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Vinho na Semana Santa

Por ser um país de raízes católicas, a maioria dos brasileiros respeita a tradição da abstinência na Sexta Feira Santa: não se consome carne ou seus derivados. Entram em cena os tradicionais frutos do mar e o bacalhau costuma ser a estrela do cardápio. Mas existem opções interessantes.
 
Vamos lembrar um pouco da história deste período. Tudo começa no Domingo de Ramos, celebrando a chegada de Jesus em Jerusalém e termina no Domingo de Páscoa comemorando sua ressureição. O ponto culminante desta celebração é marcado pela Santa Ceia ou Última Ceia, que ocorre na quinta-feira. As cenas pintadas pelos mais famosos artistas mostram que o vinho estava presenta nesta mesa.
 
O dia seguinte, sexta-feira, é um dia de pesar e lamento pela morte de Cristo. Antigamente se observava o jejum além da abstinência, as cozinhas não funcionavam e não se trabalhava.
 
No Sábado de Aleluia aguarda-se a ressureição. Um dos ritos mais curiosos deste dia é “malhar o Judas”, tradição mantida em muitos lugares.
 
O grande dia festivo é o Domingo de Páscoa comemorando a Ressureição. É o dia do grande banquete, dos ovos de chocolate e de muita alegria. Nos costumes brasileiros, herança de nossos descobridores portugueses, praticamente só se consome peixes, entre eles o bacalhau, e os frutos do mar. Mas em outras culturas há o hábito de assar um caprino ou ovino (cordeiro, cabrito, ovelha) que é servido ao fim do dia. Porco e coelho (lebre) também são comuns.
 
Apenas como uma curiosidade, naquela época era mais seguro beber vinho do que água, mesmo que a nossa bebida favorita já tivesse se convertido em vinagre. Por esta razão, o vinho não era um símbolo de comemoração, mas uma necessidade. Ao longo dos anos, com as descobertas de filtração e esterilização da água, o vinho paulatinamente tornou-se um artigo de exceção, só usado em ocasiões especiais. A Semana Santa é uma data muito particular para todos os cristãos.
 
Tomar um cálice de vinho na Quinta-Feira Santa é uma bela maneira de homenagear a Santa Ceia. Mas nada de exageros. É um vinho de reflexão, de comunhão, sem nenhuma extravagância gastronômica. Para combinar com este momento tem que ser algo de solene, com textura aveludada, cor fechada e belos aromas. Um vinho ao estilo Bordalês seria boa opção. No momento que escrevo imagino um Miguel Escorihuela Gascon, um corte de Malbec, Cabernet Sauvignon e Syrah elaborado em Mendoza.
 
 
Na Sexta-feira da Paixão, em algumas casas brasileiras, é dia de peixe. Todos conhecemos a harmonização clássica com vinhos brancos, mas isto não é uma regra fixa.
 
Tintos jovens e frutados ou Rosés podem se tornar escolhas interessantes valorizando a receita escolhida. Para não errar lembrem-se:
 
– pratos mais gordurosos pedem vinhos com mais acidez e algum tanino. Um tinto leve (Pinot ou Gamay) tem seu lugar;
 
– molhos salgados ou alimentos defumados casam melhor com vinhos jovens e frutados;
 
– espumantes quase sempre são coringas, mas neste dia…
 
Bacalhau, também consumido no Domingo de Páscoa, mereceria um capítulo inteiro. Vem de Portugal a combinação de tintos encorpados com este prato. Mas não é para qualquer receita: tem que ser um Bacalhau com Natas ou um Zé do Pipo. Precisa haver uma boa quantidade de gordura para enfrentar o turbilhão de taninos e acidez dos tintos da terrinha.
 
Obviamente, se a receita for de origem espanhola, nada melhor que um Tempranillo, que vai ficar perfeito, também, com uma Paella. Para preparações mais leves um Chardonnay que tenha passado por madeira e fermentação malolática é perfeito.
 
