Dica da Semana: mais um para a lista de alternativas ao Malbec.
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Não se discute que Argentina e Chile são os dois grandes produtores de vinhos da América do Sul. Uruguai e Brasil ainda estão num degrau abaixo quando se fala em vinhos de alto nível. Há exceções, óbvio, assim como existem vinhos de má qualidade em qualquer destes países.
Um segundo ponto diz respeito às chamadas uvas emblemáticas, Malbec na Argentina, Carménère no Chile, Tannat no Uruguai e Merlot no Brasil, o que faz com que os vinhos produzidos a partir destas castas sejam os mais visados na hora da compra. É um apelo forte, quase uma unanimidade, como Gilette, Bom Bril ou Coca Cola – o que deveria ser uma marca virou sinônimo do produto: lâmina de barbear; esponja de aço; refrigerante. Dentro desta lógica, Malbec significa um vinho argentino e Carménère é chileno, etc. mesmo sabendo que as castas têm origem em Bordeaux, França.
O outro lado desta moeda é que isto provoca uma “cegueira mercadológica” nos consumidores típicos, aqueles que compram um bom vinho baseados nas informações correntes, sem preocupações com mergulhos profundos. Um segmento que representa o maior consumo sendo o alvo das ações de marketing dos produtores. O termo cegueira foi escolhido intencionalmente: estes consumidores, ofuscados por massiva dose de informações e estratégias promocionais, não se dão conta das opções que existem em volta da “casta emblemática”, muitas vezes com qualidade superior e preços bem competitivos.
Um bom exemplo é a casta Cabernet Sauvignon, que recebe o título de “rainha das uvas tintas” por inúmeras razões, a principal delas é a qualidade dos vinhos produzidos, desde que a matéria-prima tenha sido corretamente cultivada e que os processos de vinificação sejam adequados. Outra característica desta casta é sua capacidade de adaptação aos mais diferentes “terroirs” do mundo. Seja em Bordeaux, seu local de origem, na América do Norte, Itália, Austrália, Argentina, Chile, para resumir alguns produtores, sempre resulta em vinhos deliciosos, cada um com uma característica ou personalidade própria.
Um dos mais importantes episódios do mundo do vinho, já citado nesta coluna algumas vezes, foi o Julgamento de Paris quando vinhos da Califórnia foram comparados com grandes ícones franceses e saíram vencedores. O mundo descobria um novo estilo de Cabernet, mais frutado, intenso e sedoso, criando uma dicotomia: vinhos do velho mundo e vinhos do novo mundo.
Há alguns anos atrás um dos grandes produtores chilenos, Eduardo Chadwick, promoveu a divulgação, nos mesmos moldes, de seus vinhos, varietais e cortes a partir da famosa uva Cabernet cultivada em Puente Alto. Novamente, em menor escala, chamou a atenção para os vinhos elaborados no cone sul do novo mundo. Excelentes vinhos sem dúvidas, e se olharmos para outros importantes produtores do Chile vamos encontrar vinhos ainda mais famosos e importantes como o Don Melchor, Almaviva, Lapostole, etc. Cabernet chilenos são excepcionais, muito superiores aos Carménère, embora estes sejam os mais famosos.
Este fenômeno se repete na vizinha Argentina, embora não tenham feito, ainda, uma prova comparativa com outros países produtores. Preferem ir conquistando seu espaço num adequado passo a passo. Mas já começam a chamar a atenção, principalmente por terem um estilo bem diferente dos produzidos no país vizinho, criando uma nova dicotomia: cabernet chileno e cabernet argentino.
Há uma importante diferença de estilos: os vinhos chilenos são produzidos ao estilo de Bordeaux, inclusive com muita assistência técnica de lá, enquanto os argentinos estão mais próximos dos californianos, com um estilo predominante, mais redondo e maduro, menos herbal e sem aromas e sabores de especiarias típicos nos chilenos.
