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Um vinho bem equilibrado

Esta é uma das expressões mais utilizadas no jargão do vinho, tanto por produtores quanto por consumidores. Tem um significado amplo, representando a harmonia entre todas as características desejáveis num vinho.

Cinco fatores são dominantes na obtenção de um bem equilibrado vinho: álcool, taninos, acidez, açúcar e água. Mesmo em mão experientes, não é fácil ajustar todas essas características.

Tudo começa no vinhedo no momento que é decidida a colheita. Na composição da uva vamos encontrar água e um importante binômio – açúcar e acidez: quanto mais acidez, menos doçura e vice-versa.

Se a colheita for adiantada, o fator acidez será predominante e o resultado final não seria agradável de provar. Na colheita tardia a doçura será a principal característica, resultado nos chamados vinhos de sobremesa.

Colhidas no ponto ideal, haverá acidez suficiente e a quantidade certa de açúcares que serão convertidos em álcool, sem os quais o nosso vinho não passará de um glorificado e caro suco de uva.

Os taninos entram nesse cálculo de duas formas. A primeira é através das cascas, sementes e engaços. A outra decorre do armazenamento nos barris de carvalho. Desempenham um papel importante nessa equação, dando personalidade a nossa bebida. Se forem exagerados, aparece a famosa e desagradável sensação de boca seca. Se não estiverem presentes, o vinho fica sem graça. Os taninos são um dos fatores responsáveis pelo bom amadurecimento e envelhecimento dos vinhos.

A fórmula se completa com a água, ela representa, na média, 85% do volume do vinho. Para deixar claro, não se adiciona água na elaboração, ela decorre do mosto obtido das uvas.

Mesmo os mais habilidosos malabaristas teriam enorme dificuldade em equilibrar isso tudo. Para os produtores há mais dificuldades decorrentes dos fatores climáticos e alguns outros de ordem cultural.

Climas mais quentes tendem a produzir uvas com maior teor de açúcar o que implica em teores alcoólicos mais elevados (a recíproca é verdadeira). Em algumas regiões, esse teor elevado é visto com bons olhos e a definição de “equilibrado” fica desajustada por essa razão.

Atualmente não há mais um consenso: cada região produtora vai buscar o seu ponto de equilíbrio, relativo, para atender ao seu público consumidor, afinal, esse é o objetivo – vender o vinho.

Aos cinco fatores que originalmente definiam o equilíbrio de um vinho devemos, agora, acrescentar mais um, a percepção individual.

Como consequência, vamos encontrar diferentes noções do que seja “um vinho bem equilibrado” entre os diversos grupos que frequentamos: o seu vinho harmônico pode não ser o meu vinho bem equilibrado.

Pensem nisso.

Saúde e bons vinhos!

Créditos da foto:

“Balance scale” por Sepehr Ehsani está licenciada sob CC BY-NC-ND 2.0

Guardando vinhos: o que você deve ou não fazer…

Guardar vinhos pode ser uma atividade muito recompensante. Mas, se alguns procedimentos básicos não forem seguidos, pode se transformar numa tremenda dor de cabeça.

Vamos abordar alguns pontos chaves para que tudo seja um sucesso.

– Podemos guardar todo e qualquer vinho?

Sendo muito objetivo, a resposta é não. Há vinhos que devem ser guardados, há vinhos que foram elaborados para serem consumidos “jovens” e, como se isso não bastasse, há vinhos em que podemos arriscar guardar por um período.

– Como saber quem é quem?

Antes de mais nada, para iniciar uma coleção de vinhos é preciso ter uma boa base de conhecimentos sobre o assunto, um local adequado ou uma adega climatizada e um mínimo de organização.

Algumas castas se prestam mais a serem adegadas do que outras. Isso também é válido com relação à origem do vinho (região e produtor) e a forma como foi elaborado, informação que consta das fichas técnicas de produção, disponíveis nos sites das boas vinícolas.

Vinhos clássicos, como os franceses de Bordéus ou da Borgonha, ícones italianos como o Barolo, Brunello e Amarone ou grandes rótulos espanhóis e portugueses, são comercializados com essa ideia: compre e guarde…

Vinícolas do Novo Mundo preferem indicar determinados rótulos como “vinho de guarda”, o que dispensa maiores comentários. Por último, temos que levar em conta o fator preço. Nesse caso, inverta o raciocínio: os vinhos mais baratos não se prestam a isso.

– Como e onde guardar?

Aqui vale o bom senso: evite locais quentes e úmidos. Prefira ambientes com pouca incidência luminosa e bem ventilados. Outro detalhe que passa despercebido é evitar trepidações, por exemplo, decorrentes de motores de bomba de água, elevadores ou mesmo de ferramentas usadas em reformas de imóveis como marteletes e assemelhados.

