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Bordeaux – Os Monstros Sagrados

Entender as diversas nuances da vitivinicultura bordalesa é quase uma arte. São diversas regiões, cada uma com características próprias, uvas predominantes, técnicas de produção que variam de porta em porta e até mesmo um complexo sistema de comercialização que envolve a figura de um “Courtier” (literalmente – cortesão) uma espécie de corretor enológico: os produtores raramente vendem diretamente ao consumidor final envolvendo, quase sempre, um “Negociant” que vai cuidar da venda final do produto, seja no mercado interno ou externo. Esta negociação, que pode incluir uma safra futura, é realizada com ajuda do mencionado Courtier, remunerado com 2% do valor do negócio. Nada mal! 
Vamos apresentar uma simplificação do que é importante em Bordeaux. 
A Geografia 

Tudo gira em torno de três rios, o Dordogone e o Garone que se juntam para formar o Gironde. As áreas vinícolas estão separadas por eles: margem esquerda e margem direita do Gironde e Entre-Deux-Mers a região limitada pelos outros dois rios. O mapa ajuda a visualizar esta divisão. 
Margem Esquerda – aqui estão situadas, além da cidade de Bordéus, as seguintes regiões e suas subdivisões: 
Medoc (Bas Medoc e Haut Medoc) onde se destacam as comunas de St.-Estèphe, Pauillac, Margaux e St.-Julien 
Graves – Pessac-Léognan 
Sauternes e Barsac (vinhos doces) 
Cérons 
Aqui brilha a uva Cabernet Sauvignon que se adaptou ao solo de cascalhos (graves) desta área. 
Margem Direita – aqui estão situadas as seguintes regiões e suas subdivisões: 
Saint-Émilion 
Pomerol 
Lalande-de-Pomerol 
Fronsac e Canon-Fronsac 
Côtes de Blaye 
As castas predominantes são a Merlot e a Cabernet Franc perfeitamente adaptadas aos solos de calcário, argila e areia desta região. Vale a pena ressaltar que tanto em St. Emilion como em Pomerol estão os terrenos mais valorizados da França, com preços estratosféricos por hectare. 
Entre-Deux-Mers– nesta região são produzidos os vinhos mais simples de Bordeaux, dentro da AOC (denominação de origem controlada). Existem oito sub-regiões: 
– Loupiac 
– Saint-Croix-Du-Mont 
– Saint-Foix-Bordeaux 
– Cadillac 
– Côtes de Bordeaux St.-Macaire 
– Premieres Côtes de Bordeaux 
– Graves de Vayres 
– Entre-Deux-Mers – brancos secos de excelente qualidade 
As diversas classificações e os Monstros Sagrados 
Em 1855 surgiu a Classificação Oficial do Vinho Bordalês elaborada a partir do preço de venda. Contemplou a região do Medoc. A partir da década de 1950, Graves e Saint Emilion adotaram suas classificações. Curiosamente, a região de Pomerol, onde são produzidos os vinhos mais valorizados, nunca recebeu uma classificação oficial. 
Esta divisão criou os grandes vinhos, que estamos chamando de Monstros Sagrados: 
1er Cru do Medoc 

– Château Lafite-Rothschild 
– Château Margaux 

– Château Latour (100 pts 2009) 
– Château Mouton Rothschild 

1er Cru de Graves 
– Château Haut-Brion (Pessac–Léognan) (100 pts 2009) 

1er Cru A de Saint Emilion 
– Château Ausone 
– Château Cheval Blanc 

Pomerol 
– Château Pétrus (100 pts 2009) 
– Château Le Pin (100 pts 2009) 

Observações importantes: 
1 – esta classificação engloba os vinhos tintos; 
2 – existe uma classificação exclusiva para os brancos; 
Apesar de serem todos vinhos maravilhosos, não são os únicos vinhos de Bordeaux que merecem respeito e admiração. A melhor prova disto são as notas 100 obtidas pela safra de 2009. Naquela relação já apresentada, aparecem apenas quatro dos grandes vinhos, o que demonstra que a classificação de 1855 está ultrapassada. Os demais são vinhos classificados como Deuxième Cru, ou Grand Cru Classe, existindo um Cinquième Cru, entre eles, o fabuloso Pontet Canet de Pauillac. 
Na próxima coluna vamos apresentar o Château Petrus, um ícone francês tão importante quanto o Romanée-Conti e um dos vinhos mais falsificados do mundo. As fotos a seguir foram obtidas no que poderíamos chamar de laboratório de um falsário recentemente encarcerado. Elas falam por si… 

Dica da Semana: um Bordeaux branco, para variar 

Château Timberlay Branco 
País: França / Bordeaux 
Uva: Uva: Semillon, Sauvignon Blanc 
Teor alcoólico: 12% 
Um vinho que se destaca por seus intensos aromas cítricos, de peras e maçãs, com notas florais. Delicado e fresco, com ótima persistência. Acompanhamento perfeito para peixes e frutos do mar.