Para não deixar esta dúvida latente sem resposta, sim! o Cabernet argentino é superior ao Malbec (dentro das condições adequadas). Tem mais: a Cabernet Franc, uma das castas que originou a Cabernet Sauvignon, trilha o mesmo caminho de alta qualidade na Argentina sendo, no momento, o grande frisson entre os produtores.
Atualmente as melhores uvas estão sendo colhidas nos vinhedos de altitude no Vale do Uco (acima de 1000m). Perdriel, Água Amarga, Altamira e Gualtallary são algumas das regiões consideradas pelo Enólogo Roberto de la Mota como as mais promissoras. Não é uma vinificação fácil, mas o resultado é surpreendente: colorações escuras, aromas de frutas maduras (amoras, framboesas, cassis) e taninos suaves, as mesmas características dos famosos “Cabs” da Califórnia. Para completar, são colocados no mercado numa excelente relação custo x benefício.
Como os leitores já devem estar com água na boca, vamos apresentar a seguir uma relação dos Cabernet mais conhecidos e aprovados por enólogos, críticos e consumidores:
Rutini Antologia XXXVI 2010 – 95 pontos;
Trapiche Medalla 2008 – 94 pontos;
Zuccardi Finca Los Membrillos 2011 – 94 pontos;
São os mais bem pontuados no respeitado Guia Descorchados. Mas nem todos os grandes produtores estão analisados na atual edição do guia. Neste mesmo nível podemos citar:
Riglos Gran Las Divas Vineyard 2011;
Finca El Origen Gran Reserva 2011;
Terrazas de Los Andes Single Vineyard 2010 Los Aromos.
Abaixo, vinhos com uma ótima relação custo x benefício:
Lamadrid Single Vineyard Reserva 2012;
Trapiche Broquel 2012.
Um dos meus preferidos e que já foi Dica da Semana:
Bramare Cabernet Sauvignon 2011.
Terminamos com alguns Cabernet Franc que estão virando a cabeça de muitos conhecedores:
Angelica Zapatta Cabernet Franc 2010;
El Enemigo 2012;
Durigutti Reserva 2011.
Riglos Gran Cabernet Franc 2011
Coloração rubi de média concentração, halo ligeiramente granada. A madeira marca o nariz deste vinho, mas é possível perceber o tradicional frutado vermelho aliado às inspiradoras notas balsâmicas (pimentão e ervas) e também ao grafite.
Profundo, texturado, rico fim-de-boca.
Harmoniza com Codornas envolvidas em folhas de repolho; Contra filé grelhado; Risoto com linguiça de javali e cogumelos variados; queijos curados.
Meu comparsa de coluna, José Paulo Gils, é um verdadeiro homem dos mil instrumentos. Além de ser um dos diretores da ABS do Rio de Janeiro é o atual presidente da tradicional e atuante Confraria do Camarão Magro, cargo de muita importância, pois cabe a ele organizar os encontros, o que significa escolher o restaurante, discutir o cardápio, selecionar e comprar os vinhos, resumir a ficha técnica de cada um, elaborar os convites e cobrar dos participantes.
Esta comemoração dos 10 anos ou 50 encontros teria que ser muito especial: os confrades são exigentes e não escondem a insatisfação se tudo não estiver dentro dos padrões. É muita responsabilidade! Parte dela foi dividida comigo, embora não seja um dos confrades, quando me encarregou de escrever esta coluna comemorativa.
Agora, um pouco de história – texto de Trajano Viana, um dos fundadores:
“Ao final do Curso realizado na Associação Brasileira de Sommelliers – ABS – no Rio de Janeiro, durante a degustação de vinhos no término da aula, alguns dos participantes sugeriram fazer uma comemoração de “formatura”. Após alguma conversa, com a participação do nosso instrutor Kawasaki, foi acertado que seria um almoço. Sugeri o Restaurante Marius, em Charitas, Niterói, com frutos do mar e vinhos brancos. A sugestão foi aceita e fiquei encarregado de organizar o encontro.