Vinhos tranquilos devem ser guardados na posição horizontal enquanto os espumantes devem ficar na posição vertical.

– O que não devemos fazer?

A luz ultravioleta é o grande inimigo dos vinhos. Não é à toa que os grandes vinhos estão acondicionados em garrafas escuras, inclusive alguns brancos e os principais champagnes e espumantes. Nunca deixe suas garrafas ao sol ou as submeta a calores acima da média.

Não abandone sua adega. Visite-a periodicamente observando o estado das cápsulas e das rolhas. Manuseie cuidadosamente cada garrafa, examinado o gargalo contra a luz de uma lanterna. Procure por vazamentos, sinais de ressecamento e odores estranhos.

– Como organizar a adega?

O método mais simples é separar os vinhos por regiões e ordená-los por safras. Por exemplo, vinhos mais jovens ficam mais ao alto, enquanto vinhos mais velhos na parte inferior. Assim é mais fácil localizar uma garrafa específica ou pegar um vinho para o dia a dia.

Faça uma anotação esquemática da sua arrumação num caderno de notas ou use algum sistema de identificação em cada garrafa. Na foto que ilustra a matéria é possível perceber uma etiqueta colocada no gargalo. Ali estão, de forma clara, nome do vinho, safra e data em que foi adegado.

Por quanto tempo podemos guardar?

Vinhos brancos e rosados são os que menos se beneficiam de guardas prolongadas: 3 anos é um bom período, nas condições ideais. Vinhos tintos, dependendo de suas origens, podem começar a ficar interessantes após 10 anos de guarda. Na média, 4 a 6 anos já acrescentam novas e intrigantes camadas de aromas e sabores.

Um conselho final: mesmo que sua coleção não ultrapasse umas poucas garrafas, considerem investir numa adega climatizada. É uma tranquilidade que permite cometer alguns exageros, como os vinhos da foto: um Barolo de 18 anos e um Pinot Noir de 14 anos.

Saúde e bons vinhos!

Vinhos não safrados

Qualquer enófilo experiente está sempre ligado nas informações sobre as safras. São importantes, sem dúvidas. No mínimo ajudam e definir qual a melhor compra na hora de escolher este ou aquele rótulo. Para alguns, a safra é o fator decisivo até na hora de tirar a rolha – vira quase uma religião.

Em 2015, publicamos uma matéria sobre o tema, cujo link está abaixo. Mas atenção: ainda não foi revisada e a indicação de uma tabela de safras, ao final, não funciona mais.

A Safra do vinho é relevante?

O tema desta semana é quase uma antítese: vinhos que não são safrados. Existem, são bastante comuns e, muitas vezes, famosos.

Lembraram de algum?

Um dos mais conhecidos são os vinhos espumantes, o Champagne entre eles. Se um vinho dessa categoria receber o ano de sua safra no rótulo significa que são vinificações especialíssimas e caras.

Outro tipo de vinho que quase nunca é safrado são os fortificados: Porto, Madeira, Jerez etc. Novamente, a menção de uma safra valoriza muito o rótulo em questão

Mas também existem vinhos tranquilos sem safra. São mais raros, mas valem a pena.

Serão sempre um corte ou assemblage, pelo menos entre vinificações elaboradas em diferentes anos. Nada impede que se usem outras castas, diferentes origens e até mesmo vinhos que não são da mesma cor.

Existem inúmeras razões que levam um produtor a elaborar um corte que resultará numa combinação de safras. Uma das mais comuns é dar uma refrescada em vinhos bem antigos que ainda não foram para o mercado. Outra é corrigir algumas vinificações que não renderam o esperado. Procedendo assim, o vinhateiro pode acrescentar características como cor, corpo, fruta, tanino…

Por outro lado, é sempre uma boa oportunidade de elaborar um vinho único, com características excepcionais.

Antes de se aventurarem em busca de uma espacialidade destas, é bom ter mais uma dose de informações. Como em quase tudo no mundo, há quem se aproveite desse estilo informal para empurrar os seus piores e encalhados vinhos.

Para escapar de armadilhas, escolham produtores de renome. Provavelmente vão lançar um vinho como este em datas comemorativas ou homenageando algumas figuras que lhes são importantes. Terão, sempre, alguma alusão a isso nos seus rótulos.

Um hábito bastante saudável é ler atentamente o contrarrótulo. Lá devem estar todas as informações necessárias, como as castas utilizadas, as safras, notas sobre amadurecimento e indicações para a degustação.

Numa rápida pesquisa, encontramos dois rótulos brasileiros bem dentro dessas características.

Innominabile, da vinícola catarinense Villagio Grando.

