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Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – III

O segundo dia no Pinhão prometia uma aventura bem diferente. Nosso destino era a conhecida Quinta do Crasto. Partiríamos de barco pelo Rio Douro num percurso de 1 hora até o Ferrão, um pequeno cais de onde um “transfer” nos levaria morro acima até a vinícola.
Às 11h, de acordo com a nossa agenda, estávamos à bordo do Pipadouro, partindo logo em seguida para um tranquilo passeio, singrando o rio e observando a linda paisagem em ambas margens. Para animar, foi servido um Evel branco, saboroso corte das castas Rabigato, Arinto, Viosinho e Fernão Pires, produzido numa das muitas quintas da Real Companhia Velha.
 
Honestamente, um luxo só, estávamos nos sentindo muito VIPs com este tratamento todo. Vejam as imagens:
 
 
 
Este passeio custa 35€ por pessoa e dura 2 horas. No nosso caso, como tínhamos uma visita e almoço agendados, desembarcamos no “Cais do Ferrão” após 1 hora de viagem. Foi agradável, mas achamos que ficaram nos devendo mais uma hora de passeio…
 
No desembarque, novas surpresas nos aguardavam: o nosso “transfer” era um simpático caminhão marca Bedford da década de 50, devidamente preparado para transportar os visitantes morro acima.

Eu achei muito interessante e bem dentro do espírito deste tipo de visita. Tudo nesta região respira tradição, inclusive a modernidade que é encontrada nos robôs que simulam o pisa-a-pé; os atuais tanques de fermentação com temperatura controlada; ou em outros equipamentos de ponta. Alta tecnologia, mas com um ar de pompa e circunstância de antigamente. Novamente, me senti “o rei do pedaço”, no alto da carroceria. A foto que está logo abaixo bem que merecia uma legenda como “Quinta do Crasto, aqui vou eu”!
 
 
Com localização privilegiada na Região Demarcada do Douro, esta empresa é propriedade da família de Leonor e Jorge Roquette há mais de um século. Como costuma ser com as grandes Quintas do Douro, a origem da Quinta do Crasto remonta a tempos longínquos – o nome Crasto deriva do latim “castrum”, que significa forte romano. Produzem vinhos brancos, tintos e do Porto além de deliciosos azeites. Importantes investimentos realizados nos últimos anos permitiram modernizar as vinhas e as instalações de vinificação. Utilizam as mais avançadas tecnologias, conjugadas com o tradicional método de pisa-a-pé em lagares.
 
 
 
Chamou a nossa atenção o formato tronco cônico dos tanques. Tem alguma semelhança com os ovais mostrado em colunas anteriores. Esta tecnologia é bem recente e, definitivamente, influi positivamente no resultado final.
 
Depois do recorrido nas instalações fomos levados para o local do nosso almoço, que foi previamente encomendado com base no programa abaixo.
 
 
 
 
Nossa escolha foi o Arroz de Pato. Estava delicioso e harmonizou corretamente com os vinhos oferecidos. A vista, deslumbrante, nos deixou maravilhados com o local, difícil foi ter que deixar isto para trás e voltar para o hotel.
 
 
 
O estilo duriense de receber os visitantes tem uma característica própria que enfatiza mais o estilo de vida, a gente e os vinhos, um trinômio indissolúvel. No almoço, não há aquela preocupação de harmonizar isto com aquilo. Tudo estava ao nosso alcance, os vinhos “eram nossos”, segundo um atendente, o que significava que estávamos livre para fazer as nossas próprias combinações.
 
Ao final, na hora da sobremesa, foi servido um queijo tipo Serra da Estrela, delicioso, no ponto certo, fez a alegria de todos. Eu experimentei com todos os vinhos que foram oferecidos até fazer a minha escolha. Sensacional!
 