Assim, após contato com o Sommelier do Restaurante e feita a reserva, na terça-feira, dia 13 de abril de 2004, às 13 horas, o pequeno grupo se reuniu, “sem hora para sair”. Estavam presentes: Aguinaldo Aldighieri, Benedito Mendonça, Carlos Cabral, Edgar Kawasaki, Rodrigo Mota, Trajano Viana e William Souza.
O almoço transcorria maravilhosamente, apesar do pouco conhecimento pessoal entre os participantes. A boa mesa – inesquecíveis frutos do mar, preparados à moda da casa ou conforme solicitássemos e os bons vinhos, levados pelo Rodrigo – unia o grupo.
Em dado momento, nosso instrutor Kawasaki, que já nos havia brindado com muitas informações, falou que o grupo estava muito bom e que poderia se reunir periodicamente, como uma confraria. O grupo se animou, surgiram vários comentários, e Kawasaki disse: “Só falta o nome para a confraria”. Nesse momento eu lidava no meu prato com uns grandes e lindos camarões ao bafo e, sem muito pensar, falei: “Confraria do Camarão Magro”!
Kawasaki imediatamente falou: “É um bom nome”. Eu logo argumentei que deveríamos ouvir sugestões dos outros, mas ele falou que “o primeiro nome é o que fica”. Assim nasceu a “Confraria do Camarão Magro”. Fui eleito o primeiro Presidente da Confraria e já fiquei encarregado de organizar nosso próximo encontro”.
Atualmente o Camarão Magro conta com 39 confrades, a maioria de assíduos, o que faz esta confraria ser realmente especial. Com característica itinerante, já visitaram alguns dos melhores restaurantes do Rio de Janeiro e adjacências.
Escolher bem o local para esta singular comemoração era o ponto mais sensível, nada poderia dar errado: decidiram pela Enoteca DOC que fica na Rua Marechal Floriano, 32, no centro da cidade, capitaneada pelo simpático e competente Fabio Soares.
Vejam o que ele e José Paulo prepararam:
BOAS-VINDAS
Pães Especiais e Acepipes.
Espumante: FRANCIACORTA LE MARCHESINE D.O.C.G. ROSÈ BRUT – MILLESIMATO (Método clássico, Chardonnay 50%, Pino Nero 50%, Teor alcoólico: 12,5%)
PRIMEIRO PRATO
Cherne com Arroz de Polvo.
Vinho Branco: ANDREZA GRAN RESERVA (Viosinho, Verdelho, Rabigato, Arinto, Pedernã, Teor Alcoólico: 14%).
PRATO PRINCIPAL
Ragu de Javali com Nhoque de Batata Baroa.
Vinho Tinto: I BALZINI BLACK LABEL (Cabernet Sauvignon, Sangiovese e Merlot, Teor alcóolico: 14%)
SOBREMESA
Mousse de Chocolate 70% Cacau ou Brownie de Chocolate ou Pannacotta com Caldas de Frutas Vermelhas
Vinho: VAN ZELLERS PORTO 10 ANOS TAWNY (Teor Alcoólico: 20%)
O violino de Evandro Marendaz animou o encontro convidando os casais para uma improvisada pista de dança, criando um clima agradável e propício para este tipo de celebração.
Ainda dentro da programação, o mestre Kawasaki comentou as harmonizações, aumentando as expectativas de todos, que foram plenamente satisfeitas.
Excelente encontro. A Confraria do Camarão Magro é um exemplo a ser seguido. Na foto abaixo alguns dos participantes desta reunião:
Alice, Ângela e Agnaldo, Anna e Daniel, Antônio Dantas, Cristina e William, Denise e Bené, Eliane e Luiz Carlos, Heloisa e José Flávio, Emília Leandro, Grace e Simioni, Liane Rangel, Lígia Peçanha, Maria e Kawasaki, Maria Ilda, Mercedes e José Paulo, Michel, Maria da Glória.
As fotos e legendas foram feitas por Anna Roberta e Grace.
Dica da Semana: um dos excelentes vinhos servidos nesta festa.
