Categoria: Vinho Natural (Page 2 of 3)

A culpa não é dos sulfitos!

Uma das virtudes mais apregoadas pela turma que produz vinhos naturais, sobre a ausência de sulfitos na sua composição impedir as famosas dores de cabeça, está caindo por terra. Segundo contam os mais recentes estudos, mais uma lenda está prestes a ser desmistificada.

Vocês já ouviram falar de Aminas Biogênicas?

Elas formam um grupo bastante conhecido, por exemplo, Histamina, Dopamina e Serotonina, entre outras. São consideradas tóxicas e indesejáveis, principalmente em alimentos e bebidas, vinhos inclusive.

A novidade do momento é que a ausência dos sulfitos na produção dos vinhos, um composto conservante, permite que estas aminas estejam presentes no produto final.

E, sim, são elas que causam a dor de cabeça ou a popular ressaca…

Desta forma, os vinhos “sem sulfitos” causam mais problemas do que os vinhos de produção tradicional. E muita gente se converteu a este estilo por esta razão.

O embate entre os dois “trends” anda bem animado. Não se sabe, ao certo, onde teve início a implicância com os compostos sulfurados. Estatisticamente, apenas 1% da população é sensível a eles, o que nem seria um problema para os apreciadores de um bom vinho, natural ou não.

Mas os naturalistas se apegaram a este fato com todas as forças, é quase um mantra. Não é difícil compreender seus motivos, a filosofia por trás desta linha é a da mínima intervenção – tudo que é necessário já está ali: a uva, as leveduras, nada de agrotóxicos, nada mecanizado. Quase que é só colher e deixar fermentar, sozinho…

Não sabemos se por opção ou por desconhecimento, omitem que, mesmo assim, alguns compostos sulfurados surgem durante o processo de fermentação. Quem segue está linha apenas não acrescenta mais nenhum. Por esta razão, os vinhos naturais, principalmente os brancos, não tem uma vida muito longa.

A discussão pode chegar bem mais longe. Um dos pontos mais polêmicos traz de volta, com outra roupagem, o “representar o terroir”. Os naturalistas afirmam que só os seus vinhos têm esta propriedade e que os demais seriam o resultado de uma grande química.

Nem tanto ao mar e nem tanto à terra!

Contrariar a ciência é complicado, ainda mais quando se usa alguma forma de negacionismo como ferramenta de marketing. Já vimos outras disputas como esta, por exemplo, velho mundo contra novo mundo; a “parkerização” dos vinhos; com madeira e sem madeira. Poderíamos fazer um longo texto somente com estas eternas discussões. Mas não chegaríamos a lugar nenhum, há espaços para todos.

Apenas lembrem-se: não julguem um vinho em função de uma possível dor de cabeça no dia seguinte.

Fiquem atentos:

– menos sulfitos implicam em mais aminas e uma chance maior de problemas, principalmente nos brancos;

– relaxe com preocupações como “terroir bem representado”. Tem que ser muito “bico fino” para entender e perceber o que é isso. Entre os apreciadores de vinho, mundo afora, a taxa de pessoas capazes de compreender este aspecto é ainda menor do que os que sofrem por alergia a sulfitos;

– um bom vinho não é definido apenas pelos aditivos que contém ou não. Há muito mais coisas envolvidas. As generalizações são sempre perigosas. Um dos maiores vinhos do mundo, o Romanée-Conti, não permite nenhuma mecanização em seus vinhedos. Cavalos são utilizados até hoje. E nem por isso se vende como “natural”;

– vinho é um produto comercializado da mesma forma que muitos outros que usamos de forma rotineira. Na maioria das vezes, algumas destas verdades mercadológicas não passam de belas embalagens que, quando abertas, estão vazias;

– vocês podem até não gostar, mas um vinho de 100 pontos é de se tirar o chapéu, seja tradicional, natural, esotérico ou do metaverso;

– e não dá dor de cabeça…

Saúde e bons vinhos!

