Um grande amigo e eventual colaborador deste blog, P.A.S., nos propôs uma interessante questão:
“Ainda seria possível degustar algum vinho obtido de vinhas pre-filoxera, para comparar com os atuais?”
A resposta óbvia seria um retumbante “não”.
Pensando bem, ainda existem muitos vinhedos em “pé franco” com vinhos sendo elaborados com seus frutos. Alguns países se destacam neste cenário, como Portugal com seus Vinhos do Porto ou com os Vinhos de Colares, e o Chile, um país onde praticamente a filoxera não chegou. Existem outros.
O grande problema é obter o efeito comparativo: seriam estes vinhos elaborados da mesma forma como eram antes da praga?
E com os grandes vinhos, como os Bordaleses: ainda seria possível estabelecer esta comparação?
A resposta que o amigo busca é saber se estes vinhos de antigamente seriam superiores aos atuais ou, em outras palavras, se a parreira enxertada é tão boa quanto a original, sem enxertos?
Podemos simplificar mais um pouco esta dúvida: o vinho moderno é melhor, pior ou igual ao vinho antigo?
Ah! Voltamos ao eterno embate entre tradição e modernidade que marcou o Século XX, com todas as manifestações culturais, ditas “modernistas” e amplamente criticadas por diversos segmentos mais conservadores da sociedade. O vinho também é cultura e foi incluído neste balaio.
Curiosamente, neste Século XXI, continuam as discussões entre os grupos que preferem uma vida mais moderna e os que ainda vivem à moda antiga. Ambos consomem vinho, ainda bem!
A evolução da ciência e seus métodos viraram o grande vilão. “Tudo deveria acontecer de modo natural”, dizem uns. “A tecnologia explica tudo”, retruca o outro grupo.
Ninguém questiona que, ao fermentar um mosto de uvas, vamos obter um vinho, em algum momento. Isto não mudou. Mas a tecnologia nos permite fazer bebidas mais seguras atualmente.
Aumentaram os controles sobre os diversos processos. Existem recipientes adequados para cada etapa, inclusive para distribuição e venda: garrafas são consideradas “modernas”!
O debate sobre os recipientes para elaboração e guarda dos vinhos é muito antigo e, de certa forma, desconcertante.
Um simples exemplo: as barricas de madeira foram criadas para transportar o vinho e não para melhorá-lo, como é atualmente.
Em um texto anterior a este, afirmamos que as tradições seriam um dos grandes trunfos do vinho. Mas são tradições revestidas de modernidade. Há muita ciência e tecnologia embutida na elaboração dos vinhos atualmente, inclusive no campo. A enxertia é uma delas …
Então, podemos levantar nova dúvida: O que é verdadeiramente tradicional no mundo do vinho?
Alguns fatos são muito famosos e se destacam neste nicho dos grandes vinhos. Um deles fala dos tradicionalíssimos vinhos de Bordeaux, uma referência para todos: o corte Bordalês é reproduzido por vinícolas em todo o planeta.
Além disto, reza outra “tradição” que, na margem esquerda do rio Garona predomina a casta Cabernet Sauvignon e na margem direita é o território da Merlot.
Só que não é bem assim. Se formos pesquisar direitinho, fazendo uma linha do tempo, vamos descobrir algumas surpresas.
Voltemos aos tempos napoleônicos e sua classificação das regiões bordalesas, em 1855. A Filoxera ainda não tinha chegado a Europa e não havia nenhuma predominância de castas, em qualquer das margens. Esta segmentação só ocorreu após o replantio por conta da praga que dizimou os vinhedos.
Bela “tradição”…
Neste complexo cenário vínico, cheio de histórias que se assemelham a lendas e outros encantos, ainda há muito a ser estudado e compreendido. Tradição e modernidade se fundem, em diversos momentos, como uma simbiose. Desde muito tempo atrás é difícil separar uma da outra.
Para não deixar a primeira pergunta de P.A.S. sem resposta, acreditamos que não conseguiríamos degustar um vinho daquele tempo. Segundo relatos confiáveis, sejam obtidos na literatura mundial ou nos registros históricos de produtores centenários, aqueles vinhos se assemelhavam a um vinagre. Eram ácidos, com pouca estrutura e corpo, quase ralos. Sabores fortemente herbáceos, na maioria das vezes.
Deveriam ser consumidos logo após sua elaboração. Não existiam conservantes para que durassem um par de dias, pelo menos.
Da mesma forma que manifestações culturais evoluiriam e se mantiveram atuais, como artes plásticas, música, teatro, cinema e literatura, o vinho trilhou este mesmo caminho, bebendo em diversas fontes de sabedoria para chegar aonde está hoje.
Pensem nisto tudo e tirem suas próprias conclusões.
Saúde e bons vinhos!
Dica da Karina – Cave Nacional
Capoani – Riesling Renano 2022
Vinícola construída por imigrantes italianos, os Capoani plantam uvas no Vale dos Vinhedos desde a década de 70. Esse Riesling Renano é produzido pelo método de crioextração (também conhecido por icewine ou eiswein), onde as uvas são congeladas para se obter maior concentração de dulçor e sabor no vinho pronto. A intensidade do aroma é notável, destacando-se por notas florais, casca de limão, pêssego, damasco e a delicada nota de geleia de marmelo, acentuada pelo processo de congelamento. Com o envelhecimento, evolui para aromas químicos e minerais.
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CRÉDITOS: Imagem de hcdeharder por Pixabay