Um desvio de rota para celebrar vinhos perfeitos

Pelo menos na opinião do celebrado Robert Parker, o Imperador do Vinho. Para surpresa geral, até mesmo de experimentados enófilos, a safra de Bordeaux de 2009 foi distinguida com 19 (dezenove) notas 100, 18 tintos e 1 branco. Um fato inédito e digno de grandes comemorações. 
Ainda não havíamos falado sobre este país vinícola encravado na França. Citamos a Borgonha e deixamos, conscientemente, a região de Bordeaux para uma segunda visita. Aqui nasceram os grandes vinhos do mundo, desenvolveram-se as mais sofisticadas técnicas de viticultura e vinificação e criou-se um modelo copiado por todos: não há um enólogo na face da terra que não sonhe em incluir um corte bordalês no seu portfólio. Quase uma reverência aos deuses da enocultura. 

Um pouco de história 
A produção de vinhos nesta região data de 48 DC, durante a ocupação romana de St. Emilion, quando foram implantados os primeiros vinhedos com a finalidade de produzir bebida para as tropas de Roma. No ano 71 DC já havia diversos vinhedos produtivos em Bordeaux, embora estudos tenham encontrado, na região do Languedoc a presença da uva desde 122 AC. 
O vinho ali produzido era de agrado dos franceses e raramente exportado. A partir do século XII estes vinhos ganham o mundo, através do casamento de Henry Plantagenet, que se tornaria o Rei Henrique II da Inglaterra e Eleanor d’Aquitaine, incorporando a província da Aquitânia ao território inglês e absorvendo a produção vinícola. Este quadro só seria alterado ao final da guerra dos 100 anos quando a província foi reincorporada à França. 

Apesar de guerras e pragas, os vinhedos foram se expandido obrigando à introdução de regiões demarcadas a partir de 1725, para que os consumidores pudessem identificar as diversas origens dos vinhos. O Instituto das Denominações Controladas, foi criado para coibir falsificações, determinando que só os vinhos de Bordeaux ostentassem esta indicação em seus rótulos. 
A classificação de 1855 
Não é possível compreender estes vinhos sem conhecer a legislação sugerida pelo Imperador Napoleão III. Ele exigiu uma forma de classificação para os grandes vinhos que seriam expostos e negociados na Exposição Universal de Paris. A seleção levou em conta a reputação do Château e o preço de venda, o que era diretamente relacionado à qualidade. 
Basicamente os tintos são enquadrados como Premier Crus até Cinquièmes Crus, com ligeiras variações entre as regiões do Medoc, St. Emilion e Graves. 
Os brancos foram divididos em Premier Cru Superieur, Premier Cru e Deuxième Cru. 
Houve apenas duas alterações nesta classificação até hoje, a mais significativa foi a reclassificação do Château Mouton Rothschild, em 1973, de segundo para Primeiro Cru. 
Os 20 vinhos de 100 pontos: (nome seguido da região produtora) 
Tintos: (todos Château) 
– Beausejour Duffau Lagarrosse – St. Emilion 
– Bellevue Mondotte – St. Emilion 
– Clinet – Pomerol 

– Clos Fourtet – St. Emilion 
– Cos D’Estournel – Saint Estephe 
– Ducru Beaucaillou – Saint Julien 
– L’Evangile – Pomerol 
– Haut Brion- Pessac – Léognan 
– Latour – Medoc 
– Leoville Poyferre – Saint Julien 
– La Mission Haut Brion – Pessac – Léognan 
– Mondotte – St. Emilion 
– Montrose – Saint Estéphe 
– Pavie – St. Emilion 
– Petrus – Pomerol 

