Se os leitores acham que o doce Sauternes pode ser considerado o máximo, esperem até conhecer o personagem desta coluna: sua opinião pode mudar radicalmente. 
Para começar as apresentações, o nosso vinho de hoje, Tokay, Tokaji ou ainda Tokai, é citado no hino nacional da Hungria! Que tal? Orgulho nacional (com toda a razão). Bebida preferida de nada mais, nada menos que Beethoven, Liszt, Schubert, Johann Strauss, Goethe, Heinrich Heine, Friedrich von Schiller, Voltaire e Bram Stoker, autor do famoso livro sobre o Conde Drácula que, curiosamente, tem algo em comum com este vinho. Para liquidar a fatura, o Rei de França, Louis XV, encantado com a qualidade do vinho, ofereceu uma taça para a famosa Madame de Pompadour dizendo: Vinum Regum, Rex Vinorum (Vinho dos Reis, Rei dos Vinhos), frase usada, até hoje, na comercialização deste vinho. 

Louis XV e Madame de Pompadour 

O início de sua produção data da metade do século XVII, em Tokaj-Hegyalja, na época, uma região pertencente à Transilvânia, mundialmente conhecida como a terra do Conde Drácula, mas foi outro compatriota, o Príncipe Ferenc Rákóczi II, o grande divulgador deste vinho. Coube a ele presentear o Rei de França com uma das garrafas, gerando o episódio citado. 
Pela legislação húngara, só podem ser usadas na sua fabricação as seguintes uvas: Furmint; Hárslevelű; Muscat Amarela; Oremus, agora denominada Zeta; Kövérszőlő e Kabar, ou seja, nada do que conhecemos. A mais importante, Furmint, responde por 60% da produção. Desde 2007 a denominação Tokay é exclusiva. Mesmo assim há na Itália um Tokay Friulano, feito a partir da uva Sauvignon Verde e na Alsácia há o Tokay D’Alsace, obtido a partir da Pinot Gris. Não confundam. 
Como vocês já devem estar imaginando, as uvas devem estar botritizadas (lembram da última coluna?). Os efeitos deste fungo foram descobertos lá, um século antes dos alemães e franceses começarem a estudar o fenômeno e compreendê-lo. 

Entre os vários estilos de Tokay, dois são muito importantes: o Aszú e o Eszencia. 
Tokaji Aszú

Aszú, em Magiar (idioma Húngaro), significa dessecado. No processo produtivo, entretanto, indica uma pasta, um concentrado, obtido com a prensagem das uvas botritizadas, selecionadíssimas, a partir do qual o Tokaji é feito. A pasta será adicionada a um vinho base, seco, iniciando uma fermentação de vários meses. O processo se completa com uma longuíssima fase de maturação que pode chegar a 8 anos, no caso dos vinhos de alta qualidade. 

Puttonyo 

Eles são classificados, em termos de sua doçura, pelo número de puttonyos. Esta estranha palavrinha húngara significa cesto. Trata-se de um recipiente padronizado, como o da foto, capaz de receber até 25 Kg das uvas colhidas manualmente. A regrinha é quase intuitiva: quantos mais puttonyos forem usados para obter o Aszú, mais doce o vinho. Em termos comparativos, um bom Sauternes chegaria, no máximo, a 3 Puttonyos. Um Tokay pode chegar a 6 Puttonyos.
Eszencia 
 

Se o Chateau D’Yquem era chamado de Luz Engarrafada, o Tokaji Eszencia é o Ouro Líquido. Esta preciosidade tem um processo de fabricação muito peculiar: as uvas, que serão empregadas na preparação do Aszú, são colocadas num barril de madeira, e guardadas por um par de dias. Somente pelo peso das frutas, um mosto, superconcentrado, é depositado no fundo desta barrica. É a partir desta essência que o vinho é produzido. O processo fermentativo pode levar anos, atingindo um teor alcóolico entre 2% e 4%. Sua textura é mais próxima de um licor do que de um vinho. Um elixir, a quintessência do vinho, algo que um enófilo apaixonado sonha em experimentar, pelo menos uma vez na vida, o que será uma aventura inesquecível. 
Não é possível declarar um vencedor nesta comparação. Não existe um fabricante que se destaque, como no caso de Sauternes. Em compensação, todos os Tokaji são excepcionais, já que respeitam uma legislação simples, mas muito rígida. Por sua vez, o Eszencia é único. 
Na semana que vem mostraremos mais alguns vinhos doces e nobres. Até lá, fiquem com a, 

Dica da Semana: 

Tokaji Aszú 3 Puttonyos 2002 
Produtor: Tokaji Oremus (Vega Sicilia) 
País: Hungria/Tokaji 
Uvas: Furmint (55%), Harlesvelu (45%) e Muscat Lunet (5%) 
Oremus é a fantástica vinícola de propriedade de Vega Sicilia na Hungria. Seus vinhos são imaculados, produzidos com o mesmo perfeccionismo que a vinícola emprega na Ribera del Duero. Aqui, não se percebe o caráter oxidativo de alguns Tokajis mais rústicos, mas um aroma muito intenso e frutado e uma bela presença de boca. 

Dica para a turma que joga peteca: 

Tokaji Eszencia 2002
Preço aproximado (½ garrafa) – R$ 1.800,00 (+ frete) 
Só foi importada uma minúscula partida do raríssimo e disputado Tokaji Eszencia de Oremus, um dos mais fantásticos néctares do mundo do vinho. As uvas totalmente botritizadas são colocadas em pequenas barricas de carvalho. O próprio peso do mosto extrai um caldo riquíssimo, que leva vários anos para fermentar. É difícil enfatizar o suficiente o quão especial e precioso é este vinho. Denso, complexo e incrivelmente doce, é um dos maiores e mais raros vinhos de todo o mundo. (nota do importador) Wine Spectator – 98