Categoria: O mundo dos vinhos (Page 34 of 82)

Defeitos dos vinhos- de volta ao básico

O rito é universal: ao se abrir uma garrafa de vinho, primeiro “cheiramos” a rolha. Depois, uma pequena quantidade é servida para quem abriu ou pediu a garrafa – é a prova. Examinamos a cor, sentimos os aromas e um gole é degustado. Se tudo estiver correto, o vinho poderá ser servido.

Afinal, o que estamos procurando, exatamente, com estas etapas? Alguém já pensou nisto?

A resposta é simples: procuramos defeitos no vinho.

Para encontrá-los, não basta seguir os passos e fazer cara feia, algum conhecimento é necessário. Vamos ajudar.

Tudo começa na rolha. Reparem que no parágrafo inicial deste texto, coloquei, entre aspas, o ato de cheirar a rolha. Sendo 100% honesto, o termo correto seria examinar e não só cheirar o pedaço de cortiça que fecha as boas garrafas. Muita informação pode vir deste gesto.

As rolhas de cortiça devem estar firmes. Se estiverem quebradiças e esfarelando já denunciam um vinho mal estocado e que pode estar com outros problemas.

Num exame visual mais detalhado, procuramos por manchas de mofo e descolorações suspeitas. Se encontrarmos, novo sinal de alerta. O último teste são os aromas, neste caso, procurando pelos que não deveriam estar ali. Para isto, deveríamos cheirar a lateral da rolha e não o seu topo. Pouca gente faz isto corretamente…

Qualquer dos problemas mencionados acima vai ter uma influência direta no vinho. Uma rolha ressecada pode permitir uma indesejável oxidação ou mesmo avinagrar o conteúdo da garrafa. O defeito mais comum é o vinho “Bouchonné”, termo francês que sugere um cheiro e sabor de rolha.

Muito fácil de identificar: é aquela sensação de papelão molhado ou de cachorro molhado, como preferem alguns críticos. A causa é a presença de um composto denominado Tricloroanisol (TCA), decorrente de problemas com fungos.

Outra falha facilmente percebida é o vinho avinagrado. Estes indicadores nem precisam ser comentados. Vinagre é uma palavra portuguesa vinda da expressão francesa “vin aigre” ou vinho azedo. Acontece quando estão presentes determinadas bactérias que podem ser oriundas da baixa higiene das áreas de produção e/ou pelo uso de rolhas de má qualidade que não cumprem o seu papel de vedar adequadamente.

Rolhas defeituosas são responsáveis por outro defeito bem comum, a oxidação. Neste caso, a falta de estanqueidade permite uma indesejável entrada de ar. Tudo vai cheirar a coisa velha e a confirmação virá na hora da prova: o vinho perde sua coloração típica, ficando sem brilho, um pouco turvo e com uma cor de tijolo. É um vinho morto.

Encontrando qualquer destes problemas, descarte a garrafa. Não vai servir para mais nada.

A prova na taça, se bem feita, permitirá identificar outros defeitos. Aquele famoso ritual de examinar a cor, o aroma e o sabor, passa a ter novo significado.

Um dos cheiros mais estranhos é o de “ovos podres” o que significa a presença de mercaptanos, compostos à base de enxofre (sulfitos), usados na conservação do vinho. Erros de dosagem ou pouca higiene na elaboração são alguns dos gatilhos de detonam este desagradável efeito.

Há quem advogue que um vinho assim ainda poderá ser recuperado usando uma longa decantação (24 horas ou mais), mergulhando algumas moedas de cobre, limpas e esterilizadas, no recipiente. Não é sem riscos, principalmente de oxidação.

Vinhos que ficaram guardados por muito tempo e que não foram elaborados com este propósito, podem desenvolver o conhecido “aroma de estrebaria”, muito desagradável. A responsável por isso é uma levedura natural, a Brettanomyces. Ela é “selvagem” e facilmente encontrada nos vinhedos. Se bem domada, o que não é fácil, pode produzir resultados interessantes ou o indesejável odor. Uma boa higiene na cantina e leveduras específicas para cada tipo de vinificação resolvem o problema.

A nossa lista de defeitos não estaria completa sem citar mais alguns que são raros, mas podem surgir a qualquer momento:

– Gosto de cloro ou de água de piscina: Decorre de excesso de alcalinidade no vinho. Mal elaborado. Descarte!

– Aromas de remédios e outros fármacos significa que as uvas já estavam atacadas pela “botrytis cinérea” ou podridão nobre. Pode indicar, também, que o vinho foi adulterado. Candidato a ser jogado fora.