 
Na era da globalização o salmão virou boa opção. Não é difícil combiná-lo com vinhos: tintos leves como um Pinot ou mesmo um Syrah australiano dão conta do recado.
 
Uma saborosa combinação pode ser obtida com pratos mais leves como peixes cozidos no limão ou com molhos salgados como alcaparras e azeitonas – o sal excessivo pode ser equilibrado com um bom fortificado como o Jerez, o Porto branco ou o rosé, todos gelados.
 
Carne de caprino ou ovino no domingo de Páscoa é a grande pedida para quem gosta de bons vinhos e boa harmonização, embora não seja uma presença habitual nas mesas brasileiras. As opções são múltiplas, todas deliciosas, um casamento quase sagrado. Alguns autores afirmam que nada combina melhor com os grandes vinhos do mundo do que uma paleta de cordeiro assada ou mesmo as deliciosas costeletas. Estamos falando de Vega Sicilia, Petrus, Penfolds Grange, Don Melchor ou Catena Malbec Argentino. Todos “monstros sagrados” do mundo dos vinhos.
 
 
Mas não precisamos gastar muito, há muitas opções com excelente relação custo x benefício. Particularmente gosto dos vinhos em que a Syrah é a casta predominante. Cabernet americanos, chilenos e argentinos casam perfeitamente com este tipo de carne. Para fugir um pouco do habitual, há bons Tannat uruguaios, os vinhos portugueses sempre se saem bem assim como os Merlot produzidos por aqui. (vejam a dica da semana)
 
A sobremesa!
 
Para a turma que quer manter o peso e a silhueta a coisa fica difícil: chocolate, chocolate e mais chocolate. Infinitas variações!
A combinação tradicional sugere Vinho do Porto, Banyuls, Vin Santo, Ice Wines e outros de colheita tardia, todos doces ou muito doces.
 
Entretanto há exceções. Que tal harmonizar com um belo tinto seco, tal e qual ao usado no cordeiro?
 
É perfeitamente possível, mas para isto dar certo temos que escolher o chocolate adequado: esqueçam os Ovos de Páscoa, bombons e as barras de chocolate ao leite tão comuns. A combinação ideal seria um chocolate amargo com 75% de cacau ou mais – quanto maior for esta porcentagem melhor. Quem vai brilhar aqui será um bom e encorpado Cabernet, Merlot ou Syrah. Não tenham medo.

Dica da Semana:  
um belo e elegante tinto que pode ser servido com o cordeiro e o chocolate.
 
 

La Flor de Pulenta Cabernet Sauvignon 2011 
Vermelho profundo, seus aromas lembram pimentão e especiarias, com notas de baunilha e tabaco provenientes do carvalho.
Na boca apresenta boa concentração e taninos suaves que lhe conferem uma estrutura volumosa.
Seu final elegante e longo fazem dele um grande vinho.

Organizando uma reunião com vinhos

Com o fim do verão já podemos imaginar um clima mais ameno e propício a beber aqueles vinhos que estão na adega aguardando uma ocasião adequada. Mas vocês sabem organizar uma reunião de amigos para apreciar a nossa bebida favorita?
 
A maioria já deve estar imaginando o tradicionalíssimo “Queijos e Vinhos”, que é uma espécie de porto seguro e simples de organizar. Mas a coluna desta semana quer ir além, que tal dar uma incrementada nesta reunião de modo a torná-la inesquecível?
 
Existem diversos caminhos para serem explorados e as sugestões que serão apresentadas podem ser aproveitadas em qualquer destes caminhos.
 
