 
“Para vinhos raros não há promoções”, diz ele, que afirma praticar margens cada vez menores e que continua a vender garrafas de importações antigas pelo mesmo valor, sem reajuste.
 
“Para as próximas remessas terei que aumentar os preços, mas se o dólar abaixar também vou repassar essa queda para o cliente”, explica.
 
Outra mudança por conta da alta do dólar, segundo ele, é a redução no estoque.
 
“Hoje nosso estoque é apertado, suficiente apenas para dar conta das vendas nos próximos três meses”.
 
No ano passado, a PNR já registrou uma queda de 30% nas vendas e Rothschild trabalha com a hipótese de que cairão ainda mais.
 
“O grande teste será agora, porque o melhor período de vendas é o fim do ano. Mas sei que para o consumidor é muito mais complicado gastar R$ 300 hoje do que há 24 meses”, diz.
 
A PNR concentra 70% das vendas no atacado, onde tem como cliente a rede St. Marché, o que inclui o Empório Santa Maria. Para pessoas físicas, as vendas são para eventos específicos, na maioria casamentos, para os quais a bebida escolhida costuma ser o champanhe. Otimista, Rothschild acredita que apesar da crise o cliente continuará a gastar um valor semelhante com vinhos, o que o levará para rótulos mais acessíveis.
 
“Em tempos de crise acaba acontecendo sempre o mesmo em todos os países. Se já é difícil viver, fica ainda mais difícil se tirarmos todos os prazeres. Então, nessas horas, comprar uma garrafa para compartilhar com os amigos torna a vida melhor”.

Dica da Semana: para tentar fugir desta crise, um interessante vinho da tradicional Vinícola Aurora.
 
 
Pequenas Partilhas Malbec 2013
 
Coloração roxa profunda com matizes púrpura.
Aroma frutado lembrando ameixas pretas maduras.
Paladar agradável e taninos suaves, acidez equilibrada e boa persistência.
Um vinho harmônico e muito sedutor.
Harmonização: Bife de chorizo, entrecot, costela ou lombo de porco assado, empanadas ou aves como codorna e perdiz.
 

A Confraria do Padreco

Padreco é o carinhoso apelido de um dos mais tradicionais colégios do Rio de Janeiro, o Padre Antônio Vieira. Fundado em 1940, formou muita gente boa nestes 75 anos de existência. Incialmente só para meninos tornou-se misto a partir de 1992. Continua sendo referência no ensino carioca.
 
Esta confraria foi organizada por um grupo de amigos que estudaram juntos desde o antigo primário. Haviam se dispersado quando cada um seguiu seu caminho profissional e, com o auxílio das modernas redes sociais, conseguiram se reunir novamente após um longo tempo.
 
 
Há três anos começaram a organizar os primeiros encontros, ainda um pouco tímidos e sem data certa para acontecer. Desde o ano passado as reuniões passaram a ser mensais. A Confraria do Padreco surgiu logo depois com o objetivo de experimentarem alguns bons vinhos.
 
Tive a honra de ser convidado para a reunião organizada por Mario Henrique Bretas (Lico): um jantar temático com estupendos vinhos argentinos. Seguindo a tradição vigente na época do colégio, “só para os meninos”, o que deixou algumas esposas muito aborrecidas.
 
A única dama presente. D. Lia, mãe de Mario Henrique, garantia o sucesso do jantar com uma organização impecável e cardápio “dos deuses” onde não faltaram nem mesmo as famosas empanadas, além de carnes diversas, massa e salada.
 
 
O capítulo dos vinhos foi um show à parte.
 
Quase todos levaram uma garrafa, mesmo os que não são apreciadores da nossa bebida predileta. Para estes, cervejas e destilados.
 
O clima de amizade e informalidade era reconfortante e até mesmo este escriba, um verdadeiro “peixe fora d’água” naquele grupo, se sentiu em casa.
 
 
As garrafas eram logo abertas e decantadas, se fosse o caso. Cada um podia fazer suas escolhas e comparar os diversos caldos, alguns muito famosos. Tudo sem frescuras ou formalidades.
 
 
Eis a lista dos vinhos degustados, acompanhada de alguns comentários:
 
Achaval Ferrer Finca Mirador safra 2010 – eleita a Vinícola do Ano de 2009 pela revista Wine & Spirits, elabora este verdadeiro tesouro a partir de um vinhedo de 5 hectares, em pé franco. A menor nota conferida por Robert Parker para este vinho foi 94 pontos.
 
