Compramos um vinho e no contrarrótulo encontramos uma descrição como esta:

“Expressão floral muito fina e elegante no aroma, muitas notas de bergamota e violetas, tudo com muita delicadeza”…

Na tentativa de encontrar esses maravilhosos aromas e eventuais sabores decorrentes, partimos para a abertura da garrafa seguida de cuidadosa decantação e serviço.

Entretanto, ao iniciarmos a degustação, não percebemos nada do que foi descrito e, quase sempre, encontramos aromas e sabores bem diferentes.

É uma situação comum, mesmo entre experientes enófilos e a explicação para tal fenômeno é bem simples: as descrições oferecidas por críticos ou mesmo pelos Enólogos que elaboraram um vinho é baseada em sua experiência pessoal, muito enraizada nas suas origens culturais.

A capacidade de cada indivíduo de perceber aromas e sabores está diretamente ligada ao que ele consumiu ou vivenciou, experiências que são regidas pelo seu grupo cultural. Portanto, qualquer descrição de um vinho é, por definição, subjetiva.

Um bom exemplo é um descritor que passou a constar, recentemente, do jargão dos experts: Fynbos (sem tradução para o português).

Significa “planta de folhas finas”. É um agrupamento vegetal típico da África do Sul, capaz de desprender uma mistura de diferentes aromas para quem passa por seus campos: florais, herbáceos e de especiarias, numa elegante e intrigante combinação.

Alguns vinhos sul-africanos da região do Cabo e outros da região do Ródano poderiam ser descritos com este termo. A pergunta chave é: por quem?

Como este, alguns outros aromas são típicos de uma ou outra região do mundo. O Alcaçuz é outro bom exemplo. Raro por aqui atualmente, balas eram comuns no Rio antigo, comercializadas para aliviar a tosse. Hoje, poucos apreciadores são capazes de perceber as características desta raiz, num vinho.

Além dos limites impostos pelo grupo cultural de cada um, há limitações biológicas também, ou seja, não somos todos iguais no que se refere a capacidade de perceber aromas e sabores: o número de papilas gustativas e receptores olfativos pode variar muito entre grupos de indivíduos. Nem todo mundo é capaz de perceber o doce, salgado, azedo, amargo além do enigmático umami.

Associem isso com as nossas conhecidas limitações da visão, como a miopia ou o daltonismo, e da audição, como a incapacidade de perceber certas notas musicais. Há inclusive o que cientistas classificam como “aberrações” que podem se manifestar na forma de hipersensibilidade a cheiros, sabores, cores e até luminosidade.

Resulta que esta suposta incapacidade de identificar aromas e sabores, propostos por ditos especialistas, nunca será um empecilho para apreciarmos o nosso vinho. Provavelmente temos a capacidade de perceber outras características que nos trarão igual satisfação. Nada é absoluto neste campo.

Sobra uma última dúvida: até que ponto as descrições de vinhos estariam corretas?

A melhor resposta é: se valem para você, estão erradas para outras pessoas.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Foto de Merve Sehirli Nasir em Unsplash