Autor: Tuty (Page 25 of 150)

Há controvérsias 2:
Vinhas em pé franco ou enxertadas?

A questão a ser resolvida é a seguinte:

Qual vinho seria melhor, em termos absolutos: aquele vinificado a partir de uvas viníferas originais, em “pé franco” ou o vinho obtido das parreiras que foram enxertadas sobres as raízes “americanas”?

Muita coisa para esclarecer antes de entrar no debate.

A controvérsia só existe por conta de uma praga, a filoxera, que dizimou quase todos os vinhedos europeus, lá no século XIX. Até hoje, não existe uma forma de exterminar este indesejável pulgão que suga a videira até sua morte. Mas há diversas formas de controle.

A maneira mais simples de enfrentar este problema é escolher um tipo de terreno que não seja favorável a este inseto, por exemplo, regiões de solos mais arenosos ou vulcânicos, além de áreas muito isoladas aonde a praga nunca chegou.

A solução mais adotada, até hoje, é a enxertia, técnica muito conhecida e bastante empregada na agricultura. No nosso caso, a muda de uma vinífera é enxertada sobre a raiz de uma uva comum, conhecida como “americana”.

Esta técnica permite a perfeita sobrevivência das castas que conhecemos pois a raiz, ou “cavalo”, é imune à filoxera. Podemos afirmar, com segurança, que o vinho que estamos acostumados a consumir provém de videiras assim.

Vinhas em “pé franco” existem e produzem em alguns lugares do mundo: Chile, Argentina, Colares em Portugal, Toro na Espanha, Monte Vesúvio na Itália, ilha de Santorini na Grécia e regiões da Austrália e da Nova Zelândia. Pode haver outras que ainda não foram catalogadas.

Uma das descobertas mais curiosas está em Graves, Bordeaux. Existem pequenos vinhedos de castas pouco conhecidas, todas anteriores à devastação pela praga: Castet, Pardotte e Mancin. A partir delas é elaborado um vinho único, o Liber Pater, vendido com um preço nada camarada de 40.000 euros uma garrafa …

Seu produtor, Loïc Pasquet, um entusiasta das uvas não enxertadas, criou uma associação dos produtores que só trabalham com estas videiras, a Les Francs de Pied, que procura estimular o plantio desta forma.

Há um certo regionalismo nesta organização, o que resultou em pesadas críticas. Produtores chilenos que mantém seus vinhedos originais não são aceitos porque alguns vinhateiros optaram por usar a técnica de enxertia em determinadas regiões.

Embora enxertar seja uma técnica bem dominada, quando falamos de videiras a coisa muda de figura. Existem diversos tipos de “raízes”, algumas preparadas para receber determinada casta. Do ponto de vista da qualidade da uva obtida, a opinião é quase unânime: os cachos são mais regulares e o manejo do vinhedo é muito mais fácil. A qualidade da vinificação é indiscutível.

As críticas recaem sobre a escolha de determinadas raízes, que consumiriam muito potássio e nitrogênio do solo, criando um desequilíbrio. A chave para se obter um bom produto consiste em acertar o “cavalo” a ser enxertado.

Então, quem produz o melhor vinho, afinal?

Há muita coisa acontecendo neste cenário. Uma revista especializada, a francesa Revue du Vin, já organizou uma degustação comparativa entre os dois tipos de vinhos, sem nenhuma conclusão prática. A Francs de Pied investe em pesquisas científicas em busca de marcadores específicos para o vinho de pé franco, que permitam uma boa caracterização e diferenciação. Já delinearam alguns pontos, mas falta uma comprovação.

A grande dificuldade é que seria necessário um vinhedo de dupla característica: uma parte enxertada e outra não, das mesmas castas. O manejo teria que ser idêntico e o vinho elaborado pela mesma equipe e com as mesmas técnicas.

Até lá, quem vai decidir a contenda é o gosto do consumidor ou mesmo o seu bolso. Vinhos de uvas “pé franco”, originais, são raros, poucos e caros.

Há espaço para os dois tipos.

Vale aquele velho jargão: “Gosto não se discute”.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Old Vines por outdoorPDK está licenciada sob CC BY-NC-SA 2.0

Há controvérsias:
Pisa a pé ou meios mecânicos?

Para produzir vinho, as uvas têm que ser esmagadas, prensadas, amassadas, enfim, precisam passar por um processo que rompam as peles dos bagos e liberem o suco, para que possa ocorrer a fermentação, onde o açúcar do sumo será transformado em álcool.

O processo mais tradicional é a pisa a pé, um método muito fotogênico e bastante conhecido, mas nem todo mundo se dá conta do esforço brutal que é necessário para, por exemplo, pisar algumas toneladas de uvas.