Para muitos o melhor vinho da noite.
 
Angelica Zapata Malbec Alta 2009 – outro monstro de vinho da emblemática Catena Zapata. Um corte de diferentes vinhedos, de pequena produção e muito disputado no mercado argentino. Quase uma raridade. Perfeito com os pratos de carne.
 
Cheval des Andes 2002 – um vinho icônico que consta das eternas relações de vinhos que devem ser degustados (1001 vinhos para beber antes de morrer). A safra de 2002 foi descrita como “fora de série”.
 
O nome Cheval é uma referência ao seu irmão bordalês, o Cheval Blanc, um dos mais famosos do mundo.
 
Este vinho foi elaborado a quatro mãos: Pierre Lurton, representado a vinícola bordalesa e Roberto de La Motta, enólogo da Terraza de Los Andes. Um autêntico Bordeaux “made in Argentina”.
 
Espetacular, apesar de ser um veterano de 13 anos.
 
Terrazas de Los Andes Reserva Cabernet Sauvignon 2009 – outro magnífico vinho, da mesma vinícola, que pertence ao grupo LVMH. Muito elegante e de estilo clássico, sempre recebeu ótimas avaliações dos principais críticos. Perfeito com o cardápio que incluía carnes e massa.
 
Rutini Cabernet/Malbec 2009 – esta vinícola, tradicionalíssima na Argentina, foi recentemente adquirida por dois importantes vinhateiros, Nicolas Catena e José Benegas Lynch. Mantêm vivo o sonho de Don Felipe Rutini que fundou esta empresa em 1885. Sempre grandes vinhos e este é um deles.
 
Penedo Borges Gran Reserva Malbec 2009 – produzido por brasileiros, em Mendoza, ficou à altura dos outros grandes vinhos degustados neste evento. Boa opção.
 
Hedone Gran Reserva Syrah 2009 – quase um estranho no ninho no meio dos Cabernet e Malbec, este Syrah foi uma ótima surpresa. Sem pretender ser um vinho reverenciado por todos, acabou agradando por suas marcantes características e ótima relação custo benefício.
 
Perfeito na harmonização.
 
Participaram do evento: Luiz Henrique Leão Teixeira (Lula), Jose Graça Aranha, Manuel Muller (Maneco), Gilberto Martins (Gil), Flavio Berredo, Luís Octavio de Oliveira Castro, Fernando Maximiliano, Sergio Botafogo, João Mauricio Barros Barreto (Joca), Idel Halfen, Plínio de Barros Barreto.
 
Dica da Semana: direto desta formidável degustação.
 
Hedone Gran Reserva Syrah
 
Aromas marcantes e complexos devido à sua longa passagem em barricas de carvalho.
Na boca apresenta um final longo, equilibrado de taninos suaves.
Harmoniza com carnes grelhadas, massas com molhos fortes, ossobuco com polenta, risoto de cogumelos frescos e tábua de frios.
 
 
 
 

Descritores do vinho 2 – Estrutura

Este é um descritor quase enigmático, mas constantemente utilizado pelos enófilos:
 
– “vinho bem estruturado”;
 
– “este vinho tem estrutura”.
 
Esta expressão, traduzida de outros idiomas, sempre induz uma ideia mais ligada à engenharia ou arquitetura, algo como estrutura de concreto ou metálica. Raramente empregamos este substantivo para qualificar um livro ou uma decoração, mas poderíamos usá-lo sem problemas.
 
Vinhos têm uma estrutura, basicamente composta por elementos como a acidez e os taninos, já comentados, além do teor alcoólico, doçura e algumas características com definições bastante complexas, como o conceito de mineralidade.
 
O relacionamento entre todas estas características vai definir o comportamento de nossa bebida favorita tanto no olfato quanto no paladar.
 
Embora a estrutura não seja usada como um descritor para sabores, sem ela o vinho seria insosso, insípido. Segundo os especialistas, a melhor maneira de se perceber a estrutura seria abstendo aromas e sabores.
 
Para um melhor entendimento deste descritor, resumimos a influência dos principais elementos que compõem a estrutura de um vinho:
 
Álcool – com sua textura levemente viscosa, contribui para compor o corpo do vinho. Altos teores significam vinhos mais encorpados e estruturados. A tabelinha abaixo ajuda a explicar esta classificação:
 
Baixo teor – 10 a 12%
Médio teor – 12,5 a 13,5%
Alto teor – 14 a 15,5%
 
Nas condições normais a fermentação não passa de 16% o que significa que um vinho com teor maior que este recebeu a adição de álcool. 
 