Foto de abertura: Pixabay

Produtores chilenos investem nos orgânicos

Ninguém duvida mais da força dos orgânicos, denominação que abrange vinhedos e vinhos que seguem os princípios de técnicas como as biodinâmicas, naturais e algumas outras. A ideia é partir para um cultivo menos dependente de fertilizantes e pesticidas químicos, buscando uma visão de agricultura sustentável.

A nova geração de consumidores já demonstrou que é esse o tipo de produto que os agrada. Nesse conturbado período da pandemia, o consumo de vinhos elaborados dentro dessas filosofias cresceu muito, servindo de alerta para os grandes produtores.

Algumas vinícolas do Chile, que já haviam convertido seus vinhedos para um desses sistemas, com grande sucesso, estão formando uma associação para promover seus produtos orgânicos, seguindo o modelo da “Vinhateiros Orgânicos da Nova Zelândia” (OWNZ), segundo Jaime Valderrama, Diretor da Miguel Torres, em entrevista publicada no site The Drink Business.

Uma delas, a Emiliana, já se tornou uma referência no assunto. Tem sido premiada constantemente não só por seus excelentes vinhos, mas também pela completa conversão de seus vinhedos para o sistema biodinâmico. Outros nomes que já seguem por esse caminho são Odfjell, Koyle, Antyal, Matetic, Araucano (Lurton), Tipaume, Lapostole, Montesecano e a Miguel Torres, considerada a marca mais admirada em 2021. Além do Chile, também trabalha com os sistemas orgânicos em sua matriz espanhola.

Só podemos desejar sucesso!

Curiosamente, mais um movimento dentro destas filosofias vem se destacando nesse sempre inovador mundo dos vinhos: a agricultura do “não faça nada”.

Este peculiar método, proposto por Masanobu Fukuoka, um agricultor e microbiólogo japonês, vem se contrapor às técnicas biodinâmicas, orgânicas e regenerativas, consideradas, por ele, muito intervencionistas.

Ousado!

Também conhecida como cultivo selvagem, já conquistou um pequeno grupo de adeptos espalhados por diversas regiões produtoras. O risco é alto, mas já existem histórias de relativo sucesso, principalmente entre micro vinhateiros com reduzida capacidade de investimento em modernas tecnologias.

Por enquanto são experimentos. A proposta original de Fukuoka era sobre o plantio de arroz e frutas cítricas. Até chegar numa vinha, o caminho ainda é incerto e tortuoso.

Apenas para o registro, podemos encontrar vinhedos manejados assim nos vales do Willamette, Oregon, do rio Struma, Bulgária, do rio Ródano, França, de Los Cinti, Bolívia e na ilha de Maiorca, Espanha.

Nada mau!

Não deixa de ser intrigante. É uma proposta fora do comum que trouxe lembranças de um grande amigo, que já se foi. Tinha como mote a seguinte frase:

“Na dúvida, não faça nada”!

Saúde e bons vinhos!

Uma aula sobre vinhos e o Brasil

Quem vai ministrar esta aula é, ninguém menos, que Luís Henrique Zanini (foto), um dos mais importantes enólogos brasileiros, responsável pela vinícola Era dos Ventos. Uma de suas mais famosas criações é o primeiro vinho “laranja” brasileiro, o Peverella, elaborado pela 1ª vez em 2001.

Antes temos que contar uma aventura que se tornou uma iniciativa, no mínimo brilhante, de Lis Cereja, proprietária da Enoteca Saint Vin Saint, em São Paulo, e do cineasta Fabio Knoll.

Viajaram até a Serra Gaúcha para entrevistar Eduardo Zenker (Arte da Vinha), um produtor de vinhos artesanais que havia passado por uma desagradável experiência decorrente de denúncia anônima: seus vinhos foram considerados inadequados pela Vigilância Sanitária e proibidos de serem comercializados. Tudo por conta de uma legislação caduca, ineficiente ou mesmo inexistente.

