Semana passada fomos convidados para o último fim de semana da mansão alugada por nossos amigos Mario e Christina, em Correas, distrito de Petrópolis-RJ. Findo o ciclo olímpico, a casa seria devolvida. A proposta era “raspar o tacho”, e isto incluía as últimas garrafas de vinho levadas serra acima.
Um fim de festa perfeito. Temperatura agradável com dias de um lindo céu azul. O grupo de convidados, José Luís e Ligia, Claudia e eu, Teca, Cecilia e Ângela não poderiam estar em maior sintonia. A mesa farta, a qualquer hora do dia, sempre bem vigiada por Marcia e Fábio, além de Tarciso que cuidava para que tudo na casa estivesse funcionado.
Com um clima destes nada poderia dar errado, o que me levou a pensar no que realmente era necessário para sermos grandes anfitriões.
A regra Nº 1 é Generosidade.
Obviamente que cada convidado contribuiu para o sucesso deste evento, mas a infraestrutura era por conta do casal que nos convidara. Tudo o que estava à nossa disposição era de qualidade indiscutível, mesmo no alardeado clima de “enterrar os ossos”. Percebia-se, facilmente, na mesa do café da manhã, no almoço, no jantar e nas diversas tábuas de queijos, mini-quiches e outros petiscos servidos no decorrer do dia.
Nos vinhos não era diferente. Bons brancos e tintos estavam à nossa disposição.
Nº 2 – Surpreenda seus convidados.
Sábado foi o grande dia. Quando chegou a hora de “iniciarmos os trabalhos”, alguém logo lembrou que já era ½ dia em algum lugar do planeta, para minha surpresa fui nomeado o Sommelier oficial do encontro. A adega era minha e poderia fazer o que achasse melhor, com direito a críticas ou elogios…
Como a temperatura estava mais fria que o costumeiro calor carioca e, após uma checada na cozinha para saber o que seria servido, optei por abrir alguns tintos. Eis a lista do que estava à minha disposição:
Escorihuela Gascon, Pequenas Producciones, Syrah 2010 e Cabernet Sauvignon 2009 (Argentina);
Leeuwenkuil Syrah 2012 (África do Sul);
Zorzal Eggo Tinto de Tiza 2010 (Argentina);
Angelica Zapata Alta Merlot 2011 (Argentina);
Marques de Casa Concha Carménère (Chile);
Quinta das Tecedeiras 2013 (Portugal).
Todos concordaram com este convite, não houve nenhuma tentativa de Impeachment ou Golpe.
Outras surpresas estavam reservadas para mais tarde.
Lancei mão de mais uma regrinha, a terceira.
Nº 3 – O vinho certo no momento exato
Comecei pelo Syrah argentino seguido do sul-africano para fazer uma degustação comparativa. Dois vinhos completamente diferentes. Enquanto o Pequenas Producciones era muito frutado e fácil de beber, o outro Syrah era um vinho sério que exigia gosto e paladar apurados. Com notas de alcatrão e terrosas, demandou algum tempo para nos ajustarmos a este conjunto de novos sabores. Mas era um grande vinho e contrastava bem com os queijos e comidinhas servidas.
Abri o terceiro vinho retornando para a argentina. O Eggo, elaborado nos famosos ovos de concreto, é um vinho muito celebrado e premiado. Com pontuação elevada (RP 94; Descorchados 96 pts.), é um corte de 90% Malbec e o restante de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Delicioso, nos acompanharia no 1º prato do almoço que começava a ser servido: escondidinho de ossobuco.
Para o prato seguinte, um belo refogado de escargot e cogumelos, preparados na hora pelas competentes mãos do nosso anfitrião, abri o suave e aromático Merlot Angelica Zapata. Seria perfeito, na minha opinião, se o nosso Chef não fosse tão preciso nas suas cocções e a sede do grupo fosse menor: nunca vamos saber se era a harmonização correta. A garrafa secou antes do prato ser finalizado.
Arrisquei o segundo Pequenas Producciones, desta vez o Cabernet Sauvignon, mesmo sabendo que seria um pouco mais tânico que sua companheira bordalesa. Um bom vinho, mas nitidamente abaixo do nível servido até então. Mas todos estavam felizes.
Para o último prato, um Cassoulet, abri o Carménère Marques de Casa Concha e encerramos com o Quinta das Tecedeiras.
Grande almoço!
Duas observações finais fazem parte deste conjunto de atributos que nos tornam grandes anfitriões: temperatura certa e uma certa ritualística.
A temperatura ambiente era perfeita para todos os vinhos servidos. Se não for este o caso, resfrie ou aqueça conforme a necessidade. Lembrem-se que a temperatura do vinho não é ciência, mas prazer.
Todos as garrafas foram provadas inicialmente para se decidir entre aerar e/ou decantar.
O bom vinho agradece.
Saúde!
Vinho da Semana: além da listinha acima, este caberia no almoço em questão.
Casa Mia Nero d’Avola Terre Siciliane IGT 2013
Rubi intenso com reflexos violáceos. Aromas: de frutas vermelhas frescas, notas florais e toques de especiarias.
Corpo médio, com taninos finos e final de boca redondo e agradável.
Harmoniza com carnes vermelhas grelhadas e assadas com molhos de média intensidade, preparações à base de carnes de porco, massas com molhos à base de tomate e queijos de massa amarela.
Tuty,
o finado Apicius, grande crítico de comes e bebes, que fez o deleite de toda uma geração com suas deliciosas crônicas no saudoso Jornal do Brasil, deve estar revirando-se na tumba, com inveja da tua pena.
Acho que você devia candidatar-se a sucede-lo (e, desde já, me ofereço para acompanhar as degustações, sob a sigilosa alcunha de Sr. T).
Parabéns, mais uma vez.