Sempre que possível fugimos deste inferno que se tornou o Rio de Janeiro, “ex” Cidade Maravilhosa, título que dificilmente será recuperado graças aos empreendedores esforços de Sergio “171” Cabral e de seu fiel escudeiro (?) o Prefeito, mais conhecido por “Duda” e seus oligofrênicos de plantão.
Fomos para Pouso Alto, MG, nos hospedando no famoso Hotel Serraverde, local que frequentamos há 20 anos, pelo menos. Éramos 2 casais, eu e meu compadre, além dos filhos e namorada. Sempre levamos vinhos e os desafios verbais começam cedo, já na borda da piscina. A disputa gira em torno de quem leva a melhor garrafa para ser degustada no jantar. Ninguém declara o rótulo antes da hora e a conversa gira em torno de chilenos, italianos, argentinos, etc.
Estávamos nesta deliciosa provocação quando surgiu a ideia de fazer uma Copa do Mundo. Cada vinho representaria uma seleção e o “gramado” seria o restaurante do hotel, onde a comida é deliciosa. Os técnicos seriam meu compadre e eu. Perfeito.
Na chave “A” estavam as seleções do Chile, Espanha e Argentina.
Pela minha chave “B” entrariam em campo Brasil, Itália I e Itália II.
Isto produziu um efeito contagiante, quase todos queriam participar da brincadeira, uma disputa muito fácil de resolver: cada degustador apontava seu vinho preferido, o que valeria 1 gol.
1º jogo – Brasil x Chile
Escolhi um belo corte de Cabernet com Merlot, produzido em Santa Catarina pela Vinícola Santo Emílio, o Leopoldo 2007, cujas características são:
“Coloração vermelho intenso e profundo. Buquê frutado, especiarias, baunilha, ameixa seca e geleias de frutas vermelhas. Bom corpo, taninos marcantes, mas agradáveis e maduros, final de boca amplo”.
Seu oponente foi um representativo Carménère, o MAPU Gran Reserva 2012, produzido pela Vinícola Baron Philipe de Rothschild, uma associação desta famosa família com um Barão do vinho na Califórnia, Robert Mondavi.
Segundo seu produtor:
“Coloração vermelho intenso com reflexos rubis. No nariz, possui aromas de framboesa e groselha negra com ligeiro toque de pimenta. No palato final harmonioso e equilibrado”.
Para harmonizar havia uma bela mesa de deliciosos queijos produzidos na região, saladas diversas e algumas alternativas de pratos quentes. Não seria difícil encontrar a combinação ideal para cada um, em qualquer das noites. Neste primeiro jogo estavam a postos 6 degustadores.
O resultado foi 3 x 3, um empate muito sem graça.
Ninguém tinha dúvida sobre o “peso” do vinho chileno, mas esta história de “uva emblemática” acaba atrapalhando mais que ajudando. Os grandes vinhos tintos do Chile são os produzidos com a Cabernet Sauvignon. Disputam o título de melhores do mundo com os famosos californianos. Esta teria sido a minha escolha ou como alternativa, um corte entre estas duas uvas.
Do lado brasileiro o Leopoldo enfrentou com galhardia o ataque e mostrou qualidades. Um vinho muito redondo e saboroso. Pode evoluir muito. Após muitos debates o resultado foi considerado justo.
2º jogo – Espanha x Itália I ou…
Na segunda noite começaram as inesperadas confusões. Este seria um jogo que prometia ser espetacular. Meu compadre levaria um vinho da Miguel Torres, excelente vinícola de origem espanhola considerada no ano de 2013 como a melhor da Europa.
Mas quem “adentrou o gramado” foi um Miguel Torres chileno, outro Carménère, produzido pela filial local: O Finca Negra Gran Reserva.
Segundo o produtor:
“Coloração vermelho rubi. Aromas finos de amora e cassis, com notas de eucalipto e tangerina. Longo e picante. Corpo médio”.
