Nem sempre alguns aspectos do mundo do vinho podem ser classificados como democráticos. Sem dúvida que o tema desta semana decorre das diversas situações vividas em todo o mundo, numa eterna disputa entre regimes democráticos, socialistas e totalitários.
Embora não tenha havido (ainda) qualquer ato de terrorismo que envolva vinícolas ou enófilos, existem algumas ditaduras que parecem nunca ter fim. Uma delas é a exigência de harmonizar vinho e comida.

Um grupo de apreciadores de vinhos, escritores especializados e até mesmo renomados críticos são opositores constantes destas engessadas regras que, muitas vezes, podem estragar uma boa reunião.

Não existe um fato que possa ser considerado como o marco inicial da ideia que devemos harmonizar, sempre, nossos alimentos com os vinhos.

Aparentemente foi no século 19, na Europa, que apareceram as primeiras ideias sobre este assunto. Nos EUA, após o fim da Lei Seca, estas regras, ainda em forma bem simples, tomaram certo vulto, apoiadas por ideólogos que rapidamente encontravam justificativas para combinar um vinho com este ou aquele alimento, o que implicava ser “proibida” qualquer alternativa.

No mundo moderno, se formos olhar direitinho o que acontece neste mercado, vamos descobrir que são tantas as possibilidades que, literalmente, enfraqueceram estas quase sagradas regras a ponto de estarem se tornando obsoletas: a variedade e a qualidade dos vinhos de hoje torna qualquer tentativa de estabelecer regras uma impossibilidade.

Some-se a isto o fato de o ser humano ter a necessidade de compensar as suas agruras diárias com uma boa dose de entretenimento e prazer.

A palavra negócio significa negação do ócio. Mas é nos momentos de ócio que nos tornamos mais criativos, mais reais, produzimos para nós mesmos, sonhamos.

Por que engessar este momento com mais regras, principalmente se estamos tentando nos liberar de toda e qualquer amarra?

Em 1989 foi publicado um interessante livro, escrito pelo Chef David Rosengarten e por Josh Wesson, criador da loja de vinhos Best Cellars (estoca apenas 100 vinhos e nenhum deles custaria mais que 10 dólares), com título “Vinho tinto com peixe” (Red Wine With Fish). Embora não tenha rompido com nenhuma convenção estabelecida, provocou muita discussão criando uma brecha nas inflexíveis harmonizações.

A partir desta iniciativa, diversas tendências foram surgindo, algo como “beba o vinho que mais lhe agrade”. Há uma nítida analogia com o movimento “slow food” em oposição à outra ditadura, a do “fast food” que surge depois do “tempo é dinheiro”, outro grande negócio: não perca tempo almoçando, trabalhe mais e ganhe mais dinheiro…

Para que, afinal?

Compramos um grande vinho, temos que esperar a ocasião adequada e para complicar mais um pouco encontrar o prato certo para acompanhar.

Simplifique! Desgourmetize!

Se alguma coisa sair errado, aproveitamos para rir um pouco e tirar proveito da situação. Sempre é possível corrigir o rumo das coisas.

Dica da Semana: um branco chileno que cai bem em qualquer refeição.

 

Los Vascos Chardonnay 2014
 
Este Chardonnay, com pedigree francês e sem estágio em carvalho, é tipicamente chileno: límpido, frutado e fresco.

Elegantes aromas lembram notas de abacaxi, banana, grapefruit, damasco e amêndoa.
Na boca é saboroso, fresco, deliciosamente frutado, com boa estrutura e longo final.


Premiações: Bronze no IWCh (2012); Bronze na IWSC (2013); WA 86 pts (2011); WA 88 pts (2010)