Um resumo do que foi degustado:
 
Quinta do Crasto Branco 2012: Elaborado com Gouveio, Viosinho e Rabigato. Cloração citrino. Excelente intensidade e frescura aromática, onde se destacam notas de lima, maracujá, flor de laranjeira, e vibrante mineralidade. No palato apresenta início envolvente, evoluindo para um vinho com excelente volume, acidez e estrutura, tudo em perfeito equilíbrio com notas de grande frescura e profunda mineralidade. Termina vibrante, fresco e persistente.
 
Crasto Douro Tinto 2012: Elaborado com Tinta Roriz, Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Barroca. Coloração Violeta intenso. Perfeita projeção de aromas de frutos silvestres do Douro de grande frescura e intensidade, muito bem integrados com suaves notas florais. Na boca é elegante, com volume correto, taninos redondos de textura fina que lhe conferem uma estrutura em perfeito equilíbrio. Muito rico em notas de frutos silvestres frescas que consolidam um conjunto harmonioso. Boa persistência.
 
Crasto Superior Tinto 2011: Vinificado a partir das castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Souzão e Vinha Velha. Coloração violeta intenso. Ótima expressão e intensidade aromática, onde se destacam frescos frutos silvestres, em perfeita harmonia com elegantes notas de esteva (uma flor), e suaves especiarias. No paladar tem início fresco, evoluindo para um vinho sério, de excelente volume, e estrutura compacta, onde se destacam taninos redondos e firmes. Termina persistente com agradáveis sensações de frutos silvestres em perfeita integração com especiaria fresca.
 
Quinta do Crasto Vinhas Velhas 2011: Vinificado a partir de Vinhas Velhas (25 a 30 castas diferentes, inclusive brancas). Coloração rubi carregado. Fantástica expressão, concentração e complexidade aromática, onde se destacam frutos silvestres do Douro, em perfeita harmonia com suaves notas de especiaria e aromas frescos de cacau e esteva. Ataque poderoso no palato, evoluindo para um vinho muito elegante, de excelente densidade. Taninos de textura muito fina, em perfeita envolvência com frescos sabores de frutos silvestres do Douro. Termina longo e muito persistente, com uma agradável sensação de frescura. Elevado potencial de envelhecimento.
 
Quinta do Crasto LBV 2008: Obtido a partir de Vinhas Velhas (mistura de castas). Coloração violeta muito escuro. Impressiona pela fantástica frescura e exuberância aromática, que apresenta distintos aromas de frutos silvestres do Douro, muito bem integrados com elegantes notas de flor de esteva. Início harmonioso, de perfil muito elegante. Estrutura compacta, de volume correto, com taninos redondos. Textura fina e excelente profundidade. Final intenso, elegante, muito fresco e de excelente persistência.
 
Nosso retorno estava programado por volta das 15h. Seria de trem, que passa pontualmente às 15:27 na estação do Ferrão que fica ao lado do cais. Depois de uma curta viagem de 5 minutos, a um custo de 1,50€ por pessoa, o que nos fez achar que foi um mau negócio a ida de barco, exceto pelo visual, desembarcamos na estação do Pinhão com seus azulejos classificados como Patrimônio da Humanidade.
 
 
 
Este dia ainda teria mais uma surpresa, a visita do amigo Maurício Gouveia, sua esposa e filha que vieram de Mirandela e nos levariam até Vila Real. Mas este episódio fica para a última coluna desta série.
 
Nosso próximo destino: Quinta das Carvalhas.
 
Dica da Semana:  qualquer dos vinhos citados seria uma ótima escolha. Optamos por indicar um delicioso branco que foi descoberto numa prova aqui no Rio de Janeiro.
 
 
MC-Maria do Céu Reserva Branco 2012
 
Vinificado com as castas Malvasia, Moscatel Galego e Gouveio.
Apresenta cor amarelo palha, aromas de flor de laranjeira menta, chá de ervas e um leve toque fumado devido à sua fermentação em barricas.
Na boca é um vinho encorpado, fresco e equilibrado, com carácter gastronómico.
 

Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – II

Pinhão é uma freguesia do concelho de Alijó com 3Km2 de área e população em torno de 700 habitantes. Situada na margem direita do rio Douro, no centro da região demarcada do Vinho do Porto, onde estão localizadas várias quintas produtoras. A paisagem do Pinhão está classificada pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade.
 
A chegada, de carro, é cinematográfica. A estrada margeia o lado esquerdo do rio terminando na ponte que cruza o Douro e nos deixa na porta do nosso hotel, o Vintage House.
 
 
 
Depois de acomodados, saímos em busca do almoço. O restaurante do hotel, excelente por sinal, oferecia um menu harmonizado que optamos por experimentar no jantar. Indicaram-nos uma alternativa, o Veladouro, localizado à curta distância. Fomos caminhando pela bonita orla do cais.
 
Não era bem o que esperávamos. Uma casa simples, confortável, especializada em grelhados. Nada de alta gastronomia. Optamos por compartilhar um Bacalhau com Batatas, que estava muito seco e uma Dourada que achei correta, embora o peixe fosse servido inteiro, exigindo um paciente trabalho de remover as espinhas.
 
Melhor estava o vinho. Escolhemos um Pedra Cancela branco, da região do Dão (embora estivéssemos no Douro). Elaborado a partir das castas Encruzado, Cercial e Malvasia Fina recebeu 15 pontos (15/20) do Guia Vinhos de Portugal de João Paulo Martins. Foi um bom acompanhante para este dia de temperatura inesperadamente alta para a época. Mostrou leve notas de feno e vegetais secos no aroma além de fruta madura. Nada de cítricos, o que o torna diferente da média. Boa acidez, fresco e fácil de beber.
 
 
Nosso próximo compromisso seria às 18h quando visitaríamos a Quinta do Seixo (pertence à poderosa SOGRAPE) onde é produzido o Porto Sandeman, uma das marcas mais conhecidas internacionalmente. Fica a 5 minutos de carro.


Sandeman

 

 
Esta foi a única vista não agendada previamente. Assim que chegamos ao nosso hotel solicitamos que nos reservassem um horário. Conseguimos o último disponível neste dia. É uma visita clássica, orientada para o turista curioso e não para um especialista. Mas surpreendeu pela simpatia de nossa guia e pela qualidade de tudo que nos foi apresentado ou servido. Na chegada selecionamos qual tipo de visitação gostaríamos de fazer: os homens optaram pela “Vintage” com uma degustação com 5 vinhos do Porto incluindo o premiado “Vau Vintage” (16€ pax); as esposas preferiram a opção “Clássica” (6€ pax) com degustação de 2 vinhos apenas. O tour é o mesmo para todos.
 
Passamos para uma pequena antessala onde somos recebidos pela nossa simpática guia que vem caracterizada como o “Don”, o cavalheiro que está no logotipo da empresa. Ela explica que se trata de uma dupla homenagem: “O “Sandeman Don” é uma das primeiras imagens de marca criada no mundo e o primeiro grande ícone no mundo dos vinhos. Foi pintado, em 1928, por George Massiot Brown e, com a sua capa negra de estudante de Coimbra e o “sombrero” típico de Jerez, ainda hoje mantém toda a sua mística e atração, representando o mistério e a sensualidade da marca Sandeman”.
 
Esta imagem teria inspirado, entre outros heróis da ficção que usam capas, a do Zorro, alter ego de Don Diego de la Vega.
 
O passeio é interessante e fácil. Passamos pelos lagares onde as uvas são processadas, observamos um recorte do subsolo, a cave de envelhecimento, assistimos a um rápido filme institucional e fomos conduzidos para o conjunto sala de degustação e loja. A imagens falam por si.
 
 
Apesar de pouco técnica, foi uma bela introdução ao mundo das vinícolas do Douro. Os vinhos provados estavam ótimos.

Para encerrar este primeiro e movimentado dia, depois de alguns momentos de descanso, provamos o jantar harmonizado com os bons vinhos da Quinta da Pedra Alta, no luxuoso restaurante Rabelo. Um cardápio de 4 etapas.