– Aromas metálicos indicam que o vinho passou por materiais impróprios para sua elaboração, como ferro, chumbo etc. Lixo!

– Vinho sem aroma ou sabor. Este é um defeito muito curioso, comum em vinhos ainda jovens que teriam sido comercializados antes do tempo de repouso necessário, logo depois de vinificados. É como se estivessem em choque. Neste caso, deixem num decantador por um par de dias e provem novamente.

Saúde e bons vinhos!

Foto de abertura criada por Luis Molinero no Freepik

Presente para o Dia das Mães? Vinho Rosé!

Pode ser um espumante ou um vinho tranquilo. Quanto a coloração, rosado, numa das milhares de tonalidades possíveis, desde os mais clarinhos até os mais escuros.

Existe a turma que torce o nariz e acha que isso não é vinho e tratam, logo, de depreciar afirmando que são inocentes misturas de sobras da vinificação de tintos e brancos. Estão redondamente enganados.

Os mais famosos são os elaborados na região da Provence, França. Um Rosé de Provence dispensa comentários. As castas tintas Cinsault, Grenache e Syrah são as mais utilizadas na elaboração.

No nosso país, muitos vão lembrar do famoso Mateus Rose, português, ou do Rosé d’Anjou, francês, que ajudaram a embalar alguns encontros românticos, num tempo que os nossos filhos classificariam de “Jurássico”. Os dois rótulos ainda podem ser encontrados nas prateleiras das lojas…

Os rosados andaram sumidos, saíram de moda, simplesmente. Um belo dia reapareceram, com novas opções, e caíram no gosto, novamente, principalmente do público feminino.

A cor é o grande chamariz. Num país como o nosso, de clima tropical e quase sempre com lindos dias, assistir um pôr do sol com uma taça de Rosé é a combinação perfeita.

Ao contrário do que se possa imaginar, elaborar um bom rosado não é uma tarefa simples. Existem cinco métodos que podem ser empregados. Além das castas citadas, outras uvas clássicas são vinificadas em rosa como a  Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Merlot, Malbec e muitas mais.

O segredo é o tempo de contato das cascas com o mosto que será fermentado. Controlar este tempo, associado com o tipo de uva, terá como resultado uma coloração mais ou menos intensa com sabores e aromas equivalentes.

Os detratores deste tipo de vinho entendem que nada mais é do que um corte entre tintos e brancos. Infelizmente existem produtores que preferem elaborar assim. O resultado é ruim, refletindo a má qualidade da matéria prima, do processo e do produtor. São vinhos grosseiros.

O método mais tradicional é Maceração Curta: são os mesmos passos para a elaboração de um vinho tinto. Num determinado momento, as cascas serão removidas e o processo segue como se fosse um vinho branco.

A Prensagem Direta é outra técnica bastante empregada. Neste caso as uvas tintas são esmagadas, delicadamente, fazendo com que o mosto já saia com alguma cor. Para refrescar a memória, na vinificação em tinto as uvas não precisam ser esmagadas. Para os brancos, sim.

O processo mais complexo para a elaboração de um Rosé é chamado de Cofermentação. Apenas nesta opção, uvas tintas e brancas são misturadas e fermentadas de uma só vez. Os resultados podem ser interessantes, mas o controle deste processo é extremamente difícil. Uma pequena desatenção pode estragar tudo.

Outra solução bastante utilizada, principalmente por produtores de grandes volumes, é a Sangria. Durante a fermentação de um tinto, uma parte do mosto é separada (sangramento) e vinificada como se fosse um branco. O resto do mosto segue como tinto.

O presente do Dia das Mães não estaria completo sem um bom almoço ou jantar. O que harmonizar com o Rosé?

São vinhos muito versáteis, cobrindo uma boa variedade de opção de pratos que vão desde os peixes e frutos do mar, saladas, massas e até carnes leves como aves, suínos, ovino e caprinos.

Uma das clássicas combinações são as Quiches com salada, perfeita para o nosso Outono.

Saúde e bons vinhos!

Imagens:

Rose Wine Selection 1” de NwongPR – sob  CC BY-ND 2.0.

Pôr do Sol – obtida no Pixabay

Queijos e vinhos – de volta ao básico

O queijo é o melhor amigo do vinho, por esta razão, o “Queijos e vinhos” é a mais tradicional reunião para degustar alguns bons vinhos com os amigos. Muito simples de organizar, pode ser feita em casa, no campo, num barco, numa praia, enfim, em qualquer lugar.