I Balzini Black Label
Produtor: Azienda Agrícola I Balzani (Itália – Toscana)
Castas: Cabernet Sauvignon, Sangiovese e Merlot
Vinho de cor rubi intenso com reflexos violáceos. Possui aroma de frutas silvestres e frutas vermelhas, violeta, especiarias, baunilha, couro, café e chocolate. No paladar é seco, encorpado, muito intenso, com ótima acidez, taninos finos, final de grande complexidade e longa persistência.
Harmonização: carnes em geral, carnes de caça, massas com molhos estruturados.
Um dos aspectos que mais chamou a atenção nas vinícolas visitadas durante a recente viagem foi observar o emprego dos tanques ovais construídos em concreto. Não é exatamente uma tecnologia nova, as notícias sobre a existência destes tanques datam de 2001, quando apareceu o primeiro deles na vinícola de Michel Chapoutier no Vale do Rhône. Seu proprietário discutiu exaustivamente este formato com a empresa Marc Nomblot que fornece tanques em concreto, para vinificação, desde 1922.
A novidade, aparentemente, seria o formato oval, mas nem isto se mostrou verdadeiro. Segundo o fabricante, as ânforas romanas inspiraram o curioso formato. A foto a seguir mostra, lado a lado, modernos tanques tipo ânfora e os ovais.
Como diria o Velho Guerreiro, “Nada se cria, tudo se copia”…
Concreto é uma mistura de cimento e agregados (areia, brita, etc.) e tem sido usado na fabricação de tanques há bastante tempo. Existe, até hoje, uma clara divisão entre os que preferem este material e os adeptos do aço inoxidável para os tanques de fermentação. O aço é conhecido por ser neutro e não alterar as características do mosto. O concreto precisa ser tratado para obter o mesmo grau isolamento, o mais conhecido é aplicar um revestimento com resina sintética (epóxi, poliuretano, etc.).
O tanque oval foi projetado para aproveitar uma característica particular do concreto, sua porosidade, que o aproxima das barricas de carvalho. Por que não tentar elaborar um vinho num único recipiente que possa fermentar e amadurecer o vinho?
Vinhos brancos seriam os candidatos perfeitos para este tipo de tanque, mas logo perceberam que poderia ser usado, incialmente, para a maturação dos tintos também. Alguns produtores já experimentam com a fermentação, com bons resultados.
Para permitir uma avaliação deste processo, estão relacionados, a seguir, alguns tópicos interessantes.
1 – Na construção destes tanques não pode ser usado nenhum material metálico e nem aditivos químicos. Somente areia, brita, água não clorada e cimento. Excetuam-se as portas de carga e descarga, feitas em aço inoxidável.
2 – Para garantir a neutralidade da parede interna, esta deve ser tratada com uma solução de ácido tartárico antes do 1º uso. Muitos produtores estão conseguindo este efeito através de uma vinificação inicial que será descartada: forma-se uma camada de tartarato, subproduto do processo, isolando o concreto.
3 – O isolamento térmico é outra característica que torna o ovo vantajoso. As paredes são muito espessas permitindo resistir tanto ao frio quanto ao calor. Isto diminui sensivelmente a necessidade de controles de temperatura. Entretanto, já existem fabricantes que oferecem este recurso opcionalmente.
4 – Existe, efetivamente, uma diferença de temperatura entre a base do tanque e o topo que em combinação com ausência de cantos morto, cria um fluxo líquido contínuo, o que é desejável.
5 – A porosidade do material permite uma efetiva micro-oxigenação nos mesmo moldes da obtida com a utilização de carvalho, sem a introdução de novos aromas e sabores.
6 – Permite a maturação dos tintos sobre suas borras, o fluxo contínuo do líquido elimina a necessidade da “bâtonnage” (agitação manual recolocando as borras em suspensão).
Nas conversas com enólogos e produtores que estão experimentando o “ovo” foi possível perceber que os resultados iniciais foram animadores, tanto para brancos como para tintos. Mas o caminho será longo, são novas variáveis para serem controladas. Mas este é o verdadeiro trabalho de um enólogo: inovar.
Dica da Semana: para tirar conclusões.
