A Cave Nacional, uma loja carioca que trabalha somente com vinhos brasileiros, promove, semanalmente, interessantes degustações temáticas. A desta semana foi com Cabernet Franc, seis do RS e um de SC.
Ao final, há uma votação para escolher os dois melhores. Houve um impasse: havia um candidato que, nitidamente, estava em outro patamar. Alguns dos degustadores solicitaram que ele fosse declarado “hors concurs” e a escolha recaísse sobre os demais.
Numa solução salomônica, já que não era uma unanimidade, escolheram dois resultados, um com o tal grande vinho e outro, sem ele.
Todos os vinhos eram bons e bem vinificados. A grande diferença estava na influência da madeira no amadurecimento. Cada produtor que usou esta técnica, escolheu entre carvalho francês ou americano, tosta média ou forte e barricas novas ou usadas. O tempo de armazenamento variou de poucos meses até dois anos.
O vinho que sobressaiu tinha um estilo que alguns críticos e detratores apelidaram de “suco de carvalho”. Agradou a um grupo que representava metade da turma. Os demais o acharam um bom vinho, mas a madeira excessiva destoava, não harmonizava.
Esta característica, que divide muitos enófilos, tem uma origem bem conhecida: o icônico crítico norte-americano, Robert Parker, muito respeitado e imparcial. Seus famosos “100 pontos” era um troféu desejado por todos os produtores de vinhos.
Uma de suas marcantes características era o paladar típico de seu país – sabores intensos – o que era fácil perceber nos vinhos que receberam a nota máxima: ou eram intensamente frutados, os “fruit bombs”, ou intensamente madeirados, os “oak juice”.
Uma interessante resposta a este estilo veio de um autor e crítico de vinhos, igualmente respeitado e imparcial, o britânico Hugh Johnson:
“Se a madeira está obviamente presente, ela está excessiva”. (eu concordo com Johnson)
Para compreendermos este embate, precisamos voltar no tempo, há 8.000 anos, na região da Georgia. Lá ocorreram as primeiras vinificações, feitas em potes de barro, os “qvevri” ou ânforas, no nosso idioma. Ainda não usavam madeiras.
Foi por volta do ano 400 A.C. que os romanos introduziram as barricas de madeira nesta história. As ânforas eram muito frágeis para transportar o vinho até as tropas nas frentes de guerra. Os recipientes de madeira eram perfeitos.
A próxima etapa desta epopeia acontece somente no século XVII, quando se percebe que as madeiras usadas nos barris alteravam o aroma e o sabor do vinho.
Surge uma nova arte, a Tanoaria, que adapta técnicas de construção naval, usadas há mais de 4.000 anos, moldando a madeira com vapor no fabrico das barricas.
A seleção das madeiras passa a ser fundamental. Cada tipo de carvalho, a mais utilizada por vinhateiros, mas não a única, se adapta melhor a um grupo de castas do que a outro. Há ciência em tudo…
Voltamos para os tempos atuais, onde novas variáveis entram em cena. Barricas de Carvalho são caras e representam uma gorda fatia do orçamento das vinícolas. Novas técnicas são desenvolvidas para usar a madeira de forma efetiva e barata, algumas muito criativas como usar cavacos, “essências” ou as aduelas, em vez dos barris, tudo mergulhado no mosto.
Como toda moeda tem duas faces, vamos olhar o lado do consumidor.
Há um velho ditado que diz: “tudo que é demais, enjoa”.
O velho e manjado “estilo Parker” está em franco declínio. O vinho, como bem observou Hugh Johnson, mudou de gosto, quase se tornando outra bebida. As novas gerações, tanto de consumidores como de vinhateiros, mais preocupados com a sustentabilidade do planeta e de seus negócios, saíram em busca de novas opções e elas estão vencedoras, no momento.
As velhas ânforas voltaram, sejam de barro, de pedra ou os modernos “ovos” de concreto. Produzem vinhos autênticos, frescos e deliciosos. Ainda usam madeira, mas de forma muito discreta.
Os vinhos brancos que, depois de séculos, passaram a ser os favoritos do público consumidor, se beneficiam das fermentações em dornas de madeira. Os tintos, modernos, tem uma madeira muito bem harmonizada, usada apenas para arredondar aromas e sabores. Nada de exageros.
Os vinhos “Parker” ainda têm seu público. São vinhos que se parecem com seus apreciadores: austeros; pesados; com safras “pré-históricas”; um visual imponente a partir do rótulo e que custam uma pequena fortuna. Embotam olfato e paladar.
Alguém vestiu a carapuça?
Lembro de um episódio com meu pai. Estávamos no centro do Rio, eu bem garoto, lá pelos 12 ou 13 anos de idade. Notei que uma antiga ótica da cidade, havia fechado:
– “Pai, a ótica fechou”.
Ao que ele respondeu com toda sua sabedoria:
– “Morreu o último cliente”…
Será este o destino do “estilo Parker”?
Comentem, por favor.
Saúde e bons vinhos!
Ótima coluna sobre o uso da madeira e demais tipos (ânforas, etc.)!
Concordo plenamente com a afirmação que o estilo “Parker” é coisa do passado e em geral encarece o vinho.
Obrigado por seu comentário.
Abs