– Le Pin – Pomerol 
– Pontet Canet – Pauillac 
– Smith Haut Lafitte – Pessac – Léognan 
Branco: 
– Pape Clément – Pessac – Léognan 
Todos ótimos vinhos, entre eles grandes ícones que confirmam suas lendas. Mas… Caríssimos! Os 1er Crus são considerados os mais caros vinhos do mundo. Depois dos 100 pontos, o céu é o limite. 
Curiosidade: 
– após 30 anos criticando vinhos, Parker deu poucas notas 100. Foram 224 rótulos, muitos distinguidos em várias safras. O interessante é a divisão destas notas por região produtora: 30% vinhos do Rhone, 24% de Bordeaux (não computadas as atuais notas), 20% da Califórnia e 1,3 % da Itália. Os restantes 24,7% estão distribuídos entre outros países. 
Na semana que vem, um pouco mais sobre Bordeaux. 

Dica da Semana: um Bordeaux bom, bonito e barato (será que existe?)  

CHÂTEAU SAINTE MARIE ROUGE 2006 
Produtor: Château Sainte Marie 
País: França / Bordeaux 
Uva: 64% Merlot, 28% Cabernet Sauvignon e 8% Cabernet Franc 
Utilizando práticas raríssimas na região de Entre Deux Mers, como cultivo orgânico e colheitas totalmente manuais, conseguem elaborar um vinho bastante superior aos normalmente encontrados nesta denominação. Os vinhedos antigos, com mais de 35 anos, e a maturação de 12 meses em barricas de carvalho, contribuem para deixar o vinho ainda mais complexo e atraente. Uma bela surpresa! Harmoniza com carnes grelhada, confit de pato, magret e carnes assadas.

Os Grandes Vinhos do Mundo – Argentina – Final

Um trio da pesada- Achaval Ferrer 
Para enfrentar a dura concorrência dos vinhos já apresentados, alguns produtores deste segmento Super Premium, adotaram táticas de guerrilha. A vinícola Achaval Ferrer foi um deles. Vamos conhecer um pouco mais sobre estes três vinhos top de linha: Finca Mirador, Finca Altamira e Finca Bela Vista. 
A jovem empresa foi fundada em 1968, por um grupo de amigos argentinos, Santiago Achaval Becú, Manuel Ferrer Minetti, Marcelo Victoria e Diego Rosso, que não estavam diretamente ligados ao mundo do vinho, e os italianos Tiziano Siviero e Roberto Cipresso, renomado enólogo Toscano e produtor de um delicioso Brunello de Montalcino. Em comum, o sonho de produzir grandes vinhos. 

A primeira safra foi produzida em 1999, em espaço alugado a outras empresas. Somente a partir de 2006 passariam a produzir em suas próprias instalações. Seus vinhedos são todos muito antigos e localizados em diferentes regiões. Contam com parreiras de quase 100 anos e plantadas em pé franco (sem enxertos). A Finca Altamira está em La Consulta, a 1050 metros de altitude, data de 1925; a Finca Bela Vista data de 1910 e está localizada em Pedriel a 950 metros; a Finca Mirador está em Medrano a 700 metros sobre o nível do mar. 

De cada uma são produzidos vinhos com características próprias pelas mãos de Cipresso. A colheita e dupla seleção dos frutos é manual. O Processo é todo por gravidade e se há necessidade de movimentação de líquidos são empregadas bombas peristálticas preservando a integridade do mosto. A fermentação é obtida nos mesmos moldes de um Brunello, em tanques de concreto com temperatura controlada. Passam por fermentação malolática e são envelhecidos em barricas de carvalho. Há uma preocupação constante do enólogo com a qualidade sendo feitas diversas provas durante todo o processo e, a seu critério, novos processos podem ser introduzidos. O vinho não é filtrado nem clarificado ao engarrafar. 
Três vinhos respeitados internacionalmente, recebendo ótimas notas de críticos e revistas especializadas. A safra 2003 do Finca Bela Vista recebeu 96 pontos da Wine Spectator e o título, na época, de Rei dos vinhos Argentinos. Em 2009 o Finca Bela Vista ganhou 98 pontos de Robert Parker. 