Uma pisada típica duraria cerca de 3 dias, divididos em intervalos de 3 a 4 horas. Os primeiros minutos são lindos, até turistas participam do evento, sempre com música e cantoria para ditar o ritmo.

Agora imaginem ficar horas a fio, para lá e para cá, no lagar, pisando algo que se acha muito macio, mas, se forem cachos inteiros, a coisa pode ser bem mais dura.

Tecnologia existe para substituir este trabalho intensivo por diversos meios mecânicos, alguns de alta tecnologia. Vão desde robôs que imitam o movimento da pisada até prensas muito elaboradas que usam uma espécie de bexiga (bladder press), além de sofisticados controles a cada etapa do processo, para obter o mesmo efeito.

Mas e o resultado é o mesmo?

Alguns produtores dizem sim enquanto outros dizem não.

Vamos aos fatos:

Os defensores do método tradicional alegam que há um maior controle sobre a qualidade do mosto a ser fermentado. Insistem que, pelos meios mecânicos, nem sempre é possível controlar a quantidade de taninos jovens decorrentes dos talos, peles e sementes prensados. Já com o trabalho humano, a sensibilidade dos pés de cada um seria inimitável. Mas, para isto ser verdadeiro, o grupo de pisadores teria que estar bem treinado.

A seu favor, lembram que um dos vinhos mais icônicos, o português “Vinho do Porto”, continua sendo elaborado por este processo.

Verdadeiro até um certo ponto. O Porto pode ser elaborado por qualquer um destes caminhos. Algumas Quintas usam a pisa apenas para vinhos de pequenas produções.

Além de Portugal, Espanha, França, Itália, EUA e até no Brasil a pisada ainda é utilizada, seja para a alegria dos turistas ou em busca de diferenciais de qualidade. Os vinhateiros que seguem o caminho dos vinhos naturais, orgânicos, biodinâmicos etc. são defensores deste processo – mínima intervenção.

Do outro lado do ringue, desculpem a metáfora, estão os grandes produtores de vinho. Todo o processo de vinificação, atualmente, pode ser controlado nos mínimos detalhes. Cada tipo de vinho a ser elaborado exige um certo tipo de atenção. Por exemplo, pode-se ou não usar os cachos inteiros; vinhos brancos não são macerados com suas peles; as leveduras empregadas na fermentação podem ser preparadas para cada tipo de casta utilizada e muito mais.

É um grande arsenal de recursos que pode e deve ser usado, com sabedoria. Os grandes produtores sabem disto e investem, constantemente, em novas tecnologias.

E ninguém reclama destes vinhos…

Reconhecer, numa degustação, que um vinho foi elaborado por pisa a pé é tarefa impossível. Se a ficha técnica não fizer menção a este especial processo, não é possível diferenciar de um vinho elaborado com alta tecnologia.

Quem poderia comparar e julgar, objetivamente, seriam os críticos, os Sommeliers e gente especializada, desde que tenham as informações necessárias. Mas é muito difícil: não existem vinhos “iguais” que sirvam de base para uma comparação. Qualquer opinião será, sempre, subjetiva.

Sendo assim, quem deve decidir esta controvérsia são os consumidores. Cabe a eles, somente, gostar ou não deste ou daquele rótulo, seja feito por cinematográficos processos ou apenas frutos de grandes investimentos em técnicas atuais.

Honestamente, neste julgamento final o peso maior não vai estar no método; outros parâmetros serão mais relevantes.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Imagem de macrovector no Freepik

Bordeaux ainda é referência?

Recentemente, um produtor inglês de espumantes, Chapel Down, promoveu, em Champagne, França, uma degustação comparativa entre o seu Brut e um conhecido similar francês.

O resultado foi surpreendente.

60% do público que passou pela prova, aprovou o vinho inglês, afirmando que seria mais fresco e agradável do que o francês. Não sabiam sua origem, sendo mostrado, apenas, o nome do espumante traduzido, literalmente, como Chapelle em Bas. Uma degustação “incógnita”.

Degustações, como esta, tem sido usadas, com bastante frequência, por produtores mundo afora, para demonstrar que seus vinhos são tão bons ou melhores que alguns dos ícones mais conhecidos. Uma delas, o Julgamento de Paris, foi um divisor de águas, demonstrando que o “novo mundo” poderia produzir vinhos de alta qualidade. Até hoje a escolha dos vinhos franceses que enfrentaram os californianos é questionada, mas a verdade é que o evento chamou a atenção dos consumidores para vinhos, até então, desconhecidos. O mundo do vinho não seria mais o mesmo.

