Categoria: O mundo dos vinhos (Page 32 of 72)

Steven Spurrier – 1941-2021

Escrever uma homenagem póstuma não é uma tarefa fácil, principalmente por fazer referência a uma pessoa que nunca conheci, pessoalmente, mas que o mundo e, principalmente os enófilos, conheciam e reverenciavam.

Foi um dos mais importantes influenciadores no mundo do vinho, usando uma terminologia bem moderna. Seu currículo é impressionante.

Sua vida neste universo dos vinho começou em 1964, num importante comércio de vinhos em Londres, a Christopher & Co. Em 1971 muda-se para a França onde abre sua 1ª loja, a Les Caves de la Madeleine, em Paris. Imaginem o espanto dos sempre nacionalistas franceses quando um inglês vem lhes vender vinhos. Ousado!

Seu 2º empreendimento foi a famosa L’Academie du Vin, um loja/escola em plena capital francesa. Quebrar paradigmas era seu objetivo e sua próxima aventura lhe rendeu fama e prestígio mundial: O Julgamento de Paris, em 1976.

O mundo do vinho nunca mais seria o mesmo!

Se hoje degustamos e apreciamos, tranquilamente, vinhos maravilhosos dos quatro cantos do mundo, devemos a ele que escancarou as portas para um outro grupo de produtores, excelentes, que simplesmente eram ignorados e não tinham condições de enfrentar o terrível paradigma, válido até então, que afirmava: “vinho é francês”.

A carreira de Spurrier abrangeu diversos setores, escreveu livros e artigos para importantes revistas. Foi um dos idealizadores do Decanter World Wine Awards, um dos mais importantes concursos e produziu seu próprio vinho, na Inglaterra, óbvio.

Considerado por todos que desfrutavam de sua amizade como um verdadeiro gentleman, recebeu diversos prêmios, entre eles o Decanter Man of the Year (2017) e alcunhas como “a lenda do vinho”.

Em uma entrevista antiga, declarou que sua maior paixão era ser um comunicador do mundo dos vinhos e que isso lhe trouxe mais do que poderia imaginar.

Foi-se o homem, fica um legado pelo qual teremos que agradecer sempre.

Saúde e bons vinhos!

Foto de abertura:

“Steven Spurrier” por epeigne37 está licenciada sob CC BY-NC-ND 2.0

Existe lógica nos pontos de um vinho?

Robert Parker, um advogado norte-americano, dominou a cena dos críticos de vinhos durante muitos anos, até se aposentar. Coube a ele estabelecer uma relação de confiança entre a sua escala de avaliação e os consumidores: um 100 pts Parker era sinal de alta qualidade.

Ele não foi nem o primeiro e nem o único crítico de vinhos. Tampouco foi o inventor dessa escala de 100 pontos, mas foi o mais importante, apesar de suas avaliações serem voltadas para um mercado bem específico. Ainda assim, seus comentários continuam muito respeitados.

Formou uma equipe de novos profissionais a partir de sua revista, a Wine Advocate, hoje associada ao grupo Michelin. Era um verdadeiro “Dream Team”. Eis alguns dos nomes que hoje estão em destaque: Antonio Galloni; Luis Gutiérrez; Lisa Perrotti-Brown.

Contemporâneos de Parker, como Jancis Robinson, Hugh Johnson, James Suckling, Tim Atkin e Stephen Tanzer, entre outros, continuam na ativa e produzindo muito. Cada um com seu próprio método de avaliação, o que implica na multiplicação das formas de apresentar os resultados. Alguns desses, especializados em uma região ou país produtor. Na América do Sul temos o chileno Patricio Tapia (Descorchados) e o brasileiro Jorge Lucki.

A tecnologia das redes sociais também entrou nessa seara com aplicativos como o Vivino ou Cellar Tracker. Desta vez, somos os críticos de nossas escolhas. O sucesso tem sido grande.

Isso tudo criou uma certa impossibilidade, de difícil solução: como comparar as notas de tantos críticos com relação a um determinado vinho?

Quase sempre são divergentes, fruto da natureza de cada um. Não há nada errado em alguém detestar aquele vinho que você adora…

Só há um ponto em comum: quando todos atribuem nota máxima ao mesmo rótulo. Ninguém vai questionar esse resultado, é uma certeza. Este vinho é muito bom!

Para o consumidor, qual seria o significado dessas notas que podem ter valores máximos como 100 pontos, 20 pontos ou apenas estrelas?

Uma notação matemática?

Um grau de satisfação?