Finca Altamira: são produzidas 9.900 garrafas por ano. O vinhedo (finca), todo em pé franco, com mais de 80 anos, está localizado em La Consulta no Vale do Uco. São apenas 6 hectares com um rendimento de 400g de uva por planta. São necessários 1,2Kg de uva para fazer uma garrafa. Considerado um autêntico Grand Cru, amadurece por 15 meses em barricas novas de carvalho francês. Sua cor é púrpura profunda e seu perfil aromático combina potência e elegância, com nuanças tostadas, grafite, cereja negra e ameixa, notas terrosas, trufas. Na boca é pleno, super denso, mas com taninos elegantes, saboroso, fresco e com incrível persistência. A menor nota obtida foi 95+ (Robert Parker). 
Finca Mirador: são produzidas 10.100 garrafas. O vinhedo de 5 hectares, localizado em Medrano, foi plantado em pé franco em 1921. Trabalha com o mesmo rendimento de 400g de uva por planta. Vinificado e amadurecido como os anteriores têm coloração púrpura quase negro e brilhante. Seus aromas disparam notas de cereja e framboesa negra, especiarias doces, flores e um fino carvalho tostado. Na boca não nega ter nascido de vinhas velhas, é concentrado e potente, mas elegante, com taninos de qualidade, puro, fresco, saboroso e muito longo. Nunca recebeu pontuação inferior a 94 de Robert Parker. 
Finca Bela Vista: são produzidas 11.700 garrafas. O vinhedo de 5 hectares em pé franco foi plantado em 1921, é trabalhado nos mesmos moldes dos demais. Após vinificado, amadurece cerca de 15 meses em barricas novas de carvalho francês. Coloração Púrpura concentrada e brilhante apresenta aromas de fruta negra, violeta, nuanças tostadas e terrosas, especiarias, incenso… Boca densa, com taninos de alta qualidade e longa persistência. Nunca recebeu pontuação inferior a 96 da Wine Advocate (Robert Parker). 
Estes vinhos são trazidos para o Brasil pela importadora Aurora-Inovini e tem boa distribuição no país. Uma grande notícia são os preços bem mais palatáveis que o dos concorrentes, variando de R$ 350, 00 até R$ 800,00 dependendo da safra e do vinho. (dados de 2012)

Duas curiosidades: 

Durante muitos anos o Chateau Montchenot, da Bodega Lopez, foi considerado o melhor vinho argentino. Um corte Bordalês, muito bem vinificado, à moda antiga, em grandes dornas, envelhecido calmamente, como pedem os bons vinhos. Um porto seguro, delicioso até hoje e um preferido pelos consumidores tradicionalistas. Vale a pena experimentar e compará-lo aos vinhos modernos: algo surpreendente! 

Existe o vinho mais caro da Argentina e, inegavelmente, é um excelente produto, um super Premium como os demais. Não enfrentou, ainda, a prova do tempo, por esta razão, não foi um dos ícones citados. Mas tem tudo para se tornar um deles: Ultima Hoja da vinícola Bressia. Um corte secreto vinificado como se estivessem lapidando uma jóia. Walter Bressia é um tarimbadíssimo enólogo argentino que após passar por grandes empresas decidiu trabalhar por conta própria. O sucesso foi instantâneo e sua boutique de vinhos é um celeiro de grandes produtos. Define este corte como “o resultado das experiências anotadas em milhares de últimas páginas, que permitiram selecionar as melhores e inigualáveis barricas em uma experiência única e que não será repetida”. 

Dica da Semana: escolhemos um vinho básico da Achaval Ferrer. 

ACHAVAL-FERRER MALBEC MENDOZA 2010  
País: Argentina / Luján de Cuyo – Mendoza 
Uva – Malbec 
Vermelho púrpura. Nariz sedutor, com grande intensidade e pureza, revelando notas florais, de frutos vermelhos e negros maduros (como cereja e framboesa), especiarias e sutis nuanças de madeira. Boca gostosa, suculenta, densa, com taninos super aveludados, sabores frutados e puros, ótimo frescor e alta persistência. Ideal para acompanhar cordeiro assado, churrasco e pratos de carnes vermelhas em geral. Recomendamos decantar este vinho cerca de uma hora antes de bebe-lo.

