O que escolhemos primeiro: o vinho ou os pratos?

Este é um dilema bem comum que pode ter desde respostas muito simples até outras mais elaboradas a partir de rígidos conceitos longamente estabelecidos.

Muitas vezes, para decidir por qual caminho seguir, poderá ser necessário consultar algum especialista, como um Sommelier, e conhecer alguns fatos sobre as pessoas e razões que, inicialmente, deram origem ao dilema.

A situação mais típica é imaginarmos um grupo numa mesa de um restaurante: cada comensal escolhe um prato e cabe a você, o especialista da turma, escolher o vinho: uma missão bem difícil.

Será que pedir ajuda ao Sommelier da casa é uma boa solução?

Na melhor das hipóteses, você apenas transferiu o problema para alguém que, nesse caso, não tem todas as informações necessárias para decidir. Imagine que ele não conhece as preferências de cada um e nem a razão do encontro: pode ser uma comemoração; uma reunião profissional; uma refeição de família…

Se em sua casa lhe dá ganas de degustar um vinho, você simplesmente abre a garrafa elegida e vai em frente. Deu fome? Garanto que a melhor harmonização será o que estiver disponível na despensa e geladeira. Não tem erro. Em última instância, o que estiver ao alcance do app no celular.

Pode acontecer exatamente ao contrário: o prato servido na refeição caseira “pede” um bom vinho. Voltamos ao parágrafo anterior e pronto. Há um interessante corolário, entretanto: pode surgir a dúvida do “qual vinho abro agora?”, o que já é bem próximo do nosso dilema.

A coisa tende a ficar mais complexa quando o número de pessoas envolvidas aumenta e o cenário deixa de ser o doméstico. Perdemos o controle sobre o prato, único, que seria servido e as opções disponíveis na adega particular.

Para sair dessa encruzilhada, a nossa primeira sugestão é a de abandonar todas as regras escritas sobre este tema e tentar buscar soluções com o chamado pensamento lateral.

Que tal começar por entender a verdadeira razão de estarem todos neste ou naquele local para uma refeição em grupo? O que realmente se espera disso tudo?

A resposta é fácil: alguns momentos de prazer, de boa convivência e de tranquilidade.

Se esse caminho lhe agrada, então vamos ao próximo quesito, que deverá ser respondido com o máximo de sinceridade: a escolha errada do vinho, desde que seja de qualidade, vai estragar este momento? Seria a harmonização correta essencial para a satisfação de todos?

A resposta mais acertada é um sonoro “não”, ressalvando que sempre haverá alguma opinião discordante.

As famosas e muitas vezes temidas regras para acertar a combinação de vinho e comida servem, na maioria das vezes, para orientar. Nunca deveriam ser seguidas “ao pé da letra” sob pena de nos tornarmos reféns de escolhas repetitivas. A iniciativa de ignorá-las, embora pareça arriscada, pode proporcionar novas e intrigantes alternativas.

A maioria dos apreciadores do vinho e da boa comida não é capaz de afirmar que uma harmonização é melhor que outra. Mesmo o muito comentado e evitado gosto metálico que aparece na cominação de alguns tintos com frutos do mar, some na garfada seguinte ou com um simples pedaço de pão.

Imagine uma brincadeira em que um renomado profissional do vinho lhe sirva a bebida, que vai realçar o seu prato, numa taça opaca. Você não saberá a cor dele: tinto ou branco. Qual a chance de não ser uma experiência agradável?

Zero!

Mesmo que ele lhe sirva um branco para acompanhar um delicioso naco de carne, o seu paladar não vai reclamar e pode achar diferente e bom.

Se você não tentar algo semelhante, nunca vai sair do mesmo lugar e das mesmas escolhas. Romper preconceitos nem sempre é ruim.

Vamos refletir um pouquinho sobre o que este texto está propondo.

O primeiro ponto sugerido é que algumas regras de comportamento sejam quebradas, algo como “quem está na chuva é para se molhar”. Escrevendo, com todas as letras, seja ousado e arrisque. Dificilmente vai dar errado.

O segundo ponto é que não usamos, até o momento, nenhum termo do habitual jargão dos enófilos: taninos, acidez, retrogosto etc. Foi proposital, não precisamos destas expressões para definir algum grau de satisfação, de prazer. São termos técnicos que, se mal empregados, nos levam para bem longe do que pode ser delicioso. Numa única palavra, simplifique.

Para resolver o dilema, esqueça as tecnicalidades e escolha o vinho em função do ambiente: a razão da reunião, o local escolhido, a energia das pessoas, o horário, o clima, os sorrisos e, por que não, as lágrimas.

Não é difícil. Use os seus sentidos, olhe, escute e sinta os aromas que estão no ar. Procure um vinho que você ache que é o certo naquele momento.

Um último conselho: escolha aquele vinho que você está com vontade de degustar. Ninguém vai reclamar.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Imagem de congerdesign por Pixabay

4 Comments

  1. José Paulo Gils

    Tuty, eu escolheria um bom espumante – Brut.
    Sei que esta escolha é simples, é uma escolha.

    • Tuty Pinheiro

      Prof. José Paulo
      Os vinhos espumantes são os eternos coringas. Entretanto, há jogos de cartas em eles são removidos do baralho…
      No final, escolher um espumante não estaria errado, mas é cair na eterna armadilha, contra a qual, o texto propõe novas ideias.
      Abs

  2. ednaldo de paiva

    interessante a condição de percepção ao redor , do clima, do grupo e suas expectativas.
    ótimo texto>

    • Tuty

      Ednaldo
      Agradeço seu comentário.
      A maioria dos cursos sobre vinhos, sejam para amadores ou profissionais, preferem seguir uma cartilha antiga e comprovada.
      Como você mesmo percebeu, os tempos mudam, mas os velhos mestres preferem pisar em terreno seguro…
      Um abraço e volte sempre a este espaço de discussão.
      Tuty

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