Não basta juntar diversos tipos de queijos e alguns vinhos aleatórios, vale a pena planejar um pouco. Opções não faltam e uma das mais interessantes e instrutivas é adotar um tema para a reunião. Desta forma, não só fica mais fácil fazer uma boa harmonização como é possível aprender um pouco mais sobre determinado país ou região.

Para mostrar como pode ser, escolhemos o tema Brasil.

Durante muito tempo nossos queijos só podiam ser elaborados com leite pasteurizado o que limitava muito a qualidade e os possíveis estilos. Alguns dos queijos mais famosos do mundo são produzidos com leite cru. Há certas condições sanitárias para isso ser possível, que passam desde o manejo do gado leiteiro, bovino, bufalino, ovino e caprino, chegando nas queijarias que devem ser preparadas para evitar contaminações vindas de terceiros: todo o equipamento deve ser estéril e a mão de obra devidamente equipada com vestimenta apropriada. Felizmente já estamos neste nível.

Há queijos estupendos sendo produzidos por aqui. Os mais comuns são as nossas versões de produtos franceses, suíços ou italianos. O ponto alto são os nossos queijos típicos, começando pelo excelente Canastra, que pode ser fresco, curado ou maturado, um dos os mais premiados no exterior.

Outras regiões com queijos maravilhosos: Serro e Salitre, em MG; Pardinho em SP; Vale da Testo no PR; Ilha de Marajó (Búfala), são as mais conhecidas. Procurem em boas Delicatesses, em lojas especializadas ou no Mercado Municipal de sua cidade. Há sempre algum produto artesanal e diferenciado.

Assim como nos queijos, nossos vinhos, principalmente os de pequenos produtores, já atingiram níveis de qualidade superior, alguns se equiparando aos de nossos vizinhos. Os espumantes, inclusive os elaborados com a casta Moscatel, podem ser servidos com vários tipos de queijos. Estamos elaborando excelentes Chardonnay e Sauvignon Blanc. Na série dos tintos, os eternos Merlot e Cabernet, da Serra Gaúcha, são apostas certas. A Tannat e algumas castas portugueses, plantadas na Campanha Gaúcha, tem produzidos ótimos rótulos.

Dicas de Harmonização:

1 – Queijos duros tipo Parmesão, Pecorino ou Montanhês:

– Tintos maduros ou vinhos fortificados

2 – Queijos picantes como Gorgonzola, Azul de Minas e similares:

– Brancos doces, inclusive espumantes ou as opções acima

3 – Tipo Provolone:

– Brancos maduros ou tintos de corpo médio

4 – Minas frescal, Mozzarella, ricota, requeijão:

– Tintos ou brancos jovens e corpo leve

5 – Brie, Camembert e outros queijos macios e com mofo:

– Chardonnay maduro ou tintos médios

6 – Emmental, Gruyere, Port Salut, Tilsist, Gouda e assemelhados:

– Tintos encorpados

Quem é quem nos Vinhos:

Brancos

Leves – Riesling, Pinot Gris/Grigio, Espumantes, Vinho Verde, Sauvignon Blanc;

Encorpados/Mduros – Chardonnay (Velho e Novo Mundo), Rhone brancos (Viognier, Marsanne, Roussane), Sauvignon Blanc madeirado;

Tintos

Leves – Beaujolais, Dolcetto;

Médios – Chianti, Merlot, Cabernet Franc, Tempranillo, Garnacha, Malbec Frances;

Encorpados/Maduros – Cabernet Sauvignon, Syrah, Tannat, Carménère;

Fortificados

– Porto, Madeira, Jerez, Marsala

Doces

– Colheita tardia, Sauternes, Vin Santo, Riesling Auslese.

Estas sugestões podem ser facilmente adaptadas para contemplar outros países. França e Itália são as mais óbvias.

Que tal pensar em Portugal?

Um Serra da Estrela acompanhado de Vinho do Porto é aquela combinação “dos deuses”. Um bom Madeira também fica perfeito. É um país com uma grande variedade de queijos, inclusive das ilhas dos Açores e da Madeira.

Opções, todas deliciosas, não faltam. Basta dedicar um pouquinho de tempo para planejar tudo direitinho. Para os que são mais ligados a uma enogastronomia perfeita, é possível harmonizar os pães, inclusive.

Saúde e bons vinhos.

Imagem: Variedade de Queijos e Vinhos. Esta foto foi obtida usando recursos do Freepik.