Os Grandes Vinhos do Mundo – Argentina – 2ª parte

O Enólogo e Consultor Paul Hobbs tem uma história muito interessante. Um dos seus mentores foi o respeitado Robert Mondavi, com quem trabalhou de 1978 até 1984. O ponto alto foi participar da vinificação do grande vinho Opus One, realizado em associação com o Barão Philippe de Rothschild. Em 1985, quando trabalhava para um braço norte americano da Louis Vuitton-Moët Hennessy, a vinícola Simi, foi convidado para prestar consultoria para Nicolás Catena. Apesar de ter realizado este trabalho num período de férias, seu empregador não ficou satisfeito com este desvio de rota, insinuando que ele estaria passando informações para um concorrente. Pressionado, Hobbs optou por tornar-se independente, uma opção muito arriscada na época. Nem seus professores na Universidade de Davis aprovavam tal decisão. 
Ao ser questionado sobre porque ir para a Argentina – lá é muito quente! você só vai produzir zurrapas! diziam, Hobbs respondia com uma desconcertante simplicidade: os vinhedos são tão bonitos e as uvas deliciosas…. A decisão se mostrou acertada. Nicolás Catena foi mais que um patrão. Além de proporcionar a estratégia e os meios necessários, lhe deu total liberdade para experimentar. Hobbs sabia que existia um enorme potencial ali. Sua personalidade inquieta, sempre em busca de maiores desafios, fez com que em 1991, Catena lhe ajudasse a montar sua própria vinícola nos EUA, a Paul Hobbs Winery. Um investimento de alto risco. Naquele ano, a Filoxera havia voltado com força total na Califórnia e ninguém queria arriscar um centavo que fosse numa nova vinícola, exceto Catena. Hoje, esta empresa é um sucesso, produzindo vinhos fantásticos. 
Uma nova mudança aconteceria em 1998 quando um simpático casal de argentinos, Andrea Marchiori e Luis Barraud, o procurou na Califórnia para que os assessorassem num novo empreendimento. Apaixonado por Mendoza, Hobbs associou-se a eles e fundou a Viña Cobos, uma vinícola Super Premium, com vinhos de alta qualidade e pequenas produções.  

O nome é uma homenagem ao imigrante espanhol Juan Francisco Cobos. Coube a ele solicitar, ao reino de Espanha, sementes de álamo, a árvore emblemática de Mendoza. 
O principal vinho é o inacreditável Cobos Malbec, indiscutivelmente o melhor varietal produzido com esta casta. Sua vinificação só é feita em safras consideradas excepcionais. Os frutos são obtidos no vinhedo Marchiori, que pertence à família de Andrea. Com um terroir característico da região de Pedriel, nos pés dos Andes, situado a 995m de altitude, suas parreiras, com mais de 80 anos de idade, produzem frutos no ponto certo de amadurecimento e ligeiramente ácidos, permitindo uma produção de alto nível. 

O processo de vinificação é de um cuidado surpreendente. As uvas são selecionadas uma a uma, por equipes predominantemente femininas (são mais cuidadosas). 

Para a obtenção do mosto, as uvas não são prensadas, mas empilhadas num equipamento e deixadas sob a ação do próprio peso. Um método semelhante ao empregado na obtenção do Tokaj Essenzia. Isto significa um rendimento ultrabaixo. Após a extração deste primeiro sumo, as uvas serão prensadas para a obtenção de outros vinhos. Para o Cobos, só o melhor! 

Na fermentação e maceração são usados métodos naturais em tanques de aço inox com temperatura controlada. O processo todo dura cerca de 30 dias. O envelhecimento é feito em barris novos, de carvalho francês, por 18 meses. Passa por fermentação malolática (transformação do ácido málico em ácido lático = melhor qualidade) em barricas, durante 8 meses, para sua finalização. Não é filtrado e nem clarificado antes de ser engarrafado, onde permanecerá por mais um ano até de ser comercializado. 

A safra de 2006 obteve 99 pontos do rigoroso Robert Parker (Wine Advocate), tornando-se o vinho argentino de maior pontuação até o momento. Só para lembrar, vinho da semana passada conseguiu 98+ em sua melhor safra. Abaixo um resumo das notas obtidas: 
1999 – Wine Advocate 95pts 
2002 – Wine Advocate 96pts 
2003 – Wine Advocate 97pts 
2004 – Wine Advocate 98pts 
2005 – Wine Advocate 98pts 
2006 – Wine Advocate 99pts 
2007 – Wine Advocate 95pts 
2008 – Wine Advocate 95pts 