Para evitar surpresas de última hora, precisamos estar minimamente equipados:
 
– taças de espumante e vinhos (branco e tinto) em número suficiente para todos os convidados;
 
– saca-rolhas, decantador ou aerador, termômetro, entre outros acessórios;
 
– tomem por base uma quantidade de aproximadamente 1/2 garrafa de vinho por participante. Por exemplo: para um grupo de 8 pessoas o ideal seriam 5 garrafas de vinho;
 
– observe a seguinte ordem para servir os vinhos:
 
. Espumantes
 
. Vinhos Brancos leves (Sauvignon Blanc, Alvarinho)
 
. Vinhos Brancos encorpados (Chardonnay, madeirados)
 
. Rosados
 
. Tintos leves (Gamay, Pinot Noir)
 
. Tintos encorpados ou alcoólicos (Cabernet, Syrah)
 
. Vinhos de Sobremesa ou Fortificados
 
Simplificações podem ser feitas. Hoje é bastante comum usar um único tipo de taça para todos os vinhos. Escolha um tamanho entre a clássica para vinhos brancos e as maiores para vinhos tintos. Prefira as de cristal ou meio-cristal, perfeitamente transparentes. Pode parecer uma mania boba, mas bordas “finas” são fundamentais.
 
Que tal um jantar informal ou suas variações?
 
Apesar do título pomposo, isto nada mais é do que um prato quente oferecido em algum momento da noite. Algumas coisas devem ser decididas de antemão, por exemplo, o que vai ser servido? Isto implicará no que vai harmonizar com o prato.
 
Outro ponto que achamos importante considerar é o custo da brincadeira.
 
Lembrem-se que um jantar num bom restaurante, com 1 ou 2 garrafas de vinho não sai por menos que 180,00 ou 200,00 reais por cabeça. Em casa podemos preparar uma bela festa gastando muito menos que isto. Não se acanhem em rachar a despesa. Uma forma que vai fazer com que todos participem é pedir aos convidados que contribuam, seja com os vinhos, previamente definidos, a sobremesa ou mesmo os pães e salgadinhos. O anfitrião entra com a casa e o prato principal.
 
Na semana passada organizamos uma reunião como esta aqui em casa.
 
Inicialmente seria servido um Arroz de Lula, mas descobrimos que um dos casais convidados tinha problemas com frutos do mar. Mudamos para um Escondidinho de Carne Seca, que acabou sendo um sucesso. Os acompanhamentos eram Arroz de Jasmim e Salada.
 
Para abrir os trabalhos havia um bloco de patê acompanhado de geleia de frutas vermelhas e uma forma de queijo Camembert. Torradinhas, Nachos e outros salgadinhos completavam o quadro.
 
Para preparar o paladar foram derrubadas duas garrafas de espumante, um Cave Pericó Champenoise Nature, de Santa Catarina, excelente por sinal, seguido de um Cave Geisse Brut, velho conhecido nosso. Tudo servido em longas flûtes e num ritmo lento e gostoso.
 
 
O Escondidinho foi servido por volta das 22:00. Estava tudo previamente montado restando apenas colocar no forno por alguns minutos e levar para os convivas.
 
Para harmonizar com o prato quente selecionamos um Inominable Lote III, interessante corte de diversas safras e castas (5 pelo menos) elaborado pela vinícola Villagio Grando, que estava guardado há algum tempo. Foi decantado no final da tarde repousando até o momento de degustar.
 
Para provocar os nossos amigos, deixamos a garrafa à vista já sabendo que todos só olhavam para o decantador.
 
Não deu outra, ninguém descobriu qual era o vinho…
 
Uma segundo vinho foi aberto, o Lagarde Guarda, corte de Malbec, Cabernet Sauvignon e outras castas, servido através de um aerador. Ficou bem interessante a comparação com a preferência dividida entre o Nacional e o Argentino.
 
 
Para encerrar a noite sorvete de baunilha e biscoitos de chocolate acompanhados de uma tacinha de Licor de Tannat, uma especialidade uruguaia. Já passava da meia-noite quando todos se despediram.
 