Atualmente está no Lote VIII. É descrito como “o maior símbolo de uma nova era nos vinhos brasileiros”. Um delicioso vinho com a seguinte ficha técnica:

Safra: lote VIII – 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2012, 2014 e 2018

Teor Alcoólico: 12,4% – Época da Colheita: Abril e Maio

Fermentação: Aço Inox – Idade dos Vinhedos: 21 anos

Volume: 750ml – Lote: Único

Maceração: 18 dias – Sistema de Condução: Espaldeira – KG por Hectare: 4.000

Uvas: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Mabec, Marselan, Petit Verdot e Pinot Noir

Temperatura de Serviço: 16 °C – Número de Garrafas: 6.200

Para saber mais acesse: https://www.villaggiogrando.com.br/produtos/innominabile-lote-viii/

Luiz Valduga, da vinícola gaúcha Casa Valduga.

Apresentado como o vinho mais expressivo da história da vinícola, elaborado a partir de safras e varietais secretos, em edições limitadas, tem a seguinte ficha técnica:

Tipo: Vinho Tinto Seco – Corte: Incógnito – Terroir: Solo Brasileiro

Temperatura de serviço: 16º a 20ºC – Guarda de 15 a 20 anos, desde que seja mantido em condições adequadas para a plena evolução.

Decantar por 20 a 40 minutos.

Para saber mais, acesse: http://www.casavalduga.com.br/produtos/luiz-valduga/

Saúde e bons vinhos, como esses!

Foto de abertura por Arnold Dogelis em Unsplash

Demais imagens: site das vinícolas.

Produtores chilenos investem nos orgânicos

Ninguém duvida mais da força dos orgânicos, denominação que abrange vinhedos e vinhos que seguem os princípios de técnicas como as biodinâmicas, naturais e algumas outras. A ideia é partir para um cultivo menos dependente de fertilizantes e pesticidas químicos, buscando uma visão de agricultura sustentável.

A nova geração de consumidores já demonstrou que é esse o tipo de produto que os agrada. Nesse conturbado período da pandemia, o consumo de vinhos elaborados dentro dessas filosofias cresceu muito, servindo de alerta para os grandes produtores.

Algumas vinícolas do Chile, que já haviam convertido seus vinhedos para um desses sistemas, com grande sucesso, estão formando uma associação para promover seus produtos orgânicos, seguindo o modelo da “Vinhateiros Orgânicos da Nova Zelândia” (OWNZ), segundo Jaime Valderrama, Diretor da Miguel Torres, em entrevista publicada no site The Drink Business.

Uma delas, a Emiliana, já se tornou uma referência no assunto. Tem sido premiada constantemente não só por seus excelentes vinhos, mas também pela completa conversão de seus vinhedos para o sistema biodinâmico. Outros nomes que já seguem por esse caminho são Odfjell, Koyle, Antyal, Matetic, Araucano (Lurton), Tipaume, Lapostole, Montesecano e a Miguel Torres, considerada a marca mais admirada em 2021. Além do Chile, também trabalha com os sistemas orgânicos em sua matriz espanhola.

Só podemos desejar sucesso!

Curiosamente, mais um movimento dentro destas filosofias vem se destacando nesse sempre inovador mundo dos vinhos: a agricultura do “não faça nada”.

Este peculiar método, proposto por Masanobu Fukuoka, um agricultor e microbiólogo japonês, vem se contrapor às técnicas biodinâmicas, orgânicas e regenerativas, consideradas, por ele, muito intervencionistas.

Ousado!

Também conhecida como cultivo selvagem, já conquistou um pequeno grupo de adeptos espalhados por diversas regiões produtoras. O risco é alto, mas já existem histórias de relativo sucesso, principalmente entre micro vinhateiros com reduzida capacidade de investimento em modernas tecnologias.

Por enquanto são experimentos. A proposta original de Fukuoka era sobre o plantio de arroz e frutas cítricas. Até chegar numa vinha, o caminho ainda é incerto e tortuoso.

Apenas para o registro, podemos encontrar vinhedos manejados assim nos vales do Willamette, Oregon, do rio Struma, Bulgária, do rio Ródano, França, de Los Cinti, Bolívia e na ilha de Maiorca, Espanha.

Nada mau!

Não deixa de ser intrigante. É uma proposta fora do comum que trouxe lembranças de um grande amigo, que já se foi. Tinha como mote a seguinte frase:

“Na dúvida, não faça nada”!

Saúde e bons vinhos!