1º passo:

Melão com presunto e geleia vermelha
Porto Branco Seco Reserva

 
Interessante combinação (a foto do prato se perdeu). O vinho do Porto está em fase de modernização numa tentativa de reaquecer o seu consumo que, hoje, está restrito a grandes comemorações e pessoas idosas. Jovens não se interessam. Este branco, consumido gelado, é uma das opções para conquistar novos apreciadores.


2º passo:

Massa folhada recheada com Alheira e Pasta de Azeitonas
Quinta da Pedra Alta Branco Reserva 2011

 
Elaborado com as castas Malvasia Fina, Rabigato e Gouveio, se mostrou equilibrado e agradável de beber. Ótima combinação com o sabor marcante das Alheiras, um embutido condimentado produzido a partir de carne de aves.


3º passo:

Pato Mudo – corte da ave caramelizado acompanhado de Purê de Batata
Quinta da Pedra Alta DOC Douro (15,5/20)

 
Um corte de Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Tinta Barroca com agradável acidez e taninos finos. Boa presença de frutas maduras que harmonizaram delicadamente com o toque de caramelo da ave. Aprovado!


4º passo:

Maçã Assada, Sorvete de Creme e Frutas Vermelhas
Porto LBV Quinta da Pedra Alta

 
Harmonização clássica que encerou esta boa refeição.

Nossa próxima etapa: Quinta do Crasto.

Dica da Semana:  um porto branco para inovar os drinques de verão: Portonic e Caipiporto.

Porto Cálem Velhotes Fine White

Portonic – Num copo alto com gelo sirva 1 dose de Porto Branco Seco e complete com água tônica bem gelada. Decore com uma rodela de limão.

Caipiporto – num copo baixo coloque 4 gomos de Lima da Pérsia, gelo picado e açúcar a gosto. Esmague até obter um bom sumo. Cubra com generosa dose de Porto Branco seco.

Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – I

Mais uma grande aventura, desta vez em terras do Velho Mundo. O principal objetivo era conhecer a região do Douro, Portugal, onde é produzido o famoso vinho do Porto e também alguns dos melhores vinhos de alta gama deste tradicional país produtor. Aproveitamos a oportunidade para experimentar a sempre sofisticada gastronomia espanhola e alguns de seus vinhos icônicos.
 
Nosso roteiro começou por Madrid onde ficamos um par de dias. Depois, a bordo de um confortável automóvel, passeamos por Ávila, Salamanca, Pinhão, Vila Real, Peso da Régua, Porto, Óbidos, Sintra e Lisboa. Foram 10 dias e muito chão. Visitamos algumas Quintas no Alto Douro onde conhecemos pessoas encantadoras, restaurantes deliciosos e vinhos espetaculares.
 
Ao contrário de outros relatos das nossas viagens, este será mais focado no aspecto enogastronômico. Começamos pela nossa estadia em Madrid.
 
O Restaurante Estay
 
 
Com um estilo que se intitula “Pinchos & Vinos” procura unir a ideia das Tapas, pequenos bocados, com alta gastronomia. Um ambiente muito acolhedor e confortável com um cardápio para se pedir todas as opções e passar longas horas desfrutando boa comida e bons vinhos.
 
 
Para acompanhar a diversidade de pequenas porções escolhidas (Queso puro de Oveja, Jamón Bellota, Crepe de Txangurro, etc.) selecionamos uma ótima Cava, a Juve y Camps Rose Brut de Pinot Noir, que harmonizou corretamente.
 
Este produtor já recebeu diversos prêmios por suas Cavas, talvez as melhores do país. A ilustração a seguir mostra as medalhas ou notas deste espumante.
 
 
Na nossa segunda e última noite na capital espanhola fomos nos divertir na tradicional Bodega de La Ardosa, uma casa fundada em 1892. Um ambiente que nos leva de volta no tempo. Oferece um cardápio das mais tradicionais tapas e uma seleção de bebidas que passeiam desde a boa cerveja até um vermute tirado diretamente do barril, como se fosse o nosso Chopp.
 