Etiqueta do Vinho: de volta ao básico

Não se pode negar que o ato de servir um vinho, num restaurante, é cercado de pompa e circunstância. Muitas vezes são apenas atos cênicos que criam uma atmosfera agradável.

Tudo muda de figura quando estamos em casa apenas degustando um bom vinho ou numa reunião com alguns amigos. Nada de muitos requintes, claro, mas há certos aspectos que não podem ser esquecidos.

O conjunto de regras da etiqueta dos vinhos é bem abrangente. Começa na abertura de uma garrafa e seu serviço, passa pelas taças e as maneiras de empunhá-las, o rito básico da degustação – observar, sentir aromas e provar – que tem detalhes diferentes para quem está servindo, chegando até situações mais delicadas, por exemplo, se um vinho trazido por um convidado deve ou não ser servido.

Vamos revisitar alguns destes pontos.

Sendo o Anfitrião

Cabe a ele decidir o que será servido, escolher as taças, abrir a garrafa e fazer o serviço do vinho. Para que tudo funcione sem problemas, um pouco de planejamento ajuda bastante:

– Tenha todos os acessórios ao alcance da mão – saca rolhas, decantador ou aerador, taças de acordo com o que será servido, panos de prato, bico corta gota e até uma pequena lixeira. Tudo imaculadamente limpo;

– A temperatura de cada vinho deve estar dentro do esperado. Um balde de gelo é sempre útil. Não sendo possível, use uma capa térmica ou guarde os vinhos, entre as rodadas, numa geladeira, devidamente tampados. Se os tintos estiverem meio quentes, pode refrescá-los também.

– A cápsula deverá ser cortada abaixo do ressalto do gargalo ou removida completamente. Limpe qualquer resíduo;

– Retirar a rolha deve ser um ato natural, nada de exibições de habilidades. Examine-a procurando por pontos mofados ou aromas desagradáveis, cheirando o corpo e não a ponta;

– Coloque um pouco de vinho na sua taça e faça a análise preliminar. Somente depois de sua aprovação sirva os demais. Se notar algo ruim, descarte a garrafa e abra outra. Tenha sempre um plano “B”;

– Para servir, segure a garrafa pela sua base, nunca pelo gargalo. Para evitar respingos, pode usar um pano cobrindo parte do gargalo, mas nunca o rótulo;

– Procure distribuir quantidades iguais para todos, lembrando que você sempre será o último a ser servido, mesmo na segunda rodada. Os convidados estão sempre em primeiro lugar, entre eles, as damas têm preferência;

– Um detalhe importante, mas pouco valorizado, é saber o que está sendo servido. Tenha pronta uma explicação ou mesmo uma “colinha” para esclarecer as dúvidas: casta, região, safra e a razão da escolha.

Sendo o convidado

– Empunhe sua taça da maneira correta, evitando segurar o bojo;

– Siga, sempre que possível, os passos básicos: observe a cor, sinta os primeiros aromas, gire a taça com delicadeza para aerar, procure por novos aromas e prove. Um gole pequeno, deixe o vinho passear pela boca e depois, sinta o retrogosto;

– Notando algum defeito, converse com quem está ao seu lado para confirmar ou não – pode ser apenas uma falsa impressão sua.

– Confirmado? Falem com o anfitrião, discretamente;

– O ritmo deve ser lento. Desfrutem cada momento e saboreiem ao máximo cada gole. As damas devem procurar degustar sempre na mesma posição da taça, evitando “marcas de batom”, se o usarem, é claro;

– Brindar é sempre divertido e o som das taças se encontrando faz parte do rito de degustar para muitos Enófilos. Até isso exige uma técnica. Segurem a taça pela haste e encostem o bulbo, nunca as bordas. Suavemente, por favor.

A garrafa presenteada

Esta é uma situação que pode passar de uma ótima surpresa até uma tremenda “saia justa”. A regra básica a ser seguida é: nunca espere que o seu vinho seja aberto.

Há exceções!

A principal razão para aceitar a regra mencionada é que o anfitrião já teria tudo planejado e o vinho presenteado pode não se adequar neste plano.

Uma maneira simples e elegante de contornar este impasse é combinar antes. Ofereça para levar um rótulo que harmonize com o que será servido.

Caberá, ao anfitrião, deixar o convidado tranquilo e demonstrar que apreciou o mimo. Dentre as opções possíveis, pode-se apresentar o vinho a todos e perguntar se desejam prová-lo. A decisão final cabe ao dono da casa, entretanto, que deverá estar bem fundamentado quanto à escolha de seus vinhos.

