Se os leitores chegaram até aqui e não estão terrivelmente entediados, há uma grande chance de se tornarem bons apreciadores da mais nobre das bebidas.
Se o bom vinho começa no vinhedo, é nesta última fase que a mágica acontece.
– Carvalho, o último protagonista
Esta é uma família vegetal numerosa (Quercus), mas nem todos os seus membros podem ser usados na fabricação dos toneis usados na produção vinícola. São empregados unicamente dois tipos, o Carvalho Europeu ou o Americano. Cada uma destas madeiras vai acrescentar aromas e sabores distintos ao vinho. Não é algo simples como contratar uma tanoaria, encher as pipas e aguardar o tempo necessário. Tem suas manhas.
Dorna de envelhecimento (em desuso)
Antes que uma chuva de mensagens inunde o correio do Boletim, tanoaria é a técnica empregada para fabricar barricas de madeira, algo meio artesanal até hoje; pipa, barril, barrica, tonel, tanque, dorna, etc., são sinônimos que se referem a diferentes formas de reservatórios para líquidos.
Tanoeiro em ação
Atualmente, a técnica de envelhecimento mais difundida consiste em distribuir o vinho por inúmeras barricas com capacidade aproximada de 200 l. Estes reservatórios, por sua vez, podem ser todos iguais ou com diferentes características.
E que características seriam estas?
Duas já são nossas conhecidas, madeira de origem europeia ou americana (não se misturam madeiras numa mesma barrica). Além disto, temos as tostas e o número de utilizações.
Já escutamos o xi! complicou!.
Vamos dar um exemplo do que estamos falando, antes de explicações mais detalhadas: um vinho de primeira linha poderia ser envelhecido com 50% carvalho francês, 50% carvalho americano, todos de tosta média e 1º uso.
Barrica de carvalho francês, tosta média (MT), fabricante Mistral
Para decifrar isto, precisamos explicar o que vem a ser a tosta. Depois de armado e apesar de ter sido aquecido para vergar suas aduelas formando o barril, outra operação é necessária para preparar a superfície interna que ficará em contato com o vinho. A parte que ficará em contato com o vinho é queimada, em diferentes graus, seja por ação do fogo ou de uma resistência elétrica, caramelizando a superfície. Esta preparação transmitirá, ao vinho, os mais expressivos aromas e sabores. As tostas podem variar de ligeiras até intensas. Cada um destes graus interage de maneira distinta com o nosso caldo. Tudo dependerá do tempo de contato e do número de utilizações de cada pipa. O 1º (primeiro) uso é o melhor. À medida que vai sendo reutilizado, o barril perde gradativamente sua capacidade de agregar aromas e sabores.
Nos grandes, vinhos empregam-se os de 1º ou 2º uso, reservando-se a 3ª utilização, em diante, para vinhos menos sofisticados. Quando não servem mais para vinificação, os barris são vendidos para fabricantes de bebidas menos nobres. Cada barrica nova custa, em média, US$ 600.00 (seiscentos dólares). Numa boa vinícola, há milhares delas.
Caves típicas
Um vinho de alta gama pode ficar fica envelhecendo por até 3 anos, num ambiente com temperatura controlada, a cave, em geral subterrânea. Periodicamente os barris são destampados e o vinho testado. Se for necessário, completa-se o volume. Sempre há uma evaporação através da porosidade da madeira.
– Filtragem, Colagem e Engarrafmento
Chegamos quase ao final. Está tudo pronto: tanto o vinho jovem quanto o envelhecido já podem ser engarrafados. Mas há um passo adicional.
Apesar de decantado, continuam a existir micro partículas em suspensão, que devem ser removidas usando um processo denominado Colagem ou Clarificação: uma substancia inerte e agregadora, como uma gelatina, é adicionada forçando nova decantação. Depois vem a filtração (opcional), que deixará a nossa bebida límpida.
Finalmente engarrafamos, rotulamos e selamos as garrafas. Tudo pronto?
Ledo engano. O vinho engarrafado vai entrar em nova fase de repouso, por mais alguns meses, pelo menos, para se recuperar do choque ao entrar em contato, abruptamente, com o meio externo, na hora de ir para a garrafa.
Estiva – garrafas em repouso
Vinho é uma bebida muito sensível!
Dica da Semana – depois de todo este trabalho, merecemos ser bem recompensados.
Don Guerino Espumante Brut Rose – $
ORIGEM: Alto Feliz – RS – Serra Gaúcha
UVA: Malbec.
Aroma com notas de frutas vermelhas, rosas, e levedura.
Paladar refrescante, com notas de frutas vermelhas, bom corpo, com longa persistência e final de boca agradável.
Acompanha aperitivos, peixes, saladas e sobremesas.
GLOSSÁRIO e Esclarecimentos Finais
Carvalho – árvore da família Fagácea, que inclui a Faia e o Castanheiro. Interessa-nos o gênero Quercus, grupo composto por cerca de 500 espécies. Dentre elas, são utilizados na vinificação o Quercus Petrae (carvalho europeu – francês) e o Quercus Alba (carvalho branco norte americano). Além destas duas, há o Sobreiro (Quercus Suber), do qual se extrai a cortiça.
Aduelas – são as peças longitudinais que formam a estrutura do barril.
Tosta – é a queima realizada prepara a superfície interna do barril. Pode ter quatro intensidades:
Leve – 5 minutos a uma temperatura entre 120/130 graus ;
Média – 10 minutos a 160/170 graus
Média Escura – 15 minutos a 180/190 graus
Forte – 20 minutos a 200/210 graus
As tostaduras médias são as que mais transmitem compostos aromáticos. A Forte é a que contribui menos.
Cave – literalmente, caverna, em francês. Local do repouso do vinho enquanto envelhece e incorpora aromas e sabores oriundos do carvalho. As caves devem ter baixa temperatura, pouca iluminação e influências externas. Por esta razão são subterrâneas, como as cavernas.
Colagem ou Clarificação – neste processo podem ser empregados os seguintes coloides: albumina ou clara de ovo (daí, “clarificação”); albumina seca de ovo ou de sangue (nem sempre permitida); sangue fresco; caseína (uma das proteínas do leite); colas de peixe; colas de osso; bentonita, gelatina, etc..
Filtração – o equipamento utilizado é do tipo placa, especialmente fabricado para este fim. Muitas vinícolas modernas abandonaram a Clarificação, utilizando apenas, a filtração. A critério do Enólogo, o vinho poderá ser filtrado ou não, neste caso, o rótulo deverá indicar, claramente, esta opção.
Estiva – técnica de repousar o vinho engarrafado;
Outras técnicas de envelhecimento: com a constante preocupação com o meio ambiente e a cada vez maior produção de vinhos em todo o mundo, buscam-se alternativas para evitar a dizimação das florestas de carvalho. Duas técnicas se destacam e já são largamente empregadas, apesar do grande ceticismo e crítica geral:
1 – cavacos de carvalho são inseridos nos tanques de estabilização. Com isto, abrevia-se o tempo de maturação e envelhecimento;
2 – o mesmo pode ser feito com serragem de carvalho, que é um subproduto da fabricação de aduelas para tanoaria. Beneficia muito o custo de produção do vinho.
Ambas são vistas como práticas inadmissíveis. Quem as utiliza não declara abertamente.
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