 
Na manhã seguinte partimos para Salamanca.
 
Bar Tapas 2.0, Salamanca
 
Este foi o local escolhido para o almoço na chegada a esta cidade universitária, cheia de história. Muito interessante ser chamado de “Gastrotasca”, praticamente um bar de rua, sem nenhuma pretensão. Mas tudo que nos foi servido estava delicioso. Para acompanhar um grande vinho: Predicador!
 
 
Elaborado por Benjamin Romeo, autor do consagrado Contador (100 pts Parker), este vinho, embora jovem (2012) já mostrava excelentes qualidades. Um corte de 94% de Tempranillo e 6% de Garnacha, que estagiou por 15 meses em barricas de carvalho francês de 1º uso.
 
O nome é uma homenagem ao eterno personagem de Clint Eastwood, “The Preacher”, reparem no chapéu do rótulo. Excelente vinho.
 
Restaurante El Monje, Salamanca
 
Para a despedida, jantamos num dos melhores da cidade. Ambiente elegantíssimo, comida refinada e uma carta de vinhos que nos deixou cheio de dúvidas sobre qual escolher. Decidimos pelo Abadia Retuerta Selecion Especial 2009, um clássico da região de Castilla e Leon (Sardon del Duero). A safra de 2001 foi considerada a melhor do mundo no International Wine Challenge de 2005. Um delicioso e complexo corte de 75% Tempranillo, 15% Cabernet Sauvignon e 10% Syrah que estagiou por 16 meses em barricas de carvalho francês e americano.
 
 
Plagiando o lema da vinícola: “um trabalho bem feito”. Ficou perfeito com os pratos pedidos, inclusive com o meu polvo, acreditem.
 
 
Próxima parada: Pinhão, no coração do Douro, Portugal.
 
Dica da Semana:  o irmão menor do melhor vinho degustado na Espanha.
 
Abadia Retuerta Rívola 2009
60% Tempranillo, 40% Cabernet Sauvignon
Cor cereja intenso, lágrima densa e transparente.
No nariz, se mostra apurado, com aromas complexos: morango, café, alcaçuz, pimenta negra, cacau.
Na boca, é redondo, frutado muita fruta roxa, barrica, caramelo e toque mineral.
Robert Parker: 88 pontos
 
 
 

Conselhos de José Peñin

José Peñín é o mais prolífico escritor sobre temas vitivinícolas na língua espanhola e autor do principal guia vinícola espanhol, que leva o seu nome. Muito respeitado por seus colegas inclusive em nível internacional, já percorreu quase todas as regiões produtoras do mundo seja visitando, fazendo palestras ou participando de importantes concursos. É considerado um grande juiz da qualidade dos vinhos.
 
Nesta sua pagina da Internet (http://jpenin.guiapenin.com/2013/08/15/10-topicos-del-vino-a-eliminar/) estão comentados alguns tópicos que ele sugere que devem ser repensados.
 
Apresento a seguir, traduzidos e adaptados, os pontos que considerei como mais relevantes. Boa leitura!
 
– “Alguns produtos de consumo, como o vinho e alimentos, estão contaminados por certas crenças difundidas através do “boca a boca” que alimentam, como no caso do vinho, uma suspeita de que a valorização alcançada por esta bebida seja uma fraude histórica, crença outrora comum. Quanto à comida, acontece o mesmo, por se considerar que aquilo que está perto ou é familiar sempre é melhor do que uma cozinha pública.
 
Infelizmente, tem-se levado mais em consideração o comentário do amigo ou do vizinho do que aquilo que está escrito ou que consta de publicações especializadas. A grande imprensa, capaz de penetrar todas as esferas da sociedade, tem sido, de certa forma, responsável por essas atitudes, porque não percebeu a necessidade de um aprendizado prévio ou de um maior interesse por um tema que, na vida diária (segundo eles), não mereceria maior aprofundamento. Entre todos os assuntos, nunca houve uma distância tão grande entre generalistas e especialistas como no vinho.
 