Todos os tintos franceses eram de Bordeaux e os brancos da Bourgogne. Isso diz alguma coisa?

Muito!

A escolha foi baseada nas castas vinificadas na França e nos EUA. Cabernet Sauvignon, e Merlot são uvas bordalesas que foram plantadas na América para produzirem vinhos como os franceses. Nada mais que isto.

Vamos focar apenas em um estilo, o Corte Bordalês, que mistura em diferentes proporções, dependendo da região produtora, as seis uvas clássicas: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère.

Qualquer vinícola que trabalhe com estas castas vai arriscar produzir a sua versão deste corte. Para um consumidor, é uma referência tipo “porto seguro”, algo como “se este produtor se arrisca a fazer este vinho, ele deve valer à pena”.

Livros, revistas especializadas, cursos para Sommelier ou para Enófilos, sempre tomam Bordeaux com uma referência, um “benchmark”, que é palavra da moda. Até nas conversas entre amigos, haverá alguma menção a estes tradicionais vinhos, seja por que alguém provou ou por ter comprado uma bela garrafa.

Os Bordeaux se tornaram vinhos para colecionadores por conta de preços exorbitantes, mas há bons rótulos com preços competitivos, inclusive de alguns dos famosos Châteaux, que por razões financeiras, passaram a comercializar o chamado “segundo vinho”.

Os vinhos da maior região produtora da França nunca deixarão de ser “a referência”, embora já existam, fora de lá, produtores que, inegavelmente, estão com qualidade superior: Rioja, Douro, Piemonte, Toscana, Veneto, Puglia, California, Oregon, Mendoza, Salta, Patagonia, Chile e seus múltiplos vales e outros. A lista é longa.

Recentemente, países que estavam sob regimes políticos totalitários e recuperaram sua autonomia, estão apresentando vinhos que, de certa forma, nunca soubemos que existiam. E são maravilhosos!

Assim como o espumante inglês que se destacou no coração de Champagne, ou os Cabernet da Califórnia que derrotaram os franceses, qualquer outro produtor que tiver matéria prima de boa qualidade e conhecimento para vinificar uma obra de arte, pode superar qualquer outro vinho famoso. Exemplos não faltam.

O que somos capazes de apostar é que será um corte ao estilo bordalês, se for um tinto.

Referência é isso …

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de abertura por Jean-Luc Benazet no Unsplash

Chapelle en Bas obtida em Opulence

No Dia dos Namorados, quem escolhe o vinho?

Que tal aproveitar esta simpática data para fazer algo bem diferente? E não importa quem seja o expert em vinhos, que deseja fazer bonito para a sua mais que especial companhia.

Esposas ou maridos, namorados e namoradas e até aquele ou aquela paquera que aceitou o convite para passarem a data juntos. O vinho tem que estar presente. O ambiente pode variar, passando do doméstico até um sofisticado restaurante.

O que estamos propondo é uma divertida inversão dos papéis: se é o cavalheiro quem sempre decidiu o que degustar, deixe a dama conduzir o processo e vice-versa. Obviamente que tudo será feito com alguma orientação.

O cenário ideal para iniciar a brincadeira é quando nos oferecem a carta de vinhos. Sutilmente, indique quem está do outro lado da mesa, fazendo, discretamente, sugestões sobre quais tipos de vinhos melhor se adequam ao que vão consumir. Para quem nunca abriu uma carta de vinhos, pode ser complicado fazer esta escolha, mas, não é difícil. Os vinhos estão agrupados por tipos: Espumantes, Brancos, Rosados, Tintos e de sobremesa. Dentro de cada subdivisão, estarão organizados pelos países produtores e por preços.

Uma boa carta sempre apresenta uma breve descrição do vinho, mencionando as castas e safras. Se você é quem mais conhece sobre vinhos, faça comentários como “uma boa opção é um Cabernet, ou um Malbec”.

Combinem um limite de preço para evitar surpresas no final. Se isto for um ponto muito sensível, selecione um ou dois vinhos, dentro do seu orçamento, e comente: “estou entre estas opções, que tal você escolher?”, e passe a carta.

Esta mesma ideia pode ser aproveitada se a opção for por uma comemoração em casa: disponha algumas das garrafas possíveis e peça que a outra parte faça a escolha.

A parte mais interessante começa quando o vinho chegar à mesa.

A nossa proposta é que seja feito o ritual completo: o Sommelier apresenta a garrafa e quem escolheu vai conferir o rótulo e a safra, fazendo um pequeno sinal de aprovação.

O passo seguinte é examinar a rolha.