Pensando num jogo contra a forte Espanha, escalei um ótimo representante italiano o Fratelli Dogliani Langhe DOC Nebbiolo 2011, com as seguintes características:
“Coloração vermelho atijolado, pouco profundo. Aromas de frutas vermelhas maduras, com notas de rosas, violetas e especiarias. Paladar frutado, delicado, com taninos macios e boa persistência de sabores”.
Este vinho foi o primeiro a ser aberto e estava realmente delicioso. A uva Nebbiolo é tão difícil de vinificar quanto uma Pinot Noir francesa e, em boas mãos, entregam caldos preciosos. Desta uva é feito o seu irmão mais velho, o Barolo, considerado o “Rei dos Vinhos”.
Eu estava convencido que ganharia de goleada. Mas vários fatores extracampo interferiram no resultado:
havia somente 4 degustadores;
ao abrirmos a segunda garrafa meu querido compadre deu um pequeno gole e abandonou o campo alegando cansaço.
O Carménère estava bom também e era nitidamente superior ao do dia anterior. Mas havia uma nota de mentol (eucalipto) que me incomodava. Acho os varietais desta casta com excessivas características vegetais, definitivamente não são os meus preferidos.
Ficamos sem resultado. O jogo foi para a prorrogação, no dia seguinte…
3º jogo – Argentina x Itália
Para este último embate, reservamos os melhores vinhos na expectativa de ser um jogão.
Devido à forçada prorrogação da noite anterior, as provocações durante a manhã foram intensas a ponto de ser revelada a escalação argentina: nada mais nada, menos que uma “Dica da Semana”, o Flor de Pulenta Cabernet Suvignon.
Suas características são:
“Coloração vermelho profundo. Aromas que lembram pimentão e especiarias, com notas de baunilha e tabaco provenientes do carvalho. Na boca apresenta boa concentração e taninos suaves que lhe conferem uma estrutura volumosa. Final elegante e longo”.
A minha escalação era um dos meus vinhos prediletos, um Primitivo, casta típica da Puglia que tem uma irmã californiana, a Zinfandel. O produtor escolhido foi Lucarelli.
Suas características são:
“Coloração púrpura intensa. Aromas frutados marcantes, com notas de ameixa e cereja, temperada com alecrim e baunilha. Seco, macio e equilibrado”.
Seguindo na guerrilha de borda de piscina, no mínimo me aconselharam a não entrar em campo e perder logo por WO. Era muita provocação! Não levei a sério…
No jantar, novamente, tudo mudou.
Alegando que ainda havia o vinho da prorrogação o time argentino não entrou em campo (parecia com a guerra de liminares do campeonato brasileiro).
Apliquei um humilhante WO, afinal a seleção Itália II entrou em campo!
Iniciamos os trabalhos com o chileno já aberto e para surpresa geral ele deu uma bela melhorada. Nada como um longo período respirando.
Em seguida abrimos o Primitivo que estava impecável.
O Carménère não era páreo. Para evitar o vexame, valeu a máxima do folclore futebolístico:
“Arrecua os arfes para evitar a catasfe”.
Dois dos quatro degustadores restantes abandonaram o jogo provocando um novo “sem resultado”…
Que falta de esportividade!
Epílogo
Findo o jantar (ou seria o jogo?) restava pouco menos de ½ garrafa do Primitivo.
Como voltaria para o Rio na manhã seguinte eu resolvi consumir o que restava. Para minha alegria, a minha comadre resolveu me ajudar. Dividimos o conteúdo em duas taças e ela, confortavelmente, carregou sua tacinha para o salão do hotel onde se apresentava um versátil cantor.
Curtiu o fim de noite como ninguém…
Caberá aos leitores decidir quem ganhou esta Copa.
Dica da Semana: para dirimir qualquer dúvida sobre vinhos chilenos.
Cor: Rubi.
Aromas: Groselha, amoras, pimenta negra, pimentão, notas de tostado e cedro.
Paladar: Denso, potente e com sabores intensos.
Harmonização: Empanadas de carne, contra filé à parmegiana, arroz carreteiro, picanha na brasa, queijos maduros.
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