1 – O VINHO TINTO MELHORA COM O TEMPO
 
O tinto não melhora, simplesmente muda. O tinto só se situa no lugar que lhe corresponde organolepticamente aos 4 ou 5 meses depois de engarrafado, ou seja, suas condições e características estarão equilibradas. Neste momento, o vinho pode estar fechado do ponto de vista aromático, o carvalho sobressai e no caso dos brancos e dos tintos leves, percebem-se as matizes secundárias da fermentação (matizes falsas de frutas tropicais e leveduras), que podem perdurar por até 5 meses depois da elaboração.
 
A partir deste período, o vinho vai adquirindo, com o passar dos anos, novas matizes (notas de tabaco, couro, frutos secos), mas também vai perdendo as especificidades da sua variedade e as notas minerais.
 
2 – VINHOS BRANCOS COM PEIXES E TINTOS COM CARNES
 
Generalizando, não é tanto o tipo do vinho que importa, mas a sua estrutura. Um vinho branco com 13,5º de teor alcoólico ou mais, que passou por madeira ou foi fermentado numa barrica, possui volume e “peso” na boca suficientes para acompanhar uma carne, enquanto um tinto leve e fresco pode harmonizar com um peixe.
 
Apesar disto, o vinho branco é melhor opção que um tinto para combinar com qualquer proposta culinária. Não podemos esquecer que o tinto é mais contemporâneo que o branco que tem sido o vinho “de toda a vida”. O que os Cruzados bebiam com a carne? Brancos espessos e turvos.
 
3 – NÃO ENTENDO DE VINHO, MAS SEI DO QUE GOSTO E DO QUE NÃO
 
Uma frase repetida constantemente. Quando um apaixonado por vinhos se encontra com um especialista, se defende com esta frase. Mas ninguém afirma, por modéstia cultural, que não entende de arte, música ou livros. Por que temos que entender de vinhos para compará-los? O nosso paladar é o ponto mais sagrado. Preciso ser um especialista em informática para comprar um computador? Pesquiso numa boa loja ou numa revista especializada. Tenho que conhecer a vida e a obra dos melhores diretores de cinema para escolher um bom filme? Esta é a função da crítica. O importante é que o neófito tenha memória suficiente para lembrar-se do rótulo ou rótulos que lhe agradaram e, a partir daí, consultar um especialista ou buscar ou comparar com as críticas.
 
4 – O ROSADO É UM VINHO MENOR
 
Lamentavelmente, esta crença nasceu de uma prática muito comum nas bodegas de 20 anos atrás, quando se misturavam tintos e brancos para fazer um rosado que sempre obtinha o recorde de ser a marca mais barata do catálogo. “Um vinhos para os chineses”, se dizia então.
Um rosado, logicamente, deve ser o vinho jovem com um custo de produção superior, uma vez que a ortodoxia afirma que para elaborar um rosado tem-se que escolher somente a lágrima do vinho (o primeiro mosto que sai dos grãos da uva tinta quando comprimidos pelo peso dos cachos no depósito). Além disso, é o vinho, onde todos os cuidados para preservar a fruta são poucos. Suas características identificam melhor a personalidade da uva que o vinho tinto, isto no clima ibérico que exige uma colheita precoce e, portanto, feita no auge da maturação aromática da casta.
 
5 – VINHOS BRANCOS DURAM MENOS QUE OS TINTOS
 
Nem sempre. Se ambos os vinhos contam um equilíbrio entre álcool e acidez, a rolha está em bom estado e são mantidos a uma temperatura entre 15º e 18º, podem ser bebidos “sine die”. Tampouco está claro que os taninos da uva tinta e os aportados pela barrica sejam um fator de longevidade, uma vez que, com o tempo, estas moléculas se precipitam ao fundo da garrafa, embora sejam os elementos gustativos mais enriquecedores. Um branco de 20 anos na garrafa exibe essencialmente uma cor mais amarela com notas de frutas e ervas secas, traços que, com o equilíbrio de seus componentes, são perfeitamente assimilados.
 