Exemplo: Vinho do Porto.
 
Taninos – são mais perceptíveis por trazer a sensação de adstringência e um pouco de amargor. Alguns tipos de taninos são pigmentos, o que vai influenciar na coloração. Vinhos tânicos são longevos, outro fator determinante para a compreensão da estrutura. Por todas estas características o Tanino é considerado a espinha dorsal do vinho. Os excessos são contrabalançados pelo teor alcoólico, que introduz viscosidade e pela acidez.
 
Acidez – este é o segundo elemento em importância. Sem ele não teríamos a sensação de frescor que ajuda a tornar o vinho uma bebida agradável. Fundamental para equilibrar os taninos, é responsável por “limpar” os sabores, deixando uma sensação de clareza.
 
Doçura – um elemento que depende diretamente do teor alcoólico. Pode parecer fácil detectar o açúcar num vinho, mas na prática pode ser muito complexo. Mesmo os tintos mais secos contêm uma boa quantidade de doçura residual que é mascarada pelo trinômio Tanino – Acidez – Álcool. Da mesma forma que o teor alcoólico, aumenta a viscosidade do vinho o tornando “macio” ao nosso paladar.
 
Analisar a estrutura de um vinho não é tarefa fácil exigindo uma série de etapas:
 
Cor e transparência – na maioria das vezes, quanto mais escuro e opaco, mais encorpado o vinho, mas existem castas que são exceções importantes, como a Nebbiolo. Seus principais vinhos (Barolo, Barbaresco e Nebbiolo) são de coloração mais clara e transparente, porém extremamente estruturados.
 
Lágrimas – ao girar suavemente a taça, percebe-se um depósito claro e viscoso no corpo do envase. São as “Lágrimas”, uma indicação da presença do Glicerol, um tipo de álcool.
 
O tempo de permanência destes depósitos é a chave para a estrutura: quanto mais tempo permanecerem visíveis, mais encorpado e estruturado o vinho.
 
Paladar – vinhos muito estruturados são pesados e difíceis de beber. Vinificados para envelhecer, precisam de tempo para “amaciar”. Por esta razão sempre passam por madeira, outro indicativo para se perceber a estrutura.
 
Para estes vinhos o melhor é sempre acompanhá-los com boa comida: carne vermelha, de caça ou queijos maturados.
 
Estruturas determinam no final se gostamos ou não de um vinho. Este é o segredo por trás de “gosto de Merlot” e “não gosto de Cabernet”.
 
Compreender esta característica, em toda sua dimensão, é considerado como o principal ponto para quem deseja ir um passo além de, apenas, degustar um bom vinho.
 
Dica da Semana: um vinho argentino bem estruturado.
 
Zuccardi Série A Cabernet Sauvignon 2013
 
A linha Serie A é uma homenagem à Argentina.
Malbec é a uva símbolo do país.
O resultado é um vinho que expressa todo potencial do terroir.
Um Cabernet típico com aroma intenso de cassis e groselha e um toque de pimentão verde.
Um vinho estruturado e com taninos integrado.
Ótima companhia para massas com molhos condimentados, para acompanhar carnes vermelhas e queijos de massa maturada.
 

Vinhateiro doméstico – um experimento

Algumas semanas atrás li uma matéria no site “Wine Pair” (*) sugerindo que todos nós, enófilos de carteirinha, poderíamos realizar o sonho de nos tornarmos vinhateiros, em casa, produzindo o nosso próprio corte Bordalês a partir de varietais comprados no mercado.
 
Confesso que fui seduzido pela ideia. Com se isto não bastasse, recebi esta mensagem da leitora Luiza Samara, de Curitiba, que reproduzo abaixo:
 
“Tuty,
 
Li quase todas as suas colunas e gostei da maioria. Não por defeito delas, mas por interesse meu.
 
Vi que às vezes o enólogo, por uma razão ou outra, mistura uma ou duas uvas para obter um vinho de melhor qualidade, isso seria um corte, não?
 
Bem, considerando isso, lá vai minha pergunta:
 
Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois? rs.
 
Explico minha pergunta: hoje no almoço em casa de amigos, bebi um vinho argentino que era um corte de Merlot, Cabernet Sauvignon e Malbec e estava muito bom. Acompanhou um cozido e desceu muito bem.
 