Ou o resultado de uma complexa equação que envolveria membros como o solo de uma região, as variações climáticas, o humor do vinhateiro e até mesmo se o seu saldo bancário tem fundos?

Mais uma perguntinha: Qual o grau de importância disso para o consumidor final?

Existem diferentes respostas para cada tipo de enófilo.

Os da velha guarda não estão nem um pouco preocupados com avaliações de terceiros. Confiam no seu “taco” e nas conversas com seu fornecedor de hábito.

Esnobes e “enochatos” usam estas avaliações para impressionar os amigos e fingir que entendem alguma coisa.

As novas gerações estão em outro caminho e ainda não se deram conta da existência desses críticos e da importância, ou não, das suas notas. Usam outros parâmetros para escolher e apreciar seus vinhos, entre eles, o respeito ao meio ambiente, quem desenhou a garrafa e o rótulo, a escolha do nome e até o ambiente onde será degustado: tem que ser uma experiência holística.

Sobram os neófitos que tentam entender essa confusão toda.

Para estes, o meu conselho: a nota não é nada sem a resenha que a acompanha. Justifica e explica a avaliação. Sem ela, o selinho certificador que adorna a garrafa não passa de uma bijou, nem sempre bonita.

As degustações feitas por estes profissionais do vinho são sempre comparativas. Muita coisa se passa na cabeça deles antes de classificar um vinho. O resultado vai expressar o seu grau de satisfação em relação a outros vinhos que já passaram por sua análise crítica – este é o principal ponto: tudo é relativo, não há certezas aqui.

Sempre que degustarem um vinho recomendado, habituem-se a fazer suas próprias análises críticas e as comparem com a que influenciou a compra. Desta forma, em pouco tempo será mais fácil encontrar as recomendações que melhor se ajustem ao gosto de cada um. Alternativas não faltam.

Saúde, boas compras e bons vinhos!

Créditos: Imagem de abertura de Tumisu por Pixabay

Quingentésima Coluna

Poderia abrir esta coluna desfiando um rosário de sinônimos para marcar bem esta efeméride. Nem eu acredito – meio milheiro – seria a expressão perfeita, num linguajar menos sofisticado. Nosso rico idioma nos permite quase infinitas variações sobe um mesmo tema. Lembra Paganini e seu Capricho nº 24: além do compositor ter feito variações em cima da partitura original, foi seguido por Liszt, Schumann, Brahms e Rachmaninov.

Quem me dera que alguém “variasse” sobre qualquer dos meus textos. Curiosamente, já fui citado por outros autores.

Também posso comemorar, nesta próxima 5ª feira, 11/02/2021, dez anos de atividade no site O Boletim, do Valter Bernat, que teve a coragem de me convidar para colaborar, escrevendo duas colunas: uma sobre tecnologia e outra sobre vinhos. No meio do caminho, abandonei o tema tecnologia ficando exclusivo com os vinhos.

Por falta de espaço no servidor que originalmente hospedava o site, as colunas mais antigas teriam que ser “sacrificadas”, o que me deixou um pouco triste. Era um bom material que deveria estar sempre disponível.

Entrou em cena o meu filho, Tomás, que providenciou o meu site pessoal, “O Boletim do Vinho”, onde meus leitores podem encontrar todo o material que já publiquei. Valeu, filho!

O nome do meu site é, declaradamente, uma homenagem ao Valter. Reconheço que é uma cópia, sem nenhuma cerimônia, do título de seu site, adaptada ao meu tema.

Obrigado amigo!

A primeira coluna, “Vamos beber um vinho”, era como um cartão de visita. O texto já mostrava uma tendência que se consolidou ao longo desses anos: gosto de desmistificar o vinho. (nunca revisei esse texto e deve estar bem desatualizado)

Durante muito tempo as minhas matérias eram muito comentadas por diversos leitores. Renderam boas trocas de mensagens. A partir de um momento simplesmente desapareceram. Talvez tenham cansado ou já se sentem seguros para interpretar as sempre presentes entrelinhas nos meus escritos ou, quem sabe, se aborreceram com alguma diatribe – nem sempre o vinho foi o tema focal…

Ei! Comentaristas de plantão, reapareçam, nem que seja para reclamar. Estou com saudades.

Vocês sabem qual a coluna de maior sucesso? (medida no meu site, OK?)

Aqui está ela: Qual a taça ideal para Vinho do Porto?

Muito curioso, Vinho do Porto não é uma unanimidade no Brasil, país onde tenho mais leitores, seguido de Portugal e Suíça.