6 – O ESPUMANTE É MELHOR COM A SOBREMESA
 
Outra herança do passado. Há uns 60 anos, a maioria dos vinhos espumantes eram doces ou meio doces (demi-sec). A própria origem desta bebida é doce, quando os vinhos da região de Champagne, até meados do século XIX, eram engarrafados sem terminar de fermentar, conservando a doçura do mosto e o gás carbônico do processo inacabado. Isto provocou o seu consumo com as sobremesas ou nas desenfreadas noites da “Belle Époque”. Hoje praticamente só se consome o Brut ou o Brut Nature, ou seja, um sabor seco que o torna mais adequado a ser consumido no aperitivo ou mesmo no transcurso da refeição.
 
7 – MULHERES PREFEREM VINHOS DOCES
 
Não existem vinhos para homens ou mulheres. Este provérbio se refere ao fato de a mulher ter incorporado a bebida alcoólica, no âmbito social, mais tarde (que os homens) e, neste caso, num primeiro contato de um neófito com o vinho, seja ele homem ou mulher, tende a preferir sabores adocicados, para depois ir incorporando ao seu paladar os sabores mais secos ou marcantes.
Ao contrário do esperado, a mulher conhecedora, devido à sua maior sensibilidade, é muito mais segura na hora de comprar qualquer vinho e vacila menos que o homem na hora da degustação. As gerações femininas atuais são mais sensíveis e menos radicais neste tema.
 
8 – VINHOS DE AUTOR
 
Todos os vinhos são de “autor”, uma vez que, por trás de cada marca existe uma equipe dirigida por um enólogo. Por tanto, temos que fugir do rótulo de “vinho de autor” quando usado como apelo comercial, isto não implica que seja melhor”.
 
Sábios conselhos!
 
Dica da Semana:  um bom rosado para confirmar o que Peñin escreveu.
 
 Memoro Rosato (Piccini)
Este cativante rosado é elaborado com uvas cultivadas em quatro regiões da Itália:
a Negroamaro vem da Puglia;
a Nero d’Ávola da Sicília;
a Montepulciano de Abruzzo e
a Merlot do Vêneto.
O objetivo foi elaborar um vinho saboroso e ao mesmo tempo capaz de transmitir seu fiel acento italiano.
 

Rótulos diferentes, estranhos e engraçados

Não há como negar: alguma vez compramos uma garrafa de vinho apenas porque gostamos do seu rótulo ou nome.
A função desta etiqueta colada na garrafa é esta mesmo, atrair o olhar do comprador, além de cumprir exigências legais de cada país produtor. Existem dezenas de escritórios de design especializados nesta tarefa. Não é uma escolha simples, muitas vezes o rótulo ou o que está nele define o caráter do vinho ou o do produtor que o elaborou. Mas alguns produtos transcendem estas regras básicas e elaboram verdadeiras joias, algumas com histórias fascinantes.

Uma delas é bem conhecida nossa, o famoso vinho da Concha y Toro “Casillero del Diablo”. Reza a lenda que o fundador desta importante vinícola, Don Melchor Concha y Toro se deu conta que estava sendo roubado por seus próprios empregados: à noite, entravam na cave e levavam os melhores vinhos que ali estavam repousando, justamente aqueles reservados para o patrão.

Em vez de colocar alarmes ou soltar cães ferozes, decidiu espalhar um boato que a adega subterrânea era a “câmara do diabo” (tradução de Casillero de Diablo), a morada de Belzebu, e quem acessasse aquele covil estaria condenado ao inferno. Funcionou.

Hoje em dia uma imagem de um diabinho saúda os visitantes que vão conhecer este local.