 
Não fizemos as contas, mas ficou infinitamente mais barato do que se gastaria na noite carioca, sem falar que o ambiente era insuperável. Um único e óbvio senão foi arrumar a casa no sábado de manhã…
 
Existem diversos desdobramentos possíveis nesta linha:
 
. Vinhos de uma determinada região e a culinária correspondente;
 
. Vinhos de uma mesma casta elaborado em diferentes regiões;
 
. Novo Mundo x Velho Mundo – esta é clássica e bem fácil de organizar;
 
. Vinhos de uma mesma faixa de preço. Muito interessante, fixe o valor e o tipo (branco ou tinto) e deixe que cada um escolha o que vai trazer. Divertido!
 
Para reuniões mais sofisticadas é perfeitamente possível fazer comparações de grandes vinhos, safras e até mesmo vinhos “elegantes” ou “icônicos”.

Dica da Semana:  um vinhaço lá da Califórnia. Escolhido recentemente como o melhor do Encontro de Vinhos 2014 no Rio de Janeiro
 

Mettler – Old Vines Zinfandel Epicenter

No nariz, aromas de ameixa, morangos e baunilha seguidos de um quê de anis.Na boca, complexos sabores de ameixa, cerejas negras, frutas do bosque escuras e tabaco.Tudo equilibrado com chocolate amargo que envolve o pálato.Taninos aveludados são mantidos em vibrante suco com acidez presente.
Harmoniza com carnes vermelhas, embutidos e massas com molho vermelho.

Aromas! – Final

Os aromas mais comuns em tintos ou brancos não se resumem aos de frutas. Há muitos outros que podem ser identificados por olfatos bem treinados. Fizemos a sugestão do “dever de casa”, mas isto não era obrigatório e nem necessário para apreciar um bom vinho. Era, apenas, desejável.
 
É sabido que os aromas de nossos alimentos e bebidas influenciam o nosso paladar: o cheiro que sentimos definirá o gosto em nosso palato. Isto vale para o vinho embora muito do que se sente no nariz não se repete com a mesma intensidade na boca.
 
Para completar a nossa escala aromática, vamos passear pelas notas que tem origem nas flores, especiarias, ervas, madeira e alguns outros mais raros e curiosos. (apresentaremos os mais comuns apenas)
 
Começamos pelos Tintos:
 
Aromas Florais:
Eucalipto, Hibisco, Lavanda e Rosa.
Aromas Herbáceos e de Especiarias:
Alecrim, Anis, Baunilha, Canela, Hortelã/Menta Orégano, Pimenta do Reino e Sálvia.
Aromas Madeirados e Outros:
Café, Chá Preto, Chocolate, Cogumelos (terra), Couro, Cravo da Índia, Defumado (fumaça), Endro (Dill), Folhas Secas, Grafite, Noz Moscada, Sândalo, Tabaco e Toucinho (bacon). Pode-se acrescentar, novamente, Baunilha, que surge durante o contato com o Carvalho, notadamente o de origem Americana.
 
“Grafite” parece fora de lugar, mas ele existe é já foi um aroma peculiar em alguma fase de nossas vidas, afinal, apontamos muitos lápis…
 
Vinhos Brancos:
 
Aromas Florais:
Flores Brancas, Flor de Laranjeira, Madressilva e Rosa.
Aromas Herbáceos e de Especiarias:
Açafrão, Aipo, Baunilha, Capim, Erva Cidreira, Gengibre, Tomilho e Pimenta Dedo de Moça.
Aromas Madeirados e Outros:
Açúcar Queimado, Amêndoa, Caramelo, Cera de Abelha, Coco, Cogumelos, Creme de Leite, Derivados de Petróleo (Querosene), Manteiga, Mel, Noz Moscada, Pedra de Isqueiro, Pó de Giz, Solução Salina e também Baunilha como no caso do vinho tinto.
 
 
“Pedra de Isqueiro” é aquele aroma que sentimos quando acionamos este acessório e sai uma faísca sem a chama.
 