Zenker não é o único produtor de vinhos artesanais no país, o que levou a dupla Lis e Fabio a gravarem uma série de outras entrevistas e as editarem na forma de documentários sob o título Freerange. Doc ou simplesmente Criado Solto.

Este é o link para o site deles: http://www.criadosolto.com/freerange-doc/

A foto que ilustra esta matéria foi copiada da galeria do site. É maravilhoso passear pelas lindas fotos apresentadas ali: Freerange.doc

Selecionei o vídeo sobre o Zanini para mostrar este outro mundo aos leitores do O Boletim do Vinho.

Um pouco de sua filosofia para entrar no clima:

“Vinhos de verdade são vinhos naturais, e o vinho natural é mais saudável para a terra, para o homem, para o planeta. Para o vinhateiro e para o bebedor. No momento que nos aproximamos da terra ela nos guia e nos ensina tudo. Tudo é uma troca e temos que tratar bem a terra, pois assim ela nos dará bons frutos, e bons vinhos”.

Entendam o que faz ser tão complicado produzir vinhos no Brasil e porque devemos prestigiar, cada vez mais, o nosso produto.

Outras entrevistas já disponíveis: (cliquem nos nomes)

Eduardo Zenker

Acir Boroto/Famiglia Borotto

Lizete Vicari | José Augusto Fasolo

Obrigado Lis, Fabio, Zenker, Zanini, Boroto, Vicari, Fasolo e todos os pequenos produtores de vinho no Brasil.

Saúde e bons vinhos!

A classificação “Vin Méthode Nature”

Quando a geração do milênio menciona “vinho” quase sempre estão se referindo aos vinhos “naturais”, sejam eles orgânicos, biodinâmicos, veganos e mais algumas denominações.

Há uma certa desordem neste crescente e importante segmento. Alguns destes nomes se misturam não havendo definições bem claras sobre o que é um e o que é o outro. Uma das críticas que fazemos é quanto ao emprego do termo “natural”, sugerindo que os demais vinhos seriam, ao pé da letra, “artificiais”.

Uma organização francesa, Le Syndicat de défense des vins naturels, fundado em 2019, tem por objetivo proteger este tipo de vinho e seus produtores perante as instituições públicas e outras organizações do setor. Introduziu a classificação, “Vin méthode Nature” e seu selo, para ser usado nos rótulos. Pretende, também, estimular o diálogo entre uma comunidade de produtores, consumidores e profissionais do vinho.

As regras de inclusão são as seguintes:

1 – O vinho deve ser elaborado com 100% de uvas, de qualquer origem, desde que cultivadas em sistema de agricultura biológica e certificada;

2 – Colheita manual;

3 – Fermentação por leveduras indígenas;

4 – Vedado o uso de qualquer aditivo;

5 – Não é permitida nenhuma modificação no padrão das uvas;

6 – Não devem ser empregadas técnicas brutais ou traumatizantes, como osmose reversa, filtragens, termo vinificação etc.;

7 – Controle rigoroso no uso de Sulfitos – há um limite de 30mg/l, o que implica numa classificação própria.

Além destas regras de produção, há um extenso capítulo sobre a rotulagem e apresentação de fichas técnicas, solicitando extrema clareza no que for declarado.

Dois selos estão disponíveis, conforme a ilustração que abre esta matéria: vinhos sem Sulfitos e vinhos com 30mg/l máximo.

Produtores de qualquer país podem se associar e pedir a classificação de seus produtos. A adesão tem sido ótima, conforme o mapa a seguir:

Os produtores das Américas, Austrália e Nova Zelândia ainda não adotaram esta classificação. A maioria são produtores europeus e alguns na Ásia. As cores mostram quem é produtor de uvas, vinhateiros, negociants e quais as regiões francesas que dão origem a estes vinhos. Mais informações neste link, em francês:

Vin méthode Nature

Gostaríamos de ressaltar que esta é mais uma classificação. Ela se soma a muitas outras que já existem, não substituindo nenhuma delas. Por exemplo, podemos ter um Grand Cru Classé de Bordeaux com um destes selos, sem problemas.

