Participar de uma ou mais confrarias de enófilos é sempre bom, divertido e uma oportunidade de se degustar ótimos vinhos. Mas ser considerado o “especialista” da turma pode ser complicado…
 
Na Confraria da Lagoa, um dos confrades tem a (justa) fama de ser um excelente cozinheiro, um verdadeiro ‘Chef’, como gostamos de brincar. Ele já havia sido intimado, diversas vezes, a produzir o seu prato de referência, uma (con)fusão entre as culinárias Indiana, Baiana e Grega que leva o artístico nome de “Arroz de Afrodite e Iemanjá”, elaborada cocção com camarões, curry e uma infinidade de outros temperos e acompanhamentos cuja combinação ele, sabidamente, guarda a sete chaves.
 
Como seria necessária uma cozinha completa para o nosso mestre cuca desenvolver a sua arte, encontrar um local para este almoço ou jantar era de importância capital, com várias exigências impostas pelos demais confrades: fácil acesso, opções de estacionamento e temperatura amena ou ar refrigerado. Para dificultar um pouco mais esta sonhada reunião, um último complicador: coordenar agendas…
 
Para resolver o problema só mesmo o Papai Noel! Pensando nisto, decidimos fazer o último encontro do ano e trocar os presentes de amigo oculto ao sabor dos quitutes do nosso “piloto de fogão”. Para apimentar ainda mais a reunião, eu e o meu comparsa da coluna, José Paulo, que gentilmente ofereceu a sua mansão para sediar o almoço, fomos desafiados a harmonizar o prato principal. Desafio aceito, sem mais delongas.
 
 
As dificuldades de conciliar os sabores deste prato, particularmente picante, com uma bebida, de modo a não prejudicar nem um nem outro começam com o ingrediente predominante, o “curry”, de origem indiana, que é um condimento composto por diversas especiarias e pimentas. Escolher um vinho para enfrentar esta avalanche de sabores exigiu uma pesquisa detalhada.
 
Primeiro olhamos o ponto de vista cultural. Na gastronomia da Índia o vinho não aparece como um aliado. Boa parte da população, por motivos religiosos, não consome álcool. Ampliamos o campo de buscas. Outras culturas produzem misturas de condimentos semelhantes, com variações nos ingredientes, obtendo currys mais ou menos picantes, intensos ou saborosos. Conseguimos elaborar uma tabela:
 
Curry amarelo – Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, bem cítrico, é o preferido. Há a opção do Cabernet Franc para acompanhar camarões ou frango. Para carnes vermelhas a aposta seria um Rioja espanhol.
 
Curry tipo Massamam (leva tamarindo) – Viognier, Vouvray ou até mesmo um Chardonnay nos estilos Chileno ou Australiano.
 
Curry verde (em geral muito forte) – espumante Demi-Sec, Gewurtztraminer ou vinho Rosé.
 
Curry vermelho – Riesling Kabinett, Vinho Verde ou Beaujolais Cru de Broully. 
 
Pad Thay (culinária tailandesa) – Prosecco ou Pinot Noir do Oregon.
 
Caso a preparação usasse leite de coco, uma boa aposta seria o Chardonnay madeirado ao estilo californiano.
 
A base do Arroz de Afrodite era o Curry Amarelo, mas o Chef insinuou que usaria outros condimentos picantes o que me fez arriscar e apostar num Gewurtztraminer Alsaciano. José Paulo optou pela linha mais tradicional e indicou um Chablis, excelente Chardonnay francês. Haveria um prato opcional, Penne ao Gorgonzola, para os de paladar sensível ou para os que não apreciam frutos do mar. Para este, a nossa indicação era um tinto de corpo médio. A sorte estava lançada!
 
Marcado para às 13:00, abrimos os trabalhos com uma rodada de espumantes para “fazer a boca”. Para exercitar o maxilar, pastinhas temperadas, pães diversos, torradas e um belo pedaço de gorgonzola. O problema foi que ninguém fixou um horário para que o almoço fosse servido, deixando a cargo do Chef que decidiu pelas 15:00. Até lá…
 
Sucederam-se as garrafas de espumantes!
 
 
Servidos os pratos e abertos os vinhos a surpresa foi total. O Arroz de Afrodite era tudo que fora prometido, estava simplesmente delicioso. O 1º vinho a ser degustado foi o Alsaciano.
 
Perfeito!
 
Podíamos sentir todos os sabores do curry, dos camarões e os do vinho. Excelente equilíbrio. Harmonização tão completa que surpreendeu inclusive ao Mestre Cuca que não estava muito convencido que daria certo. O caráter muito frutado deste vinho faz com ele se apresente quase adocicado, balanceando corretamente o sabor intenso dos condimentos.
 
 
O segundo branco, o Chablis, também cumpriu muito bem sua função, mas com outra perspectiva. Com uma presença cítrica muito intensa, amenizava o lado picante enquanto realçava os sabores dos frutos do mar. Experiência muito interessante. Desafio vencido!
 
 
Para o prato de massa foi selecionado um Montepulciano D’Abruzzo que caiu como uma luva. Como alternativa havia um Merlot que acabou sendo aberto mais tarde.
 
Para completar o banquete era chegada a hora das sobremesas que, obviamente, seriam acompanhadas por uma plêiade de vinhos de colheita tardia, entre eles um Vin Santo branco além de um Brandy de Jerez e um Cointreau: uma maravilhosa torta de goiabada e Mascarpone, e outra especialidade do Chef, morangos flambados ao Cognac Remy Martin.
 
Um luxo!
 
 
Literalmente a “farra foi completa”, a troca de presentes hilária e a vontade de repetir a experiência o mais breve possível.
 
 
Esta coluna entre em recesso até o ano que vem desejando a todos um ótimo Natal e um feliz 2014.

Dica da Semana:  já pensando no inclemente verão que vem por aí, uma opção diferente e gostosa, um vinho rosé argentino.
 
Carmela Benegas Rosé
Este vinho nasce da primeira sangra dos vinhos de guarda da vinícola.
Com atraente cor rubi, tem aromas de flores (violetas) e perfume de frutas.
No paladar é intenso e refrescante. Os sabores são combinados entre frutas vermelhas. É o que provoca sua grande duração na boca.
Um corte de 50% Cabernet Franc e 50% Petit Verdot