Depois do sacarrolhas, o decantador talvez seja o acessório mais importante de um enófilo que realmente aprecia bons vinhos. Ao mesmo tempo, é a ferramenta menos compreendida e usada, acabando seus dias transformada num belo vaso decorativo em cima do balcão do bar.

Vamos mudar isso?

Decantar significa, na química, “passar suavemente um líquido de um vaso para outro, a fim de o separar de impurezas, sedimento ou depósito, que se fixam no fundo”.

O decantador é o vaso para o qual vertemos, lenta e cuidadosamente, o conteúdo de uma garrafa de vinho. Os profissionais realizam esta manobra com toda a pompa e circunstância num show de habilidade. Sommeliers são treinados nesta arte que além de melhorar o vinho que será servido, aumenta a expectativa dos que vão prová-lo em seguida.

Em casa podemos ser menos requintados e mais práticos, mas nada de pressa: decantar é uma operação que leva tempo e pede paciência.

Um dos fatores colaterais é aumentar a oxigenação do vinho, fazendo com que ele “abra”, termo do jargão corrente, indicando que os aromas podem ser percebidos com maior intensidade, influindo diretamente na etapa de degustação.

Se os decantadores foram pensados para limpar os vinhos de resíduos típicos de vinificação sem filtragem ou por longa guarda, o uso mais comum, atualmente, é funcionar como um aerador, liberando de forma mais rápida todo o seu potencial.

Colocado dessa forma, logo imaginamos vinhos tintos: os de safra mais antigas devem ser decantados, e os mais jovens, que ainda estão muito fechados, só têm a ganhar quando são vertidos num dos muitos tipos de garrafas decantadoras.

Vinhos brancos beneficiam-se, igualmente. Os espumantes, inclusive Champagne, também podem ser decantados embora parte do perlage seja perdida. Um dos estilos mais atuais, denominado “sobre as borras” (sur lie) deve passar por uma decantação antes de ser servido. O processo mais comum é fazê-lo na própria garrafa, mantendo-a na posição vertical por, pelo menos, 12 horas antes de abrir e servir, cuidadosamente.

É muito tempo? Não desanimem, há vinhos que devem ser decantados por até 24 horas antes de serem consumidos.

Para complicar um pouco as coisas, nem todo vinho deve ser decantado. A satisfação pessoal é o mais relevante nesse momento. Se você aprecia vinhos na sua forma mais primitiva, assim como saem da garrafa, não hesite e esqueça o decantador.

Por outro lado, quanto mais antigo o vinho, mais crítica é a decantação. Vinhos com 20 anos, ou mais, de guarda podem ter pouco tempo de vida logo após uma decantada.

O controle do tempo é peça chave na decantação: pouco tempo não muda nada e muito tempo pode ser um desastre. Quem sabe não seria melhor não decantar nesse caso?

Uma das coisinhas que não se deve fazer é agitar uma garrafa que vai ser decantada. Planeje antes e, dependendo das sua condições de armazenamento, deixe-a na vertical por alguma hora antes de abrir e processar.

Por último, higiene absoluta no seu decantador: o risco de contaminar um vinho é grande se resíduos de outros usos estiverem presentes.

Não é fácil lavar um acessório como este, cheio de curvas de difícil acesso. Existem no mercado algumas escovas e esferas de aço que ajudam nesta operação. Se pretendem usar algum tipo de detergente, que seja absolutamente neutro e sem cheiros. O correto é usar só água quente.

Saúde e bons vinhos, decantados ou não.

Foto de abertura: “Wine Decanters” por Rod Waddington está licenciada sob CC BY-SA 2.0