Outro ponto que deve ser notado e respeitado é o emprego da palavra “nature” em vez de “naturel”. Significa natureza, em tradução direta. Vin méthode Nature pode ser traduzido como vinho do método da natureza. Nada mais correto pois traz a nítida sensação que os produtores buscam as formas mais primitivas e originais de cultivo e produção, com os devidos corolários de vidas mais simples, menos estressantes e ricas de conhecimento.

Há um longo caminho a ser percorrido. Nem pensem em comparar, de forma direta, estes vinhos com os clássicos que estamos habituados – seria o mesmo que a tradicional comparação de bananas com laranjas.

Vinhos ditos “Nature” são uma categoria “per se”. Dentro dela existirão bons e maus vinhos. Não há como fugir disso. Para os consumidores antenados com esta modalidade é mais uma garantia de que estão consumindo um vinho de qualidade.

Parodiando o Jogo do Bicho, no rótulo deveria constar o seguinte jargão:

“Vale o que está escrito”!

Saúde e bons vinhos!

O que é Pétillant Naturel ou Pét-Nat?

Pét-Nat brasileiros no Cru Natural Wine bar

No idioma francês, Pétillant significa efervescente, gasoso, espumante. Junte tudo isto e chame, simplesmente, de avô do Champagne.

Produzido através de um método conhecido como Ancestral, ou uma só fermentação. Parte dela ocorre na garrafa. Os espumantes atuais usam o método tradicional, que prevê duas fermentações, separadas.

Sua descoberta foi acidental. Segundo alguns historiadores do vinho, lá pelos anos 1500, um monge da Abadia Beneditina de Saint Hilaire, França, notou que bolhas estavam se formando no vinho que fora engarrafado no inverno.

Naquela época, a fermentação ainda não era totalmente compreendida e as técnicas de controle eram muito rudimentares. Para os vinhateiros, assim que o vinho parava de fermentar, no clima frio, era a hora de engarrafar.

O que o monge beneditino descobriu, sem saber do que se tratava, foi que com a chegada da primavera e temperaturas mais elevadas, o açúcar residual estimularia a retomada daquela fermentação.

Nascia o Pét-Nat.

Um ponto é muito importante para que se entenda a fundamental diferença para os demais espumantes: esta fermentação na garrafa acontece naturalmente, não é induzida, como no Champagne, por exemplo.

Numa explicação bem simples, o vinho seria engarrafado antes de toda a fermentação ser concluída.

Este processo acabou sendo superado por outras técnicas e ficou esquecido por várias décadas. Somente nos anos 90, novamente, por acaso, o produtor de Vouvray, Christian Chaussard, um dos Papas do vinho natural, notou que o açúcar residual em alguns dos seus vinhos haviam estimulado um novo ciclo fermentativo.

Renascia o Pét-Nat, sob a égide dos vinhos elaborados com pouca interferência ou manipulação.

Foi um longo caminho até 2011, quando pode-se afirmar que estes leves e deliciosos espumantes ganharam popularidade. Se tornaram uma espécie de cartão de visitas dos produtores deste segmento. Estão sendo elaborados em todos os países produtores, cada um com sua personalidade.

São simples, pouco alcoólicos e com regras de produção nada complicadas.

Some-se a isto tudo a sintonia e o respeito com as produções mais artesanais que encantam as gerações do milênio e posteriores. Estes simpáticos vinhos espumantes, com rótulos irreverentes e chapinha de garrafa, voltaram para ficar.

Já tiveram a oportunidade de provar?

Não sabem o que estão perdendo!

Saúde e ótimos Pét-Nat.

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