Querosene, embora seja um aroma quase desagradável, é muito comum nos Riesling alemães ou alsacianos, sendo um indicativo de boa qualidade.
 
Giz ou Pó de Giz é nosso velho conhecido dos tempos de bancos escolares. Um dos aromas minerais mais fáceis de identificar. Outros seriam o de cascalho e terra molhada.
 
Algumas castas têm características mais marcantes e fáceis de perceber. Eis algumas delas:
 
– Cabernet Sauvignon, Malbec, Tempranillo e Syrah tem predominância das Frutas Negras;
 
– Pinot Noir, Grenache, Sangiovese, Merlot e Nebbiolo tem predominância das Frutas Vermelhas;
 
– Viognier, Chenin Blanc, Moscato, Sauvignon Blanc e Gewurtztraminer apresentam com mais facilidade os aromas de frutas de árvores;
 
– Semillon, Chardonnay, Riesling e Pinot Grigio apresentam, quase sempre, aromas cítricos.
 
Dependendo do binômio vinho/casta os aromas podem denunciar alguma coisa a mais sobre o que vamos beber. Os especialistas nas degustações às cegas usam muito estas técnicas. Por exemplo:
 
– num bom Chardonnay o principal aroma de fruta pode variar do limão até o abacaxi, indicando um vinho mais jovem ou mais maduro;
 
– Se um Chardonnay (principalmente) apresentar aromas e sabores “amanteigados” significa que passou por uma fermentação malolática e/ou por madeira;
 
– tintos com aromas de Pimenta do Reino e minerais (cascalho), dependendo da intensidade dos taninos, podem indicar vinhos de Bordeaux (tânicos), Rhône (redondos) ou mesmo alguns italianos se houver algum aroma de fruta por trás;
 
Enfim, há uma série interminável de combinações possíveis e só com muitas “horas de taça” nos tornaremos “experts” neste delicioso assunto.
 

 
Dica da Semana: uma das minhas castas brancas preferidas.
 
 
TERRE DEL FOHN PINOT GRIGIO – 2010 – $
Produtor:Cantine Monfort
Região: Alto Ádige, Trentino, Itália
Delicado, aromático, com sabores encorpados no palato, e um final elegante e bem equilibrado. Excelente como aperitivo, com peixes e carnes brancas.

Desafio Vencido!

Participar de uma ou mais confrarias de enófilos é sempre bom, divertido e uma oportunidade de se degustar ótimos vinhos. Mas ser considerado o “especialista” da turma pode ser complicado…
 
Na Confraria da Lagoa, um dos confrades tem a (justa) fama de ser um excelente cozinheiro, um verdadeiro ‘Chef’, como gostamos de brincar. Ele já havia sido intimado, diversas vezes, a produzir o seu prato de referência, uma (con)fusão entre as culinárias Indiana, Baiana e Grega que leva o artístico nome de “Arroz de Afrodite e Iemanjá”, elaborada cocção com camarões, curry e uma infinidade de outros temperos e acompanhamentos cuja combinação ele, sabidamente, guarda a sete chaves.
 
Como seria necessária uma cozinha completa para o nosso mestre cuca desenvolver a sua arte, encontrar um local para este almoço ou jantar era de importância capital, com várias exigências impostas pelos demais confrades: fácil acesso, opções de estacionamento e temperatura amena ou ar refrigerado. Para dificultar um pouco mais esta sonhada reunião, um último complicador: coordenar agendas…
 
Para resolver o problema só mesmo o Papai Noel! Pensando nisto, decidimos fazer o último encontro do ano e trocar os presentes de amigo oculto ao sabor dos quitutes do nosso “piloto de fogão”. Para apimentar ainda mais a reunião, eu e o meu comparsa da coluna, José Paulo, que gentilmente ofereceu a sua mansão para sediar o almoço, fomos desafiados a harmonizar o prato principal. Desafio aceito, sem mais delongas.
 