Dá pra entender que misturar uvas é uma coisa e misturar vinhos é outra, mas com certeza estragaria a taça de vinho, mesmo em qualquer percentual?
 
A propósito, adoro vinhos verdes.
 
Abraços”.
 
(A resposta completa a este e-mail está depois da Dica da Semana. Leiam, também, esta coluna sobre os cortes, publicada em Fevereiro/2015:
 
O que serviu de estopim para o experimento que passo a descrever em seguida foi esta frase de Luiza:
 
“Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois”?
 
Decidi que era hora fazer algumas misturas, com vinhos comprados no mercado,demonstrando que isto pode ser feito sem sustos. Basta seguir algumas recomendações. Diversão e aprendizado garantidos!
 
Convidei José Paulo e Valter para participarem do experimento. Seriam três opiniões sobre os diversos resultados.
 
Um equipamento mínimo se faz necessário: um pequeno decanter, para receber e homogeneizar as misturas e um copo graduado para dosar. Pode ser este de cozinha mesmo, mas escolham um que tenha graduações de 50ml pelo menos.
No nosso caso dispúnhamos de um Becker com marcações de 20 ml, mas foi um luxo. Medidas padrões de cozinha, xícaras ou copos também podem ser usados. Basta ter imaginação.
 
 
O segundo passo foi selecionar os vinhos. Não pretendíamos nada muito exótico nem elaborar grandes volumes. Decidimos por usar três garrafas de 375 ml, compradas no supermercado perto de casa:
 
– Dal Pizzol Merlot 2012 (Brasil);
 
– Finca Negra Reserva Cabernet Sauvignon 2012 (Miguel Torres – Chile);
 
– Dona Dominga Reserva de Família Carménère 2013 (Casa Silva – Chile).

A regra foi uma só: vinho varietal, ½ garrafa. O que estivesse à venda.
 
Alguns acepipes, torradas e água serviram de coadjuvantes numa tarde muito agradável.
 
 
O primeiro passo foi provar individualmente os 3 vinhos e anotar todas as características, assim poderíamos comparar objetivamente as mudanças.
 
Merlot: coloração rubi claro, muito aromático com notas de ameixa preta e cassis. Percebe-se que não passou por madeira. Taninos educados e presentes. Corpo médio, muito redondo. Bom vinho.
 
Cabernet Sauvignon: coloração rubi escuro com reflexos violáceos. Aromas herbáceos e “sous bois” (chão do bosque) típicos da casta. Corpo médio, redondo, taninos presentes e agradáveis. Boa boca, com notas de alcaçuz. Muito bom.
 
Carménère: coloração rubi intensa com reflexos violáceos. Aroma agradável de frutas escuras e herbáceo, “Sous Bois”, discreto. No palato era persistente e intenso. Taninos marcantes e quase aveludados. Notas de banana ou baunilha e um final de boca que remetia à cinza ou fumaça. O melhor dos três. Surpreendeu.
 
Neste ponto, como não havia nos vinhos degustados nenhuma característica que merecesse uma tentativa de correção, optamos por fazer as nossas misturas apenas com o intuito educativo: primeiro aos pares e depois em trios. 
 
Conforme o resultado, optaríamos, ou não, por alterar proporções.
 
1º corte: 50% Cabernet e 50% Merlot – clássico bordalês.
 
Resultado: a cor ficou mais intensa, com predominância dos aromas herbáceos do Cabernet.
 
Todos concordaram que o vinho ficou melhor, com mais sabor do que em cada um, individualmente. Valter mencionou que compraria um vinho como este. O resultado foi tão positivo que decidimos variar as proporções para a próxima tentativa.
 
2º corte: 40% de Cabernet e 60% de Merlot
 
Esta foi a mistura mais difícil de fazer e o copo graduado ajudou muito. Foram 50 ml de Merlot e 30 ml de Cabernet, aproximadamente.
 
A coloração ficou inalterada em relação à anterior, mas surgiu um inesperado aroma floral que encantou e intrigou a todos. Afinal, não estava presente em nenhum dos vinhos na prova de controle. José Paulo logo classificou como Rosas.
 
Sensacional!
 
Nítida predominância do Merlot, como esperado. O resultado ficou muito melhor que o imaginado.
 
3º corte: 60% de Cabernet e 40% de Merlot
 
Escolha quase óbvia, invertemos a proporção da mescla anterior.
 