Um vinho que é um luxo do enólogo: desde o inicio ele nunca revelou o que pretendia obter ou o que representaria. Puro zêlo, puro ego: um produto onde o vinificador empenhou sua alma, 100% vinificado no “ovo”. (Egg, em inglês significa ovo)
Este corte de 92% Malbec, 5% Cabernet Franc e 3% Cabernet Sauvignon possui grande característica mineral. Estagiou em grandes ovos de concreto, atingindo um potencial natural sem precedentes.
Com ótima estrutura e volume em boca, apresenta textura cremosa, taninos macios, acidez vibrante que proporciona frescor.
Conquistou 96 pontos no guia Descorchados e 94 pontos por Robert Parker
Conquistou 96 pontos no guia Descorchados e 94 pontos por Robert Parker
Nosso último dia em Mendoza seria mais curto, pois o voo de retorno à Buenos Aires era às 17:00. Parte do grupo voltaria no mesmo dia para o Rio de Janeiro enquanto minha esposa e eu, Lu e Gustavo esticaríamos um par de dias na capital da Argentina.
Seriam duas visitas somente. Na primeira, descobrimos o que é uma “vinícola ecológica”, a Bodega Dolium.
A foto mostra o que está sobre o solo, apenas o pequeno restaurante/sala de degustação e os escritórios. A parte de produção está enterrada cerca de 14m no subsolo.
Mostramos, na coluna anterior, algo parecido na Bodega Sin Fin, que colocou embaixo do solo as áreas de entretenimento, loja e degustação. Na Dolium isto foi invertido.
A ideia por trás deste curioso projeto é minimizar o consumo de eletricidade e diminuir emissões ou, no jargão dos ecologistas, reduzir a pegada de carbono (carbon footprint). Interessante notar que esta empresa não trabalha com cultivo orgânico ou biodinâmico nos vinhedos, apesar de serem opções dentro da mesma linha ecológica.
As fotos, a seguir, foram tiradas de um mesmo ponto mostrando o lado esquerdo e o direito: está é toda a área de produção. Fazia muito frio lá embaixo, mesmo a nossa guia, que é mendocina e estava bem agasalhada, não aguentou o frio neste ambiente.
Resumindo: custo zero para manter o processo em baixa temperatura. Os tanques são simples, não usam qualquer tipo de controle de temperatura. Emissões nulas. Neste aspecto é formidável!
Retornamos para a sala de degustação para uma experiência bem diferente do que nos fora oferecido até agora nas outras vinícolas: uma prova comparativa. Os vinhos seriam servidos aos pares para que pudéssemos perceber as diferentes nuances entre formas de elaboração, castas, vinhedos, etc.
A Dolium trabalha com algumas linhas de produtos que começam com a denominação Andes Peak, de viés ecológico, passa pela linha Clássica e termina com os Reserva e Gran Reserva. Nesta degustação experimentamos um rosé jovem e outro envelhecido em carvalho; dois Malbec de diferentes regiões, Lujan e Uco, além de um Tempranillo em confronto com um Cabernet Sauvignon. Ao final, dois vinhos top de linha foram servidos.
Toda esta ação foi comentada pelo nosso anfitrião que sempre se interessava pelas nossas escolhas. Diferente e esclarecedor.
A última visita do dia foi realmente um “Gran Finale”. Embora já conhecêssemos os vinhos da Domínio del Plata (Suzana Balbo), nem em sonhos poderíamos imaginar o que nos aguardava neste deliciosos almoço harmonizado no restaurante da vinícola, o “Osadia de Crear”. (faz jus ao nome…)
Vários aspectos nos chamaram a atenção: um ambiente elegante e acolhedor, a tradicional atenção com que somos recebidos nas vinícolas, a qualidade dos vinhos que seriam servidos e um cardápio cheio de alternativas entre o tradicional e o ousado. Cinco passos e cinco vinhos, com opções para os não carnívoros, o que gerou um interessante debate.
A primeira etapa foi regada pelo sempre bom Chardonnay 2012 da linha Crios. Para harmonizar foi servido um Escabeche de Coelho sobre uma Foccacia de Azeitonas. Equilíbrio correto e delicioso.