Se quem está com você nunca passou por isto, cabe explicar que se deve procurar por defeitos na rolha, como manchas, mofo e se ela está íntegra. Quanto aos aromas, o que se procura são os cheiros ruins, que não deveriam estar ali. Um detalhezinho quase sempre despercebido pelos leigos: cheira-se o corpo da rolha e não o topo que ficou em contato como vinho…

A última parte deste rito é a prova.

Mais uma vez, o especialista pode e deve intervir, orientando sobre como proceder: sentir os primeiros aromas, agitar levemente a taça, sentir os aromas novamente e provar.

Após este primeiro gole, é momento para comentar sobre taninos, acidez, corpo e teor alcoólico. Quase sempre é a parte mais complexa e sujeita a opiniões engraçadas. Relaxem e aproveitem para trocar mais informações.

Se tudo estiver dentro do esperado, é a hora de servir, brindar e dar parabéns pela escolha feita.

Tem tudo para ser um grande encontro.

Saúde e bons vinhos.

CRÉDITOS

Imagem de Norbert Gaßner por Pixabay

Gotas Divinas

“Gotas Divinas” é o título de uma série televisiva, apresentada pelo canal, por assinatura, Apple TV +.

Muito interessante para os que apreciam um bom vinho. O enredo gira em torno de dois personagens que precisam passar por um duríssimo teste, às cegas, usando apenas seus conhecimentos, olfato e paladar, para identificar três vinhos raríssimos.

Não vamos contar todo o desenrolar, mas, num particular momento, a dúvida de um dos participantes do teste recai sobre dois vinhos icônicos: o espanhol Vega Sicilia Único e o francês Château Cheval Blanc.

Ao consultar um dos seus mentores para ajudar a identificar corretamente o tal vinho, ocorre um diálogo que chamou a nossa atenção e nos fez escrever esta coluna:

Diz o mentor: “ambos são elaborados com as mesmas variedades de uvas. A diferença está no método de envelhecimento. Enquanto o Vega Siclia usa barris de carvalho antigos, o Cheval Blanc usas barricas novas”

Ou os roteiristas fizeram uma tremenda bobeada ou apelaram para a “licença poética”, tudo em nome do “o show não pode parar”.

Considerado como o melhor vinho espanhol, o Vega Sicilia Único é vinificado a partir das castas Tempranillo (Tinto Fino) e Cabernet Sauvignon. As proporções do corte podem variar a cada safra, mas giram em torno de 90% para a primeira e 10% para a outra.

Com relação ao amadurecimento, o Único é reconhecido como um dos vinhos que demanda mais tempo para “ficar pronto”, são 10 anos. Pelo menos seis  são em madeira, de diferentes origens, barricas novas e usadas, em volumes que podem variar de 225 até 20.000l. Cada estágio será decidido com base na safra e na evolução do vinho. Depois de engarrafado, um mínimo de 4 anos de espera antes de ser comercializado.

O classudo bordalês Château Cheval Blanc, produzido em Saint Emilion, é elaborado a partir das castas Cabernet Franc, Merlot e, eventualmente, uma pequena parcela de Cabernet Sauvignon. Tudo vai depender da safra.

Tipicamente, qualquer das duas castas principais podem dominar o corte. Isto significa que não há uma predominância, definitiva, entre a Merlot e a Cabernet Franc. O Cabernet Sauvignon será, sempre, um coadjuvante.

Quanto ao período de amadurecimento, é bem mais curto do que a do vinho espanhol, podendo variar entre 14 e 18 meses, em barricas novas de carvalho.

Deixando tudo bem explicado, estes dois vinhos não são feitos com “as mesmas variedades de uvas”. Em comum, apenas, a Cabernet Sauvignon. Dependendo das proporções de cada corte, em determinadas safras, é possível que haja algumas notas aromáticas e de paladar que se assemelhem, mas é algo como “um em um milhão”.

Além disto, o Vega Sicilia é amadurecido numa grande variedade de barris de carvalho e não somente em “barricas usadas”. Só a informação sobre a forma de envelhecer do Cheval foi mais precisa.

São dois vinhos espetaculares e caríssimos. Por este motivo, quase sempre aparecem em cenas de filmes em que a ideia de riqueza e alto luxo é apresentada. Na série em questão, uma curiosa disputa entre os dois personagens, cheia de nuances, os dois vinhos se encaixam perfeitamente na trama.

Pena a informação pouco precisa que passam para os “leigos”.

Mas nós estamos aqui para corrigir tudo.

Saúde e bons vinhos!

Para quem gosta de navegar pela Internet:

Vega Sicilia – https://www.temposvegasicilia.com/es/presentacion

Château Cheval Blanc – https://www.chateau-cheval-blanc.com/en/

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