A coloração se tornou um pouco mais clara. Novamente se percebia o aroma de rosas, ainda predominante. Os taninos ficaram mais intensos e mais ásperos. 
 
Concordamos que era menos interessante que o anterior.
 
Após algumas considerações, concluímos que o corte 50/50 seria a melhor escolha.
 
4º corte: 50% Carménère e 50% Merlot
 
Houve um predomínio do Carménère tanto na cor quanto na parte aromática: cor violácea, aromas de ameixa preta e alcaçuz, mas todos discretos. Um pouco do “sous bois” foi percebido também. Boa complexidade.
 
Na boca o vinho se mostrou muito bom, agradável, boa acidez. Presença de cerejas maduras. Outra surpresa – este não é um corte usual nas vinícolas.
 
5º corte: 50% Cabernet e 50% Carménère
 
Resultou numa bonita cor rubi escura e intensa. Na parte aromática predominaram as características do Carménère: ameixa preta; herbáceos como feno cortado. No palato ficou extremamente agradável, bem gastronômico, com taninos domados e notas de baunilha (madeira). Ótima acidez.
 
O melhor vinho que obtivemos!
 
Para encerrar o experimento, elaboramos mais três cortes, com todos os vinhos em diferentes proporções. Ficaram desinteressantes, nenhum se destacou. Eis um resumo desta última parte:
 
6º corte: partes iguais dos 3 vinhos
 
A coloração final ficou mais clara. Nítida presença de aromas tostados ou defumados indicando a presença de madeira. Deixado na taça aerando, apresentou aromas herbáceos. Paladar indefinido, embora com boa acidez. 
 
Tânico e sem graça.
 
7º corte: 50% Merlot, 25% Cabernet e 25% Carménère
 
Bonita coloração rubi escura, intensa com reflexos violáceos. Muito brilho indicando acidez alta o que se confirmaria no palato. Pouco aromático com predominância de notas herbáceas.
 
No paladar se mostrou muito ácido, quase cítrico ou azedo. Desagradável.
 
8º corte: 50% Cabernet, 25% Merlot e 25%Carménère
 
Uma tentativa de reverter o insucesso anterior. A coloração ficou mais escura, rubi vermelho. Mais aromático que os anteriores, apresentou intensas notas herbáceas, ameixa preta e cassis (doces ou compotas). O paladar era desinteressante, não disse a que veio.
 
Conclusão
 
Em função do resultado pouco animador das misturas em trio, decidimos que não teria sentido experimentar um último corte com predominância do Carménère. Já havíamos percebido que este era um vinho de qualidade superior aos demais, impondo sua presença nas mesclas onde participou. No guia Descorchados de 2015 este vinho recebeu 89 pontos. Os outros dois nem foram mencionados…
 
Este experimento foi totalmente empírico, sem nenhum caráter científico ou exato. Apenas um exercício didático que nos encantou e que certamente será repetido.
 
Uma última recomendação: não esperem que estes resultados se repitam com outros vinhos das mesmas cepas. Cada experimento será único.
 
Este é a graça desta prova. Junte os amigos e faça uma reunião diferente, divertida e cheia de surpresas.
 
Dica da Semana: como o “nosso” melhor vinho ainda não está à venda, a indicação fica com este protagonista:
 
Dal Pizzol Merlot 2012
 
Cor intensa, potente, vermelha rubi com tons violáceos.
 
Aroma pronunciado com notas de ameixa e cassis. Sabor persistente, com bom “volume de boca”, encorpado, harmônico com taninos aveludados.

Harmonização: Vitela, rosbife, bacalhau, massas com molhos de carne, aves bem condimentadas, pato ou ganso, carne de porco, cordeiro, patê de Foie Gras, suflês, queijos tipo gorgonzola, brie, roquefort, port salut.
 