Notas de degustação safra 2008 
Coloração violácea profunda com reflexos azulados. Destacam-se os aromas de ameixas, mirtilo e (flor) de nogueira. No palato se mostra voluptuoso, encorpado com intensidade e estrutura nobre. Surpreende por seus taninos polidos e sabores de doce de leite, frutos do bosque, cravo da Índia e grãos de café. Um vinho perfeito para alta gastronomia ou para simplesmente pensar na vida. 
Existe um senão: caríssimo, quase R$ 1.000,00 na Grand Cru, seu importador exclusivo. (em 2012)

Qual é o melhor vinho argentino afinal? Escolha Impossível. Como diria um francês, entre les deux mon coeur balance. Para enfrentar esta dura concorrência, apresentaremos mais alguns protagonistas de peso na próxima coluna. 

Dica da Semana: a Viña Cobos produz uma gama de vinhos, em três linhas, todos de excelente qualidade. Escolhemos o chamado produto de entrada, a linha mais em conta. 

Cobos Felino Malbec 2010 
País: Argentina / Luján de Cuyo – Mendoza 
Casta: 100% Malbec 
Envelhecimento: 9 meses em barricas de carvalho. Pode ser guardado por 8 anos. Reflete características argentinas, pelas mãos do casal Andréa Marchiori e Luis Barraud, e californianas, seguindo o estilo de Paul Hobbs. Violeta intenso com reflexos azulados. Notas de pimenta e licor de cerejas. Corpulento, possui taninos marcantes. Harmoniza com carnes e pratos condimentados.

Os Grandes Vinhos do Mundo: Argentina – 1ª parte

A tradição faz a diferença 
A história do vinho neste país começa em 1556 quando o padre Jesuíta Juan Cedrón trouxe mudas das espécies País e Moscatel (Missiones), do vale central do Chile, plantando-as nas regiões que, mais tarde, seriam conhecidas como Mendoza e San Juan. Através de cruzamentos naturais, surgiria um clone conhecido por Criolla Chica, varietal utilizada nos vinhos argentinos por muitos anos e que promove um sabor típico que agrada ao argentino. A primeira vinícola, estabelecida pelos Jesuítas em 1557, ficava em Santiago del Estero. A expansão foi rápida principalmente devido à construção de diversos canais de irrigação para enfrentar o problema de escassez da água. Coube ao Governador da Província, Domingo Sarmiento, contratar o agrônomo francês Miguel Aimé Pouget e incumbi-lo de trazer mudas de castas europeias nobres para a região, entre elas, a hoje emblemática Malbec. 

A construção de uma ferrovia ligando a Buenos Aires e a mão de obra dos emigrantes europeus que fugiam da Filoxera são outros fatores que potencializaram esta indústria. Com um clima semelhante ao do vizinho Chile e protegida das pragas conhecidas, tornou-se outro porto seguro para uvas e vinhos, mas com uma importante diferença: 90% de sua produção eram comercializados no mercado interno – vinhos simples de castas não europeias. 
Esta filosofia de privilegiar a quantidade em lugar da qualidade perdurou até os anos 90. A Argentina sempre foi o maior produtor de vinhos fora da Europa, com um consumo per capita de 46 litros por ano. Mas era um exportador medíocre, seus vinhos não eram respeitados internacionalmente. 
Impressionado com a indústria californiana de vinhos, Nicolás Catena Zapata, professor visitante de economia, na Universidade de Berkeley, decidiu melhorar os produtos da velha Bodega Esmeralda, de sua família. Na sua volta a Mendoza, introduziu diversas modificações no sistema produtivo vigente: queria produzir vinhos finos de qualidade. Com a consultoria do experiente enólogo californiano Paul Hobbs, provocou uma revolução incrível que está transformando a Argentina: será, em breve, o maior produtor de vinhos de qualidade de todo o planeta (se a instabilidade política do país não atrapalhar…). Catena foi chamado de “Loco” por todos, mas como já sabemos, estava certo. 