Uma casta, um vinho – Pinot Noir

O mundo do vinho está repleto de reis, rainhas, príncipes e outros títulos nobiliárquicos. Estamos falando desde produtores, muitos deles autointitulados rei de alguma coisa, passando por regiões produtoras e estilos de vinhos, onde até podemos encontrar um “Rei dos vinhos” e um “Vinho dos Reis”, chegando até a raiz de tudo, nas castas, onde a disputa é feroz. Existe uma lista de “castas nobres”, amplamente dominada por varietais típicas da França.

A Pinot Noir é uma delas. Talvez seja a mais temperamental de todas, difícil de ser trabalhada, exigindo muita dedicação de seus produtores. Em compensação, produz alguns dos mais fantásticos, e caros, vinhos do planeta. Uma afirmação que ninguém questiona.

A origem desta videira é muito antiga. Estima-se que exista há mais de 600 anos. Muitas teorias sobre sua história ainda são discutidas. Vão desde a domesticação de uma videira silvestre até o surgimento por polinização cruzada entre duas outras espécies, hipótese não muito aceita. Acredita-se que o seu berço seja a região da Côte de Beaune, na Borgonha, especificamente em Chassagne-Montrachet. Os primeiros registros datam de 1383.

Até para explicar o seu nome há inúmeras versões. Pinot decorreria de “pin”, pinho em francês, devido à semelhança do cacho com uma pinha. Noir, negro em francês, se deve a escura coloração dos seus frutos. Há uma extensa lista de denominações regionais para esta uva.

Uma das discussões mais interessantes a este respeito tem origem em um dos seus mais antigos sinônimos: Morrillon. A etimologia dessa palavra pode sugerir muita coisa. Uma linha de pesquisa afirma que este termo deriva da palavra Mouro (Maures), o povo do norte da África, de pele escura. Outro grupo defende a teoria que o termo se originou das expressões francesas “mours” e “mouret” que significam “cereja negra”, numa alusão ao formato e cor das bagas da Pinot Noir. Há, ainda, um terceira linha de pesquisa que se debruça sobre uma palavra do Latim, “maurus”, significando marrom escuro.  No final das contas, historiadores admitem que Morrillon derivou do nome de um rio da região da Ile de France, La Morée, onde esta casta era abundantemente plantada. Um registro de 1375 informava que uma quantidade de vinho “Pinot vermeil” (feito com Morrillon) estava senda enviado para a Bélgica.

Vinicultores de todo o mundo replantaram esta casta obtendo vinhos bem diferentes entre si, cada um deles um belo retrato dos diferentes terroirs e métodos de elaboração. Não é um uva para os fracos, é preciso de muita dedicação, conhecimento e paciência para obter os bons resultados que tornaram esta casta uma unanimidade, indiscutível.

Alguns dos melhores Borgonhas levam 15 anos, ou mais, para chegar ao mercado!

Uma uva extremamente versátil que produz, em mãos competentes, desde sonhados tintos, como o conhecido Romanée-Conti, até os Champagnes – é uma das principais uvas. Entre suas estrelas borbulhantes, o Krug Clos d’Ambonnay Blanc de Noirs Brut, 100% Pinot Noir, pode atingir preços com 5 dígitos…

A família desta casta é extensa e muito importante no cenário vinícola. Além da Noir, vamos encontrar a Pinot Gris, a Pinot Blanc, a Pinot Meunier e outros clones menos importantes. O cruzamento espontâneo da Pinot (genérica) com a Goauis Blanc produziu uma extensa série de descendentes, entre elas a não menos famosa Chardonnay, companheira da Pinot Noir na Borgonha e em Champagne.

Os grandes Pinot borgonheses são facilmente identificados por sua coloração leve, quase um rosado, num curioso contraponto com a pele escura de seus frutos. No paladar apresenta-se muito frutado, com os “sabores do bosque”. São vinhos fáceis e beber, deliciosos e muito complexos, quando estão prontos. Vinhos jovens podem ser simplesmente intragáveis.

Por ser uma casta que se adapta às condições climáticas de cada local onde está sendo cultivada, o Pinot da Borgonha não consegue ser imitado. Cada região tem o seu estilo de vinho. Os da Califórnia ou do Oregon, por exemplo, são escuros e bem mais tânicos que os franceses.

A nossa escolha para representar esta fabulosa casta vem da Itália, um Pinot Nero.

Alois Lageder – Pinot Noir Alto Adige 2018

Elaborado com frutos plantados em altitude, tem boa tipicidade. Bela coloração vermelho rubi leve. Combina notas de frutas vermelhas, violeta, especiarias e de ervas com um toque defumado. Ótima persistência. Harmoniza com carnes grelhadas, carnes brancas, pato e queijos. Para ter sempre na adega, o preço é bem camarada.

Saúde e bons vinhos!

Foto de abertura:

“Pipers Brook Vineyard The Lyre Pinot Noir” por PBVmedia licenciada sob CC BY 2.0

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