Todos sabem que existem vinhos que passam por madeira, a mais conhecida é o carvalho, e que existem vinhos que sem madeira. São dois produtos bem diferentes em termos de aromas e sabores, bem como na maneira de harmonizar com alimentos. Cada um tem o seu nicho.
Então, onde está a controvérsia?
O melhor seria colocar no plural, “controvérsias”.
Eis algumas delas:
– Carvalho francês, americano ou do leste europeu?
– Barricas, cavacos, aduelas ou adição de extratos?
– Por que só carvalho, e as outras madeiras? Quais?
Não pretendemos esgotar o assunto, apenas enfatizar os aspectos que consideramos mais relevantes e que vão contribuir para se obter vinhos de melhor qualidade.
O debate sobre com ou sem madeira já está decidido. Cada um tem um objetivo e público específico.
Mais interessante é discutir sobre qual tipo de carvalho traz a melhor contribuição para o vinho. Tradicionalmente, duas espécies são as favoritas.
A primeira é o carvalho francês (Quercus robur, petraea ou sessilis) das florestas de Allier, Limousin, Nevers, Tronçais e Vosges. O mais famoso é o de Tronçais. A principal característica são os aromas de feno e notas vegetais.
A segunda é o carvalho americano (Quercus alba), que tem uma textura diferente da dos franceses e sua principal característica é agregar aromas de baunilha, manteiga e notas adocicadas.
Ambos transmitem taninos e coloração adicional ao vinho armazenado em seus tonéis.
Com o fim dos regimes totalitários do leste europeu, foi possível obter madeira de carvalho de mais uma origem, as florestas da Eslavônia, na Croácia. A madeira é mais granulosa permitindo uma ótima micro-oxigenação. Também é menos tânico e passa aromas e sabores bem equilibrados para o vinho.
Qual usar?
Para nossa alegria, os produtores preferem usar as 3 espécies, mesclando as influências a seu gosto. Há quem só use um tipo ou outro, há quem misture madeiras numa mesma barrica e há que amadureça vinhos em diferentes madeiras de carvalho para misturá-los (corte) posteriormente.
Nem só de barricas vive o vinhateiro. Existem outros recursos, alguns bem fora da curva. Para algumas vinícolas, o preço de um conjunto de barricas é proibitivo. Soluções engenhosas foram encontradas e bem utilizadas, apesar das “controvérsias”.
Usar cavacos de madeira ou aduelas inteiras, imersas no tanque de inox é uma solução muito utilizada por produtores australianos e neozelandeses. O resultado é excelente e muito difícil de ser identificado por degustadores experimentados.
Já os críticos preferem fazer coro afirmando que “não seguem as tradições”. Imaginem o que pensam sobre alguns produtores, pouco ortodoxos, que preferem “temperar” seus vinhos com “extratos de carvalho”, como se fosse um perfume…
Haja controvérsia, com razão.
Por fim, a maior e eterna discussão é a hegemonia dos carvalhos. O que acontece com outras madeiras?
Faltam conhecimento adequado, recursos para investir em pesquisa, matéria-prima em algumas regiões – uma árvore de carvalho pode demorar 150 anos para chegar no momento do corte – e falta vontade para mexer num time que dá certo há séculos.
Curiosamente, algumas outras madeiras já foram usadas ou ainda são empregadas para funções menores. Por exemplo, tonéis de castanheira, uma madeira de baixo custo, ainda são usados para armazenar ou transportar grandes volumes de vinho. Algumas de suas características protegem o precioso líquido em seu interior.
Acácia e cerejeira têm sido usadas, em menor escala, aproveitando características bem específicas como adicionar cor ou permitir um amadurecimento mais rápido. Vinhos brancos são os grandes beneficiados.
No Brasil, tanto a EPAMIG como alguns produtores arrojados têm usado madeiras tipicamente nacionais para obter vinhos de qualidade: jequitibá rosa, grápia, ipê-amarelo e castanha-do-pará. Os resultados são promissores.
Dois vinhos já se destacam no nosso mercado, o Sauvignon Blanc Barrica Brasileira da Vinhética e o Juju, da vinícola Arte Viva, um rosé elaborado com Marselan, Chardonnay e Riesling. Antes do blend, o tinto estagia em barricas de jequitibá rosa e os brancos em carvalho francês.
Não temos carvalho como na Europa ou na América do Norte, mas temos as maiores florestas do mundo e uma variedade quase inesgotável de madeiras para testarmos.
Os pesquisadores da EPAMIG se basearam nas madeiras utilizadas na produção da nossa cachaça, para iniciar suas pesquisas e estão no caminho certo.
Interessante sinergia…
Um dia chegamos lá.
Saúde e bons vinhos!
CRÉDITOS:
Aos 82, fico com o carvalho.