 
As dificuldades de conciliar os sabores deste prato, particularmente picante, com uma bebida, de modo a não prejudicar nem um nem outro começam com o ingrediente predominante, o “curry”, de origem indiana, que é um condimento composto por diversas especiarias e pimentas. Escolher um vinho para enfrentar esta avalanche de sabores exigiu uma pesquisa detalhada.
 
Primeiro olhamos o ponto de vista cultural. Na gastronomia da Índia o vinho não aparece como um aliado. Boa parte da população, por motivos religiosos, não consome álcool. Ampliamos o campo de buscas. Outras culturas produzem misturas de condimentos semelhantes, com variações nos ingredientes, obtendo currys mais ou menos picantes, intensos ou saborosos. Conseguimos elaborar uma tabela:
 
Curry amarelo – Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, bem cítrico, é o preferido. Há a opção do Cabernet Franc para acompanhar camarões ou frango. Para carnes vermelhas a aposta seria um Rioja espanhol.
 
Curry tipo Massamam (leva tamarindo) – Viognier, Vouvray ou até mesmo um Chardonnay nos estilos Chileno ou Australiano.
 
Curry verde (em geral muito forte) – espumante Demi-Sec, Gewurtztraminer ou vinho Rosé.
 
Curry vermelho – Riesling Kabinett, Vinho Verde ou Beaujolais Cru de Broully. 
 
Pad Thay (culinária tailandesa) – Prosecco ou Pinot Noir do Oregon.
 
Caso a preparação usasse leite de coco, uma boa aposta seria o Chardonnay madeirado ao estilo californiano.
 
A base do Arroz de Afrodite era o Curry Amarelo, mas o Chef insinuou que usaria outros condimentos picantes o que me fez arriscar e apostar num Gewurtztraminer Alsaciano. José Paulo optou pela linha mais tradicional e indicou um Chablis, excelente Chardonnay francês. Haveria um prato opcional, Penne ao Gorgonzola, para os de paladar sensível ou para os que não apreciam frutos do mar. Para este, a nossa indicação era um tinto de corpo médio. A sorte estava lançada!
 
Marcado para às 13:00, abrimos os trabalhos com uma rodada de espumantes para “fazer a boca”. Para exercitar o maxilar, pastinhas temperadas, pães diversos, torradas e um belo pedaço de gorgonzola. O problema foi que ninguém fixou um horário para que o almoço fosse servido, deixando a cargo do Chef que decidiu pelas 15:00. Até lá…
 
Sucederam-se as garrafas de espumantes!
 
 
Servidos os pratos e abertos os vinhos a surpresa foi total. O Arroz de Afrodite era tudo que fora prometido, estava simplesmente delicioso. O 1º vinho a ser degustado foi o Alsaciano.
 
Perfeito!
 
Podíamos sentir todos os sabores do curry, dos camarões e os do vinho. Excelente equilíbrio. Harmonização tão completa que surpreendeu inclusive ao Mestre Cuca que não estava muito convencido que daria certo. O caráter muito frutado deste vinho faz com ele se apresente quase adocicado, balanceando corretamente o sabor intenso dos condimentos.
 
 
O segundo branco, o Chablis, também cumpriu muito bem sua função, mas com outra perspectiva. Com uma presença cítrica muito intensa, amenizava o lado picante enquanto realçava os sabores dos frutos do mar. Experiência muito interessante. Desafio vencido!
 
 
Para o prato de massa foi selecionado um Montepulciano D’Abruzzo que caiu como uma luva. Como alternativa havia um Merlot que acabou sendo aberto mais tarde.
 
Para completar o banquete era chegada a hora das sobremesas que, obviamente, seriam acompanhadas por uma plêiade de vinhos de colheita tardia, entre eles um Vin Santo branco além de um Brandy de Jerez e um Cointreau: uma maravilhosa torta de goiabada e Mascarpone, e outra especialidade do Chef, morangos flambados ao Cognac Remy Martin.
 
