É quase inacreditável que, ao mesmo tempo em que estamos num período da história onde a alta tecnologia é a grande estrela, tenhamos nos tornados reféns da desinformação.
A situação é tão grave que já há pesquisadores que cunharam a frase “era da desinformação” para que os futuros historiadores classifiquem e comparem com outros períodos da vida humana, como os da era Mesozoica: Triássico, Jurássico e Cretáceo. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
A tecnologia tem sua parcela de culpa nisso tudo, afinal, a busca por uma maior facilidade e velocidade para resolver as tarefas do dia a dia foi a grande impulsionadora das chamadas “redes sociais”, um tipo de mal necessário que acabou com o nosso bom senso e a capacidade fazermos uma análise crítica do que nos é oferecido ali.
Há pessoas que acreditam, piamente, que só nestes ambientes é que se encontra a verdade, como um certo Dignitário, lá no Planalto Central: o resto é lixo!
Por ser considerado um especialista quando o assunto é vinho, fui bombardeado com mais de uma centena de cópias, de uma mesma mensagem, junto com as mais curiosas manifestações de aprovação: a de que “consumir vinhos combateria a epidemia de COVID”.
Tudo bem que este “oba oba” certamente proporcionou alguns instantes de pura felicidade para esses leitores. Só que nenhum deles passou da manchete sensacionalista. Ninguém se preocupou em buscar uma fonte original para, pelo menos, ter uma ideia do que se estava falando.
Pior, não deram importância para uma conjugação do verbo poder, na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo: PODE.
Copiado de um dicionário da nossa língua:” Ação de poder, de ter capacidade, direito ou autoridade para conseguir ou para realizar alguma coisa”.
Perfeito! Creio que ficou claro, para nossos leitores, que PODE não significa que VAI, não é uma CERTEZA: tem a capacidade, mas outras condições são necessárias.
Esta pesquisa, que começou em 2003, quando da epidemia de SARS, descobriu que, em laboratório, o ácido tânico tinha capacidade para inibir duas enzimas importantes do coronavírus da SARS.
A epidemia passou e a pesquisa foi abandonada.
Recentemente, pesquisadores de um centro médico em Taiwan retomaram esses estudos e confirmaram que o ácido, em questão, agia igualmente no coronavírus da COVID, nas condições obtidas em laboratório.
Aqui começa a confusão que tentarei esclarecer:
– O ácido tânico e taninos não são a mesma coisa;
– Taninos são polifenóis, um composto de origem vegetal que pode ser encontrado em diversos alimentos como nas cascas da banana, caqui, maçã, uva, em sementes como nozes e castanhas e em algumas bebidas como chá e o vinho;
– Taninos contêm quantidades variáveis de ácido tânico e nem todos os taninos são iguais. No caso do vinho, tudo dependerá da casta vinificada, da forma de elaboração, principalmente do tipo e tempo de maceração empregada e, até mesmo, do famoso terroir;
– Inferir que os taninos do vinho PODEM combater a COVID é uma afirmativa, no mínimo, imprecisa;
– Em tese, sabendo que há um pouco de ácido tânico nos vinhos, seria viável supor que um consumo controlado da nossa bebida favorita teria algum efeito terapêutico.
Mas…
1 – Segundo alguns pesquisadores que tentaram responder a essa questão, a quantidade mínima de vinho, altamente tânico, que uma pessoa, com boa taxa de absorção de taninos (varia muito), deveria consumir para obter algum efeito terapêutico seria 1 litro por dia!
Se optarem por esse caminho, aconselho ter, sempre à mão, o endereço da reunião do AA mais próxima de suas residências.
2 – Isso tudo só faria sentido se você estivesse CONTAMINADO – o que não é desejado em nenhuma hipótese. A pesquisa afirma, categoricamente, que “não existe efeito preventivo no consumo desta substância”.
Resumindo: se você desenvolver os temidos e mortais sintomas vai degustar, na veia, uma grande coquetel de medicamentos, mas vinho não será um deles…
Como diz aquele velho jargão, “Melhor prevenir do que remediar”!
Aqui vão os conselhos de sempre:
– Protejam-se – usem máscaras, mantenham um saudável distanciamento, higienizem mãos e objetos que precisem manusear;
– Escolham outras desculpas para degustar vinhos, há uma infinidade delas: tristeza, alegria, boa comida, comida ruim, boas companhias (devidamente distantes) e até mesmo péssimas companhias – troque-as por uma boa taça!
Opções não faltam. Combater o vírus não é uma delas.
Saúde e bons vinhos!
Imagem de abertura: “Ácido Tânico” por Michał Sobkowski sob licença CC BY-SA 4.0
Este artigo é excelente. Muito bom mesmo!