O próximo prato foi uma releitura de tradições locais, a Molleja ou glândula Timo dos bovinos, muito apreciada nestas terras. A apresentação era diferente: empanada e colocada num espetinho, acompanhada de cebolas caramelizadas, purê de batatas e alguns verdes. O vinho era o Crios Red Blend 2012, um corte de Malbec, Bonarda, Syrah e Tannat. Um verdadeiro festival de sabores e aromas que preparou o palato para o próximo passo.
Como a estação era supostamente fria, o prato seguinte foi uma sopa de Sobreasada, um embutido de carne de porco levemente picante. Uma harmonização sempre difícil, mas o bom Ben Marco Malbec 2012 cumpriu com galhardia o seu papel.
Para a próxima etapa havia duas opções: com ou sem carne. Cada uma seria acompanhada por um vinho diferente.
Obviamente a grande maioria partiu para o bife de Aberdeen Angus (raça bovina com carne muito macia) acompanhada do típico creme de milho à moda Cuyana (humita). O vinho servido foi o Ben Marco Expresivo 2013, muito bom por sinal e que proporcionou excelente casamento com o prato.
Para os que estavam mais atentos e optaram pelo prato sem carne, uma ótima surpresa estava reservada. Entra em cena o que muitos consideram como o vinho top da casa, o Susana Balbo Brioso 2012, pouco divulgado no nosso país por ter uma produção limitada.
Acompanhando este magnifico vinho, foi servido um elaborado Gnocchi feito com as borras do Brioso, com um pesto vermelho, cogumelos refogados e queijo defumado.
Supimpa! Não poderia ser melhor. Perfeito! (O mais complicado foi desviar os garfos e bocas alheias ao meu prato e vinho!)
Para terminar, foi servida a interpretação da casa sobre o que deve ser a dobradinha “doce com queijo”, harmonizada com um Susana Balbo Late Harvest Malbec 2011.
Equilíbrio inacreditável, todos gostariam de repetir, mas era hora de partir. Ainda passaríamos por algumas peripécias no aeroporto, todas resolvidas a tempo.
Na próxima coluna comentaremos sobre Buenos Aires e alguns episódios curiosos que não se encaixaram neste relato dos 3 dias.
O grupo, da esquerda para a direita: María José, nossa Guia, Diretora da Divinos Rojos (www.divinosrojos.com.ar) e organizadora das visitas; eu, minha esposa; Gustavo e Lu; Lobianco; Fabio; Marcio e Ronald.
Dica da Semana: como o Brioso já foi sugerido numa dica mais antiga, indicamos outro bom vinho desta vinícola.
Corte de 55% Malbec, 15% Bonarda, 10% Cabernet Sauvignon, 10% Syrah e 10% Merlot, oriundos de vinhedos em Agrelo, Chacras de Coria (Luján de Cuyo), Los Arboles (Tupungato) e La consulta (San Carlos) com idade média de 36 anos em pés francos.
Apresenta aromas de groselhas, carvalho e baunilha com notas defumadas de cacau, noz-moscada e chocolate. Taninos elegantes.
Acompanha carnes, queijos fortes e molhos intensos.
Tempo de guarda de 10 a 15 anos
A jornada começou cedo, às 8:30 já estávamos a bordo da van a caminho de Maipu e Lujan onde visitaríamos outras três vinícolas. A primeira, Domaine St. Diego, do renomado enólogo Angel Mendoza, foi um dos pontos altos desta viagem.
Ao contrário da grande maioria das visitas, destinadas a turistas, que enfatizam a arquitetura, a modernidade e a tecnologia e ainda oferecem um elaborado almoço conduzido por um grande Chef, esta pequena vinícola, estritamente familiar, conduz os visitantes unicamente por seus vinhedos, todos localizados dentro da propriedade de apenas 3,3 hectares. Cada metro quadrado está ocupado, seja pelas parreiras e oliveiras (produzem azeite também), pela bodega ou pela casa da família. Só por isto a visita já toma um caráter único.
