Os segredos dos Cortes

Uma observação mais atenta nos antigos e-mails recebidos por esta coluna e agora, nos comentários, mostram que está sempre presente uma dúvida entre os consumidores:

Qual é o melhor vinho, um varietal ou um corte (ou blend, ou assemblage)?

A questão é muito pertinente, principalmente porque somos influenciados pela mercadologia de nossos vizinhos produtores, que enfatizam as uvas emblemáticas de cada um: Malbec, Carménère e Tannat. Outros países, na mesma linha, destacam seus melhores vinhos, sempre calcados em uma única casta: Pinotage, na África do Sul, Zinfandel nos EUA, Shiraz na Austrália e Sauvignon Blanc na Nova Zelândia.

Isto tudo é um marketing, muito bem feito, que tem como único objetivo aumentar o consumo dos vinhos de cada lugar. Não serve, entretanto, como a resposta correta para a questão colocada inicialmente:

Ressalvadas algumas honrosas exceções, os melhores vinhos do mundo são cortes.

Para compreender este fato, precisamos voltar no tempo, lá atrás, no que se convencionou chamar de A.C. (antes de Cristo).

Vinhedos eram uma mistura de diferentes uvas. Para os agricultores daquela época eram apenas frutas que fermentavam e viravam vinho, apesar de algumas amadurecerem mais cedo, outras mais tarde, dependendo das condições climáticas do ano.

Lembrem-se que não haviam técnicas ou recursos para combater secas ou chuvas excessivas. Esta mistura natural das diferentes castas servia como um seguro: sempre seria possível produzir um vinho com o que sobrevivesse às intempéries.

Simplificando, os primeiros vinhos eram cortados, a partir do que, hoje, se denomina “field blend”. Muitos países ainda adotam este tipo de vinhedo, Portugal é o mais conhecido deles.

Existe uma explicação, do ponto de vista histórico: buscava-se uma estabilidade na qualidade dos vinhos, independentemente da safra. O produtor queria se assegurar que, ano a ano, seu vinho manteria as mesmas características. Esta é a razão que mantém a produção de vinhos cortados até os dias atuais.

Mas esta ideia evoluiu muito. Com a ajuda da tecnologia, foi possível, ao longo do tempo, compreender a contribuição de cada casta no produto final. Bordeaux é a principal referência neste caso. O corte bordalês é copiado por todos os produtores, uma clássica receita de bolo, quase infalível, que a grosso modo pode ser escrita assim:

Cabernet Sauvignon na base;

Merlot para as notas aveludadas;

Cabernet Franc contribuindo com notas aromáticas;

Petit Verdot colorindo tudo.

Não tem como errar. Um produtor tem ainda mais algumas castas como Malbec ou Carménère para conseguir outros recursos.

Outro vinho muito importante no cenário internacional é o italiano Chianti, que nunca foi 100% Sangiovese. Seu corte original era composto de outras uvas, Canaiolo, Colorino, Ciliegiolo e Mammolo. Ao longo dos anos, a flexível legislação daquele país foi permitindo a adição de outras castas, inclusive as não típicas da Itália. Hoje, basta ter 80% da Sangiovese para ser declarado um Chianti.

Mais vinhos trilham por este mesmo caminho, os fabulosos Rioja espanhóis, os respeitados vinhos de Portugal, os Parker 100 pontos do Rhone, entre outros.

Hoje, um bom enólogo, consegue elaborar um vinho muito específico, apenas manipulando os diferentes tipos uvas à sua disposição. Pode mesmo, no caso de uma mudança climática inesperada, salvar a vinícola se valendo do que foi possível colher. Diferentes técnicas de produção são aplicadas a cada casta e o resultado final pode ser espetacular.

Por último, não poderia deixar de mencionar o mais conhecido dos vinhos espumantes, o Champagne. Seu corte clássico envolve, pelo menos, duas uvas: Chardonnay e Pinot Noir. A legislação francesa, sempre muito precisa e rigorosa, permite ainda as seguintes castas: Arbane, Petit Meslier, Pinot blanc, Pinot gris e Pinot Meunier (2010).

O leitor ainda tem alguma dúvida?

Saúde e bons vinhos.

Vinho da Semana: um belo corte, sem dúvida.

Casa Santos Lima Branco Reserva

Elaborado com as castas Chardonnay, Encruzado e Viosinho, este corte é extremamente versátil, harmonizando corretamente com uma grande variedade de petiscos e pratos gastronômicos, entre eles, Bacalhau, Paella de frutos do mar, Peixes de carnes estruturadas, Presunto cru, Peixe-espada, Mix frio de frutos do mar com camarões, lagosta, ostras e vieiras, Queijo de cabra, Salmão defumado e Queijo Serra da Estrela.

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4 Comments

  1. Mario Sergio Bretas

    Estimado Tuty,
    ao ler o título da crônica ou “tratado”de hoje, pensei comigo mesmo que irias , numa escolha prudente, deixar aos leitores a decisão de por qual vereda caminhar:
    pelos cortes ou pelos varietais. Para minha surpresa, eis que não o fazes, afirmando, categórico, que os cortes superam os varietais. Vou confidenciar a você que este é o meu caminho, mormente tratando-se dos tintos. Mas, pelo prazer da discussão, esta no bom sentido, vou afirmar que não seria enganoso, fazer a opção inversa. Seguiremos com este embate em outra oportunidade que hoje me falta mais tempo. (estamos naquela casa horrorosa que conheceste na serra de Petropolis, durante a Olimpíada e tenho que dar atenção aos demais convivas)

    • Tuty Pinheiro

      Tezy
      Pelo visto você anda mesmo ocupado, a tal ponto, que fez uma leitura pra lá de dinâmica.
      Sem querer encerrar qualquer tipo de embate, eis o que escrevi, literalmente, e lhe passou despercebido:
      “Ressalvadas algumas honrosas exceções, os melhores vinhos do mundo são cortes.”
      Abraço

  2. Maria Jose Machado

    Prezados Tuty e Mario, acho que o mais interessante que vocês conseguiram e dar continuidade a tal antiga e infinita discussão , sobre qual vinho é o melhor se Corte ou Varietal. Mas como conhecedora, degustadora e moradora de uma das Capitais do Vinho posso fechar dizendo que o melhor vinho é aquele que nos permite uma sublime experiencia ao degustá-lo mesmo só ja que ele se torna numa perfeita companhia.
    abraço para vocês e que esse ano que começou venha com muitos motivos para Brindar!! Salud!

    • Tuty

      María José
      Isto é que é classe. Argumento definitivo.
      O melhor vinho é aquele degustado no momento certo, com a companhia adequada.
      Bjks

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