Originalmente a coluna terminava com a indicação de um vinho: a Dica da Semana, que depois foi rebatizada como Vinho da Semana.

Honestamente, era trabalhoso selecionar um vinho com boa relação custo x benefício e passível de ser adquirido, pelo menos, nas grandes cidades brasileiras. Optei por acabar com as indicações, apesar de ter sido a única característica que já foi patrocinada no site. O parceiro era a boa loja de vinhos de BH, Casa Rio Verde/Vinho Clube. O pagamento era em garrafas de vinho.

Bons tempos!

Para matar as saudades aqui vai um Vinho da Semana comemorativo:

Quinta da Aveleda Alvarinho Branco 2019 – $$

Apresenta típica coloração amarelo palha com toque esverdeado, límpida e brilhante. No nariz é fresco e frutado, com notas cítricas e de frutas exóticas. Na boca é muito fresco, macio e ligeiramente mineral. Ideal para substituir a cerveja no Carnaval da pandemia.

Rumo aos 1000 textos!

Saúde e bons vinhos.

Foto de abertura por Justin Little para Unsplash

Bordeaux aprova o uso de novas castas

Em 2019, produtores bordaleses solicitaram ao INAO (Institut National de l’Origine et de la Qualité) a inclusão de 7 novas castas que poderiam ser vinificadas na região. Tudo em nome das alterações climáticas e a eterna preocupação de manter a reconhecida qualidade superior dos vinhos de Bordeaux. (veja nossa coluna: Novas castas Bordalesas)

As pesquisas já estavam sendo feitas há cerca de 10 anos, incluindo plantio e vinificações experimentais. Este processo seletivo, que teria começado com mais de 50 castas, concluiu que apenas cinco uvas tintas e duas brancas eram adequadas. Faltava a aprovação dos órgãos de controle.

Não foi uma decisão fácil para o respeitado INAO, afinal, o seu OK a este ambicioso projeto significava, também, a quebra de uma tradição secular: o mais que famoso “corte bordalês”, elaborado com as nobres Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère. Teria que ser repensado e, quem sabe, ganhar uma nova denominação. A decisão foi embasada pelo Conselho de vinhos de Bordeaux (CIVB).

Das sete castas propostas, uma não passou no crivo, a branca Petit Manseng. Apesar de se adaptar perfeitamente ao novo terroir e permitir cortes brancos perfeitos, a razão pela que não teria sido aceita não tem nada de técnica ou científica: é a casta icônica do sudoeste francês (Cahors, Bergerac, Buzet and Gaillac). Seria um grande problema alterar esse “status quo”.

Há algumas curiosidades no grupo aprovado.

As tintas Arinarnoa e Marsellan são uvas criadas através de cruzamentos controlados. A primeira entre a Cabernet Sauvignon e a Tannat (1956) e a segunda entre a Cabernet Sauvignon e a Grenache (1961).

A terceira casta tinta aprovada se chama Castets. É nativa na região e mais conhecida por ser uma casta bordalesa quase esquecida. Ou seja, estava por ali e ninguém se interessava por ela…

A grande novidade é a quarta uva tinta, importada de Portugal, a Touriga Nacional, uma das grandes castas lusitanas.

No capítulo das brancas, aparece outra casta ibérica e também muito importante no cenário de Portugal, a Alvarinho ou Albarinho, na Espanha.

A última casta aprovada, branca, se chama Liliorila. Novamente, é um cruzamento entre a Chardonnay e a Baroque, outra casta do sudoeste francês que andou muito desprestigiada por longo tempo.

As regras de utilização

Por enquanto essas novas castas não serão as protagonistas, sendo colocadas num 3º time ou reservas, para usar uma linguagem bem popular. Antes delas estão as principais (Cabernet, Merlot…) e as secundárias (Malbec, Carménère…). Este critério será revisto a cada 10 anos.

Com relação à área plantada, limitaram a 5% do vinhedo total. Na elaboração do corte, estipularam um máximo de 10% do volume.

Isto implica que, de acordo com a legislação vigente, não é obrigatório citar as novas castas nos rótulos.

As pesquisas para encontrar soluções que ajudem aos produtores se adequarem as mudanças climáticas continuam em várias outras frentes, que incluem até o manejo das parreiras, seja com podas mas precisas, mudanças na chamada área coberta, altura das plantas e colheitas em diferentes pontos de maturação.

Fazendo um paralelo, pesquisas brasileiras desenvolveram a poda invertida, mudando a época de frutificação das uvas para um período de clima mais ameno no nosso país.