Quem nos acompanhou foi Laura, filha do proprietário, que não poupou informações e nem deixou pergunta sem resposta. Como não dispõem de muito espaço, empregam técnicas de plantio ousadas, como a “espaldeira dupla” que utiliza duas alturas diferentes para as plantas, dobrando a capacidade do espaço disponível e exigindo, em compensação, o dobro de trabalho para manter e colher (são duas colheitas – as uvas amadurecem em diferentes períodos) ou a condução em “Globelet” ou arbusto, em busca de sabores e aromas únicos para seus vinhos. Até as suaves encostas que cercam a propriedade estão plantadas, nada é desperdiçado.
Mais importante que a utilização racional do solo, a otimização do uso da água, rigidamente controlada neste distrito de Lulunta, é fundamental. Aqui não há água de subsolo. Tudo que conseguem vem do degelo dos Andes distribuído através de um sistema de diques, canais e comportas, criados pelos índios Huarpes que aprenderam a técnica com os Incas.
Atualmente a distribuição é controlada por um “Tomero”, pessoa encarregada de alimentar os diversos canais de distribuição e operar as comportas de cada consumidor de acordo com um contrato de fornecimento muito simples: paga-se por um determinado número de horas, por período. Se precisarem de mais água devem esperar pela próxima data. Quase uma dosagem “homeopática”. Laura nos mostrou a comporta. Difícil imaginar que com tão pouca água consigam produzir vinhos estupendos.
Angel Mendoza, proprietário e enólogo tem como filosofia a ideia de ‘colher o vinho’ em lugar de produzi-lo. Acredita que deveria se dar maior importância às videiras, obtendo-se um bom vinho no terreno em vez de corrigir os erros na cantina. Para comprovar esta máxima, somos convidados para a degustação dos seus produtos, que acontece na casa da família. Nada de salas especiais com iluminação estudada e outros requisitos sofisticados e mercadológicos. Apenas uma varanda envidraçada, com vista para os vinhedos, amplas mesas e cadeiras plásticas, toalhas brancas cobertas de plástico transparente é tudo o que precisam para, neste momento, nos encantar com seus vinhos e azeite. Simplicidade é o segredo!
Começamos com o bom azeite Almazara, obtido com a azeitona Arauco, seguido do quase exclusivo espumante Brut Rosé Elea. Aprovação incondicional.
O vinho seguinte, Paradigma, foi uma surpresa para todos. Elaborado a partir das uvas plantadas como arbustos, o que permite uma maturação diferente. Um formidável corte de Malbec, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon que não passa por madeira. Eu diria que “nem precisa”!
Se houve, nesta viagem, um vinho que nos intrigou, foi este. Aromas e sabores deliciosos que poderiam confundir até mesmo um bom enófilo. O seu nome decorre disto, um verdadeiro paradigma. Por que recorrer a técnicas mirabolantes ou desconhecidas quando tudo que é necessário para obter um grande vinho é olhar para a terra. Um verdadeiro vinho de terroir que derruba, sem piedade, qualquer outra teoria. Esta é uma das razões, pelas quais, Angel Mendoza é respeitado entre seus pares. Espetacular.
Os dois outros vinhos degustados, Pura Sangre e Pura Sangre Nueve Lunas, também eram fora de série, mas não conseguiram nos fazer esquecer o intrigante Paradigma.
Quase ao final da prova de vinhos recebemos a simpática e esfuziante visita de Angel. Encantou a todos com sua simplicidade e franqueza desconcertante. Teve a delicadeza de elogiar e recomendar que consumíssemos mais os nossos próprios vinhos, principalmente os de Santa Catarina, Santana do Livramento e Campanha Gaúcha. Ganhou uma legião de fãs com direito a fotos e autógrafos!
