Há controvérsias 2:
Vinhas em pé franco ou enxertadas?

A questão a ser resolvida é a seguinte:

Qual vinho seria melhor, em termos absolutos: aquele vinificado a partir de uvas viníferas originais, em “pé franco” ou o vinho obtido das parreiras que foram enxertadas sobres as raízes “americanas”?

Muita coisa para esclarecer antes de entrar no debate.

A controvérsia só existe por conta de uma praga, a filoxera, que dizimou quase todos os vinhedos europeus, lá no século XIX. Até hoje, não existe uma forma de exterminar este indesejável pulgão que suga a videira até sua morte. Mas há diversas formas de controle.

A maneira mais simples de enfrentar este problema é escolher um tipo de terreno que não seja favorável a este inseto, por exemplo, regiões de solos mais arenosos ou vulcânicos, além de áreas muito isoladas aonde a praga nunca chegou.

A solução mais adotada, até hoje, é a enxertia, técnica muito conhecida e bastante empregada na agricultura. No nosso caso, a muda de uma vinífera é enxertada sobre a raiz de uma uva comum, conhecida como “americana”.

Esta técnica permite a perfeita sobrevivência das castas que conhecemos pois a raiz, ou “cavalo”, é imune à filoxera. Podemos afirmar, com segurança, que o vinho que estamos acostumados a consumir provém de videiras assim.

Vinhas em “pé franco” existem e produzem em alguns lugares do mundo: Chile, Argentina, Colares em Portugal, Toro na Espanha, Monte Vesúvio na Itália, ilha de Santorini na Grécia e regiões da Austrália e da Nova Zelândia. Pode haver outras que ainda não foram catalogadas.

Uma das descobertas mais curiosas está em Graves, Bordeaux. Existem pequenos vinhedos de castas pouco conhecidas, todas anteriores à devastação pela praga: Castet, Pardotte e Mancin. A partir delas é elaborado um vinho único, o Liber Pater, vendido com um preço nada camarada de 40.000 euros uma garrafa …

Seu produtor, Loïc Pasquet, um entusiasta das uvas não enxertadas, criou uma associação dos produtores que só trabalham com estas videiras, a Les Francs de Pied, que procura estimular o plantio desta forma.

Há um certo regionalismo nesta organização, o que resultou em pesadas críticas. Produtores chilenos que mantém seus vinhedos originais não são aceitos porque alguns vinhateiros optaram por usar a técnica de enxertia em determinadas regiões.

Embora enxertar seja uma técnica bem dominada, quando falamos de videiras a coisa muda de figura. Existem diversos tipos de “raízes”, algumas preparadas para receber determinada casta. Do ponto de vista da qualidade da uva obtida, a opinião é quase unânime: os cachos são mais regulares e o manejo do vinhedo é muito mais fácil. A qualidade da vinificação é indiscutível.

As críticas recaem sobre a escolha de determinadas raízes, que consumiriam muito potássio e nitrogênio do solo, criando um desequilíbrio. A chave para se obter um bom produto consiste em acertar o “cavalo” a ser enxertado.

Então, quem produz o melhor vinho, afinal?

Há muita coisa acontecendo neste cenário. Uma revista especializada, a francesa Revue du Vin, já organizou uma degustação comparativa entre os dois tipos de vinhos, sem nenhuma conclusão prática. A Francs de Pied investe em pesquisas científicas em busca de marcadores específicos para o vinho de pé franco, que permitam uma boa caracterização e diferenciação. Já delinearam alguns pontos, mas falta uma comprovação.

A grande dificuldade é que seria necessário um vinhedo de dupla característica: uma parte enxertada e outra não, das mesmas castas. O manejo teria que ser idêntico e o vinho elaborado pela mesma equipe e com as mesmas técnicas.

Até lá, quem vai decidir a contenda é o gosto do consumidor ou mesmo o seu bolso. Vinhos de uvas “pé franco”, originais, são raros, poucos e caros.

Há espaço para os dois tipos.

Vale aquele velho jargão: “Gosto não se discute”.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Old Vines por outdoorPDK está licenciada sob CC BY-NC-SA 2.0

2 Comments

  1. Berti

    Muito elucidativo! Escutei de um ” especialista que as enxertadas o são em pés de pereiras ou macieiras. Isso é verdade?

    • Tuty Pinheiro

      Berti

      A prática usual é usar as raízes de 3 espécies de uvas comuns, encontradas na América: Vitis berlandieri, Vitis rupestris, and Vitis riparia. Cada uma se adapta melhor a determinados tipos de solo.
      Ao longo do tempo, agrônomos e biólogos desenvolveram através de cruzamentos entre diferentes espécies, outras raízes, que poderíamos chamar de híbridas, para atingir objetivos bem específicos.
      Eu desconheço o uso de raízes de espécies fora da familia “vitis”.
      Abs

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