Esta técnica é um enorme sucesso que permitiu ampliar a nossas regiões produtoras e a utilização de novas castas que não se davam bem por aqui.

O resultado final são alguns vinhos tranquilos muito bons que já estão chamando a atenção de críticos e consumidores internacionais.

Sinal que os caminhos bordaleses têm tudo para dar certo.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Imagem de alohamalakhov por Pixabay

Aromas do vinho são importantes!

Quem resiste ao cheiro de um cafezinho recém-coado ou daquele delicioso aroma de pão fresquinho na porta da padaria? Os dois juntos então…

Enófilos têm uma especial ligação com os aromas de um vinho, que surgem logo ao sacar a rolha: quanta informação está ali!

Naquele momento do primeiro contato, olfativo por definição, é que vai ser decidido o próximo passo.

Para compreender tudo isso é preciso ter um pouco de conhecimento.

Essa peculiar característica de nossa bebida predileta começa a ser desenvolvida no solo onde as uvas estão plantadas. É um dos pilares do pouco compreendido “terroir”. A combinação da casta e do tipo de solo (granítico, arenoso, cascalho etc.) vai implicar num tipo de cheiro. Mais tarde, outras características vão se juntar por conta dos processos de fermentação e de maceração empregados, passagem ou não por madeira e por quanto tempo.

Cada tipo de vinho nos proporciona uma coleção de sensações olfativas únicas, também conhecidas por buquê ou nariz. Para os que têm boa memória, é quase uma carteira de identidade do que vem a seguir, no momento do provar. Pode-se identificar a origem, casta e método de vinificação só por aquele curioso gesto de colocar o nariz na taça do vinho e aspirar, levemente. Mas leva tempo e muita disciplina. Não é uma coisa que se consegue de um dia para o outro.

Identificar os aromas é um dos ritos mais celebrados de qualquer degustação.

Alguns exemplos são clássicos, como o aroma de couro molhado dos cortes bordaleses, o famoso pimentão verde (pirazina) do Carménère chileno e muitos outros. Importante mesmo é saber distinguir bons aromas dos aromas ruins, como o conhecido “papelão molhado” que é associado a um defeito da rolha, a contaminação por T.C.A. (tricloroanisol): bouchonée, no nosso jargão.

Para os que desejam se aprofundar nesse tema, desafiar o seu olfato é o primeiro passo. A ideia é procurar por experiências que estão no nosso dia a dia, na nossa rotina. Por exemplo, o cheiro de terra molhada nos dias de chuva, o ar salitrado da praia no dia ensolarado, o respirar limpo do campo ou do alto da montanha. Cada um será um registro único e pessoal. A pessoa que está ao seu lado terá, necessariamente, impressões diferentes das suas.

Aromas caseiros também são importantes, como os temperos usados na sua culinária, a mistura de cheiros de uma quitanda ou mercado, incluindo os que não são agradáveis. Um ótimo exemplo é o das ruas e calçadas após uma feira livre.

Para os que tem um viés mais científico, o Disco dos Aromas e os kits de essências, como o Nez du Vin são boas ferramentas.

O passo seguinte é associar toda essa experiência ao momento que sentimos os aromas de um vinho recém-aberto. Muito importante é ter em mente que sempre existirá um leque de opções e não um único e monótono cheiro. Se não identificar mais que um ou dois não significa que é um problema, com o tempo outros surgirão. O objetivo é registrar as associações dos aromas vínicos com o (seu) olfato. Serão únicas. É a chave para futuras aventuras nesse universo.

Para não deixar dúvidas, vinhos que foram abertos e novamente arrolhados, vão desenvolver novos aromas. Alguns deles indicativos da qualidade da bebida: se for estranho, descarte.

A partir do momento que dominarmos, com confiança, esta técnica teremos uma poderosa ferramenta que vai nos ajudar e entender as razões pelas quais apreciamos determinados vinhos e não gostamos de outros. Depois do binômio cor/visão, a dupla olfato/aromas é quem vai reger a nossa capacidade de apreciar ou rejeitar.

Um corolário importante é desenvolver a habilidade de identificar as melhores harmonizações, algo muito bem visto entre os apreciadores de vinho: evitem aromas que não se combinam.

Desafio lançado, caminho e ferramentas indicadas. Só depende de cada um.

Saúde e bons vinhos e bons aromas!

Foto de abertura: “The smell of the portuguese wine” por pedrosimoes7 está licenciada sob CC BY 2.0

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