Esta vinícola tem uma interessante característica: seus produtos são comercializados unicamente “in loco”. Não tem representantes comerciais nem importadores. Se alguém quiser revendê-los tem que comprar lá primeiro. Com isto, a nossa van saiu carregada…
Nossa próxima parada foi na Bodega Sin Fin, um projeto inovador segundo a nossa guia, Maria José. Por termos passado da hora prevista, ficamos apreciando a paisagem ao redor, aguardando o fim da visita de outro grupo. Uma empresa relativamente pequena e pouco conhecida, mas tinha um Ás escondido na manga: o importante não estava ao alcance dos olhos…
Ao ingressar no prédio da foto, somos apresentados a uma pequena história da família e da empresa que, por longos anos, se dedicou ao cultivo de uvas e depois da produção de vinhos a granel que são revendidos a outras vinícolas. Só muito recentemente entraram para o segmento dos vinhos próprios.
O tema foi exposto e a pergunta veio rapidamente: quem compra o vinho a granel? A resposta pegou todos no “contrapé”: principalmente vinícolas francesas… Nosso anfitrião recomendou que olhássemos com muita atenção os contra-rótulos de alguns vinhos em busca de uma informação como “produzido por: 1234567890”, em letrinhas muito miúdas. Esta seria uma indicação que o vinho, naquela garrafa, teria outra origem.
Interessante; vinhos argentinos “en bouteille”!
Embarcamos em um elevador para acessar o subsolo e descobrir mais surpresas escondidas. Ao abrir a porta nos deparamos com um ambiente de raro bom gosto e muito aconchegante. Estávamos sob a área de produção, onde criaram um espaço cultural que recebe shows, peças de teatro ou exposições de arte, uma loja de vinhos e de decoração de alto nível, a simpática sala de degustação e uma microssala de barricas onde estava toda a produção.
A sequência de degustação foi bem tradicional iniciando com um espumante, seguido de 1 branco e de alguns tintos. Todos corretos. O ponto alto ficou com o Sauvignon Blanc que apresentou um estilo totalmente “velho mundo”, sendo o vinho que mais agradou a todos.
Fizemos mais uma preciosa descoberta: quais os rótulos que devemos ficar mais atentos.
Uma boa visita, mas sem fortes emoções que estavam reservadas para o premiado almoço na Melipal, conduzido pelo Chef Lucas Bustos, reconhecido como um especialista em harmonizações. Vejam o cardápio de 5 passos:
1º – Terrina de frango e figos secos ao sol, com geleia de marmelo;
– vinho Ikela Merlot;
2º – Crocantes de beterrabas com pesto de tomates secos e “tartar” de carne bovina;
– vinho Ikela Cabernet Sauvignon;
3º – Creme de Lentilhas e “funghi” de pinheiro, servida sobre panceta defumada e croutons;
– vinho Melipal Malbec (100% Malbec com 12 meses em barricas de carvalho francês);
4º – Medalhão de Filé, purê de batatas de Ugarteche (uma localidade), vegetais da época e Chimi Churry de tomates assados;
– vinho Melipal Nazarenas Vineyard Malbec (100% Malbec do vinhedo Nazarenas, plantado em 1923 e 18 meses em barricas de carvalho francês);
5º – Trufa de chocolate amargo e Amaranto, frutas grelhadas e molho de laranja;
– vinho Melipal Malbec Colheita tardia.
A melhor descrição que posso dar a este almoço é: “uivos diversos”!
O Crocante de Beterrabas foi uma unanimidade: delicioso!
Um ambiente maravilhoso, pratos saborosos com apresentação primorosa e vinhos de alto nível. Ficamos no restaurante até quase o fim de tarde, aproveitando o belo visual e o clima ameno. Quase nos expulsaram…
Dica da Semana: um dos bons vinhos servidos neste almoço.
Melipal Malbec
Melipal é o nome da constelação Cruzeiro do Sul no idioma dos Huarpes. Apresenta coloração vermelho rubi com reflexos violeta.
No olfato mostra aromas intensos de ameixas, cerejas pretas, frutos e nozes. No palato percebe-se frutos vermelhos e especiarias com taninos firmes e persistentes.
Harmoniza com carnes vermelhas, lombo de porco e queijos curados.
91 pontos de Robert Parker