O que pode dar errado

Até mesmo o mais experiente enófilo pode passar por problemas inesperados. Uma rolha quebrada é o mais comum e descobrir que o vinho está passado, o pior.

Alguns conselhos:

– “C’est la vie”, diriam os franceses. Leve tudo na “esportiva”, sempre haverá uma forma de resolver;

– Bons saca rolhas tendem a preservá-las. Se souber que a rolha pode estar muito seca e quebradiça, use um abridor de lâminas paralelas;

– Taças quebradas também são frequentes. Tenha sempre algumas de reserva. Não se preocupem muito com formatos específicos. Existem taças universais, um tamanho entre as de tinto e branco, que servem para qualquer tipo de vinho, inclusive espumantes. É um bom investimento;

– A pior situação é um vinho passado. Já mencionamos o plano “B”. Outra boa opção é abrir algumas garrafas antes dos convidados chegarem. A única restrição é a quantidade que será consumida. Se for pouca, a solução será recolocar as rolhas nas que não foram aproveitadas.

Os vinhos mais antigos, portanto sujeitos a problemas, devem ser abertos com antecedência e decantados. Algumas vezes, 24 horas antes…

Saúde e bons vinhos!

Imagem de abertura: “Flor” vetor criado por upklyakFreepik

A Copa Jonia

O recipiente apresentado na foto é uma reprodução da “taça” de vinho usada no século VI aC. Foi presentada aos assinantes de um clube de vinhos europeu e a história por trás deste brinde é muito interessante.

A próxima foto mostra uma peça original que está no Museu de Huelva, na Andaluzia.

Eram produzidas na cidade grega de Ionia e comercializadas em diversos entrepostos do Mediterrâneo. Pesquisas arqueológicas recentes, encontraram peças como estas na região de espanhola de Jaen, alta Andaluzia, o que acabou inspirando alguns ceramistas, entre eles, Joan Carles Llarch, autor da peça moderna.

Llarch foi além. Produz as novamente famosas ânforas, garrafas, copas e fermenta o seu próprio vinho.

A argila branca utilizada vem do leito do Rio Llobregat, próximo a Barcelona. O design atual é mais liso e menos decorado que o original. A borda foi suavizada para facilitar o contato com os lábios na degustação.

Na hora de beber um vinho, a copa deve ser segurada com as duas mãos. Para manter sua coloração original, o artista aconselha que só seja usada para os vinhos brancos.

Quanta diferença para os dias de hoje!

O que mais chama a atenção é o modo de empunhar a taça. Partimos de uma composição de utensílios e movimentos que seria mais adequada para consumir um alimento e chegamos nas elegantes e refinadas taças de cristal, que se dão ao luxo de terem formatos estudados para cada tipo de vinho com finas e delicadas hastes que mantem nossas mãos, supostas fontes de calor, a uma distância segura do precioso líquido que está no bojo…

Dava para escrever um tratado sobre isso. Séculos atrás não existia refrigeração, a cor do vinho não era ponto de discussão entre os degustadores, a temperatura de serviço era a “do dia” e, imaginem só, os vinhos eram bem rudimentares, não tinham nenhum tipo de conservante e estragavam rapidamente. Não estaríamos errados afirmando que eram consumidos, no máximo, em 1 ou 2 dias após ficarem prontos. Depois, viravam vinagre… (e alguns consumiam mesmo assim)

A história do vinho acompanhou o desenvolvimento das “boas maneiras” da sociedade. Na mesma proporção que as diferentes culturas foram ficando mais civilizadas, utilizando um termo bem atual, o serviço do vinho foi se sofisticando. Em alguns casos ficou irritantemente complicado e isso fez com que a nossa bebida predileta recebesse a pecha de “esnobe”.

A Copa Jonia é a prova que o vinho era uma bebida descompromissada, sem as complicadas etiquetas. O que se buscava era ter uma alegria, um momento de pequeno prazer. Ninguém se incomodava de bebê-lo numa cumbuca de cerâmica, segurando com as duas mãos. Nenhuma preocupação com ritos de abrir a garrafa, servir, aerar, observar cor, aromas, retrogosto, ou saber qual era a casta, safra, produtor etc.

Beber um vinho era uma coisa mundana. Pensem nisso antes de degustar a próxima taça.

Saúde e bons vinhos!

Créditos:

Foto de abertura e da taça de cristal por Tomás Pinheiro;

Foto da Copa original obtida no site do Museu de Huelva;

Foto do ceramista Carles Llarch obtida no site de Linda Silva.

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