 
 
Resposta ao e-mail: 
 
Luiza,
Boas questões estas que você coloca, este é um dos assuntos mais interessantes para escrever na minha coluna de vinhos. Tenho umas ideias em andamento sobre este tema, uma delas vai tocar exatamente neste ponto.
Alguns esclarecimentos são necessários, vou fazê-los usando o seu próprio texto.
1 – você menciona: “Vi que às vezes o enólogo por uma razão ou outra, mistura uma ou duas uvas para obter um vinho de melhor qualidade, isso seria um corte, não?”
Sim isto é um corte, também chamado de assemblage, blend ou mescla.
O ponto importante são as razões pelas quais o enólogo ou um winemaker decide fazê-lo.
A principal é que os vinhos cortados são produtos superiores aos vinhos varietais (obtidos por vinificação de uma única casta).
Basta olhar para as listas de melhores vinhos que você perceberá que raramente encontramos um vinho monocasta nestas relações (Pinot Noir é a exceção).
Mesmo se aparecer, aposto que é um corte disfarçado: na maioria dos países produtores, um vinho para ser classificado como varietal precisa ter um % mínimo da casta, podendo receber adição de outras vinificações. Por exemplo, os famosos Cabernet da Califórnia recebem até 10% de Merlot ou outra uva. Na Argentina, os seus deliciosos Malbec só precisam ter 70% desta casta.
Esta prática é tão comum que quando um vinho é realmente elaborado com uma única uva, recebe a indicação 100% XXX num dos rótulos.
Para seguir na explicação, fixe esta ideia: o enólogo ao decidir por um corte busca um vinho melhor.
Óbvio que outros fatores podem provocar esta decisão: safras ruins, produções pequenas que não justificam um engarrafamento, etc. Afinal, por mais artistas que sejam os vinhateiros, isto ainda é um negócio que precisa ser bem gerido e dar lucro…
2 – duas frases suas:
“Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois?”
“Dá pra entender que misturar uvas é uma coisa e misturar vinhos é outra, mas com certeza estragaria a taça de vinho, mesmo em qualquer percentual?”
Não é bem assim: Quem disse que ao misturar dois vinhos vamos estragá-los?
Deixando os possíveis erros de fora desta história, esta é a principal técnica de elaborar um corte: misturam-se duas (ou mais) vinificações.
Um enólogo passa algum tempo num laboratório dosando e experimentando diferentes misturas até chegar a seu objetivo que pode ser um vinho com menos tanino, ou mais ácido, com fruta, com madeira, enfim, inúmeras possibilidades.
Resolvida a equação, as diferentes partidas de vinhos serão misturadas na proporção indicada e passarão por processos adicionais de estabilização, filtragem, clarificação, amadurecimento e, um dia, engarrafadas.
Só para não deixar você sem uma resposta completa, está não é a única técnica de se fazer uma mescla.
Pode se obter bons resultados com a co-fermentação: as uvas são fermentadas juntas obtendo-se uma vinificação já na proporção desejada.
É muito mais complicada pois não há como controlar tudo o que vai acontecer na cuba de fermentação. Até para equilibrar a quantidade de cada uva é uma operação mais difícil.
Mas uma vez dominada a técnica os vinhos ficam espetaculares.
Outra técnica, muita usada em Portugal, é o “field blend” (mistura de campo): as diferentes uvas são todas plantadas numa mesma área, colhidas e fermentadas juntas, mesmo que algumas variedades ainda não estejam no ponto certo.
Os tintos portugueses, principalmente do Douro, são elaborados desta forma (há exceções). Na minha recente visita a Portugal aprendi que num vinhedo destes podem ser encontradas mais de 20 diferentes uvas, algumas desconhecidas até hoje. Mas que vinhos!
Se quiser lembrar disto é só acessar estas colunas:
http://www.colunadotuty.com.br/2014/11/viagem-enogastronomica-espanha-e_29.html (leia a descrição do vinho Quinta do Crasto Vinhas Velhas)
http://www.colunadotuty.com.br/2014/12/viagem-enogastronomica-espanha-e.html (leia a descrição do vinho Carvalhas Vinhas Velhas)
A chave para nada dar errado é escolher corretamente o que será misturado. Não adianta selecionar dois vinhos parecidos e nem vinhos com estruturas opostas.
Por exemplo: Cabernet com Sangiovese, ambos reis dos taninos, ou Pinot Noir com qualquer outra casta tinta (no Chile já conseguiram…).
Existe uma razão para os vinhos de Bordeaux serem famosos: o corte bordalês é um exemplo de harmonia entre castas diferentes: Cabernet Sauvingnon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère, estas duas últimas em desuso por lá atualmente. Importante: cada uma é vinificada separadamente e as dosagens variam consideravelmente por safra e por área de Bordeaux.
3 – para encerrar: vinhos brancos também podem ser elaborados por corte e o Champagne, apesar de ser produzido na versão varietal, os clássicos são o famoso corte de Chardonnay e Pinot Noir, uma uva branca e uma uva tinta!
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