Outro rótulo curioso que já foi mencionado numa coluna anterior foi o “Le Cigarre Volant” ou “O Disco Voador”. O bem humorado produtor norte americano Randall Graham, um especialista nas castas típicas do Vale do Ródano, decidiu fazer uma fina gozação com uma lei francesa que proíbe o pouso de discos voadores nos vinhedos daquela região. Apesar da brincadeira, o vinho é delicioso.

Este outro rótulo diferente vem da França. Um produtor indignado com a falta de respeito dos legisladores com a casta Jurançon Noir, da região de Cahors, que não acataram um pedido de Denominação de Origem, se vingou colocando no rótulo do seu bom vinho toda a sua indignação, raiva e decepção:

A tradução literal seria “Vocês F*** Meu vinho” (este blog é familiar…). O prejuízo para o produtor com a falta da AOC (denominação de origem) é ter que vender seu produto como “de mesa”. Na França são os vinhos de qualidade inferior. Mas a piada é boa!

Um dos rótulos mais estranhos da Austrália é o “Dead Arm Shiraz” do famoso produtor D’Aremberg.

A tradução literal seria “Braço Morto”, uma referência a uma forte contusão no ombro que tem como consequência deixar o braço sem ação. Mas há uma interessante pegadinha: esta mesma expressão é usada para designar uma doença da videira. Parte dela fica morta e toda a energia da planta acaba sendo concentrada na parte que sobrevive. Este vinho é produzido com os cachos obtidos unicamente nas parreiras atacadas por esta doença. Um vinho único. Deste mesmo produtor vamos encontrar outros nomes estranhos como “Money Spider” (aranha do dinheiro) e “Twenty-Eight Road” (Rodovia 28).

A Nova Zelândia também tem seu rótulo esquisito: “Cat’s Pee on a Gooseberry Bush” ou “Xixi de Gato num Pé de Groselha”, um ótimo Sauvignon Blanc da região de Marlborough, reconhecida como o melhor terroir para esta casta. Por trás da história deste rótulo, muita ironia.

Surpreendidos pela qualidade e pelos diferentes aromas e sabores destes clássicos neozelandeses, os críticos adotaram algumas expressões bem deselegantes para defini-los em comparação com vinhos do Loire: “sweaty armpits” (axílas suadas); “freshly cut grass” (grama recém-cortada), entre outras.

A vinícola Coopers Creek percebeu uma oportunidade e capitalizou em cima destas expressões: apoderou-se de um bordão da respeitada crítica inglesa Jancis Robinson (cat’s pee) e batizou o seu vinho. Um dos presentes favoritos em festinhas de escritório…

Para terminar uma história que vem da Hungria e tem um curioso final brasileiro.

Durante a invasão conduzida pelo Sultão Suleimão o Magnífico, em 1552, os soldados que defendiam o Castelo de Eger eram motivados com uma deliciosa comida e grandes quantidades de um vinho tinto que bebiam constantemente. Durante os ataques do exército turco, os húngaros defendiam suas posições com bravura e ferocidade incomuns.

Para explicar tal disposição, corria um rumor entre os soldados turcos que os húngaros misturavam o vinho com sangue de touro. Esta seria a única explicação possível para tanta disposição em defender o Castelo. Cansados, os turcos desistiram do ataque e se retiraram. Vitória para os Húngaros!
O vinho foi batizado como “Egri Bikaver” (Sangue do Touro de Egri) numa bela homenagem.

Aqui no Brasil, embora não exista a lenda, temos uma bebida homônima, vendida como vinho embora seja produzido a partir de uvas comuns. Um campeão de vendas…

Homenagem, referência ou apenas uma coincidência?

Dica da Semana: já pensando nas festas de fim de ano um bom espumante para começar o estoque.

Cave Pericó Espumante Brut

Para a elaboração deste espumante Brut foram utilizadas as cepas Cabernet Sauvignon (60%) e Merlot(40%).
Apresenta uma coloração amarelo palha. Seu aroma é fino e delicado com notas de frutas brancas, pêra e maçã verde.
Em boca tem ótima acidez e equilíbrio, com boa cremosidade, muito persistente e com retro-olfato agradável e frutado.

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