A primeira observação de Hobbs foi que o sistema de condução das parreiras do tipo pérgola não era irrigado de forma adequada. Pediu que usassem menos água para que os frutos concentrassem mais açúcar, adotando o sistema de gotejamento. Novos parreirais são plantados acima de 1000 metros de altitude, em busca de um amadurecimento perfeito. 
Apesar de ter como missão produzir um Chardonnay de estilo californiano, surpreendeu-se com uma uva para ele desconhecida, a Malbec. Catena deu-lhe total liberdade para experimentar. Recebe 10 barris novos de carvalho francês da tanoaria Taraunsaud e começa a vinificar com técnicas nunca usadas naquela região. Um sucesso espetacular! A Malbec deixava de ser uma uva secundária. 
O Mito e seu vinho icônico 
Nicolas Catena tornou-se um dos personagens mais importantes do mundo do vinho. Um revolucionário, corajoso e inovador. Um Mito. Para vinificar suas joias, construiu uma vinícola em forma de pirâmide Asteca, orientada no terreno de tal forma que, em determinada hora do dia, sua superfície brilha como ouro. Seus vinhos sempre foram de qualidade indiscutível e seus métodos acabaram sendo adotados por todos que o chamavam de louco. 

O resultado mais significatvo e importante foi o estabelecimento de um novo padrão de vinhos: o Malbec Argentino, que não é uma tentativa de ser um vinho do Velho Mundo. Um produto de tipicidade única e que chamou a atenção para este país. Catena havia criado algo novo, uma fusão de estilos que incorporava, inclusive, o antigo padrão argentino. 
Somente em 1997, num excepcional ano e depois de vários enólogos e consultores, consentiu em dar seu nome a um de seus vinhos, como um coroamento de sua ousada aventura: 

Nicolás Catena Zapata 1997 

Um corte de Cabernet Sauvignon e Malbec, fora de série, elaborado unicamente em anos selecionados. A primeira vinificação foi testada exaustivamente, na Europa e nos EUA, em provas às cegas, sendo comparado com os famosos Chateau Latour, Haut Brion, Solaia, Caymus e Opus One. Classificou-se 4 vezes em primeiro lugar e 1 vez em segundo. O melhor vinho da América do Sul e, sem dúvida, um dos melhores do mundo. 
Robert Parker: 98 pontos (safra 07) 
Robert Parker: 97 pontos (06) 
Wine Spectator: 93 pontos (06) 
Robert Parker: 98 pontos (05) 
Robert Parker: 98+ pontos (04) / Wine Spectator: 95 pontos (04) 
Decanter: 5 Estrelas (04)
A safra de 2007 é composta por Cabernet Sauvignon (65%) e Malbec (35%). Utilizaram frutos dos vinhedos La Pirámide, a 940m, Domingo, a 1.130m, Adrianna, a 1.400m e Altamira, a 1.160m de altitude. As uvas, de cada vinhedo e variedade, foram vinificadas separadamente, com controle de temperatura e maturadas por 26 meses em barricas novas de carvalho francês. 
Com uma coloração violeta escura e intensa, oferece aromas de cerejas negras, chocolate escuro e alcaçuz, com notas de minerais, violetas, pimentas e ervas. No palato mostra um vinho muito estruturado e equilibrado, com marcantes sabores de frutas vermelhas e alguma mineralidade. Um final de boca vibrante, intenso e longo. Pode ser guardado por mais de 10 anos. Harmoniza com carnes e alta gastronomia. 
O Futuro 
Mendoza não é a única região que produz vinhos na Argentina, embora seja a mais importante. Salta e a Patagônia, entre outras, vêm se destacando e atraindo investimentos estrangeiros importantes. Na família Catena Zapata, a segunda geração já se destaca: a filha Laura Catena, tem sua própria vinícola a Luca enquanto seu irmão, Ernesto Catena, dirige a vinícola Tikal. Ambos produzem vinhos espetaculares e de muita personalidade. 
Na próxima coluna, vamos conhecer um vinho que faz frente a este. Seu produtor? Paul Hobbs… 

Dica da Semana: A uva Torrontés deve ser a nova sensação entre os brancos. Tipicamente argentina, cai muito bem neste verão brasileiro. 

Tahuantinsuyu Torrontés 2009 
Produtor: Tikal (Ernesto Catena) 
País: Argentina / Mendoza 
Esta esperada novidade de Ernesto Catena promete conquistar quem ainda tinha dúvidas do potencial da uva Torrontés. Elaborado em um estilo mais denso e menos alcóolico que a maioria dos vinhos da casta, mostra o perfil aromático típico da uva, com exuberantes notas exóticas e de frutas maduras. No palato é saboroso e fresco, com uma boa pegada. 
Combinações: Frutos de mar. Peixes brancos. Saladas.

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