Um luxo!
 
 
Literalmente a “farra foi completa”, a troca de presentes hilária e a vontade de repetir a experiência o mais breve possível.
 
 
Esta coluna entre em recesso até o ano que vem desejando a todos um ótimo Natal e um feliz 2014.

Dica da Semana:  já pensando no inclemente verão que vem por aí, uma opção diferente e gostosa, um vinho rosé argentino.
 
Carmela Benegas Rosé
Este vinho nasce da primeira sangra dos vinhos de guarda da vinícola.
Com atraente cor rubi, tem aromas de flores (violetas) e perfume de frutas.
No paladar é intenso e refrescante. Os sabores são combinados entre frutas vermelhas. É o que provoca sua grande duração na boca.
Um corte de 50% Cabernet Franc e 50% Petit Verdot
 

Quebrando alguns mitos – Final

#6: Os críticos de vinhos sempre dão as melhores dicas…
 
Para finalizar esta primeira série sobre a mitologia do enófilo, vamos tocar num assunto muito delicado. Pode até ofender alguns profissionais, mas o nosso objetivo é explicar os fatos.
 
Começamos usando o próprio exemplo desta coluna. Pelas nossas contas, esta seria a de nº 140 e excetuando uma única vez que não fizemos uma indicação, foram 139 dicas semanais. Em algumas ocasiões houve mais de uma dica, com outras sugestões embutidas no texto.
 
Será que acertamos em todas? 
 
Provavelmente não. Nem sempre agradamos a Gregos e Troianos e a ideia por trás da dica da semana era estimular o consumo de vinho.
 
Por isto mesmo, com poucas exceções, eram vinhos agradáveis, fáceis de beber e numa faixa se preços convidativa. Escolhê-los não é uma tarefa simples e há muitas pessoas envolvidas que nos passam, direta ou indiretamente, algumas destas informações.
 
Eis a principal razão porque os críticos de vinhos, as listas de melhores vinhos, as revistas e congêneres, não são infalíveis: gosto é um assunto pessoal. Cada um deles têm suas preferências como qualquer outro enófilo. Honestamente, é muito difícil ser isento numa análise que é bastante subjetiva, por mais que nos atenhamos à fichas de degustação e critérios previamente definidos. Nem o famoso Robert Parker escapa: sua preferência por vinhos do Vale do Ródano é abertamente declarada e conhecida.
 
Como proceder?
 
O primeiro ponto para aproveitar uma dica de um especialista é conhecer o nosso paladar. O segundo ponto é saber um pouco sobre vinhos ou pelo menos sobre a recomendação, de maneira que possamos avaliá-la corretamente em vez de sairmos desesperados em busca da “garrafa mágica”, que nem sempre pode estar à venda em nosso mercado.
 
Novamente, tarefa nada simples. Só com o tempo vamos moldando o nosso paladar e refinando nossas escolhas vínicas. Para apreciarmos um vinho ou qualquer outra bebida, a boa gastronomia, etc, é necessário que tenhamos sensações específicas de aromas e sabores previamente registradas em nossa memória gustativa/olfativa. Só assim seremos capazes de rapidamente identificar o que nos é agradável, fazer combinações de diversos ingredientes e realmente apreciar o que nos é servido. Cada um de nós vai ter um “mapa” diferente destas impressões e vai reagir de forma diversa em cada oportunidade. Insisto: isto vale para os críticos também. Eles não são deuses e nem senhores de todas as coisas.
 
Resumindo: gosto é pessoal.
 
O segundo ponto é ajustar o nosso paladar ao de um crítico de referência. Há alguns fatores que devem ser observados, o principal deles é de ordem cultural: qual o “background” e a origem do nosso autor preferido. Isto pode dizer muito, mas nem sempre estas informações estão claras.
 
Vamos organizar um pouco as ideias.
 
Imaginemos um crítico francês, povo que vivencia vinhos diariamente. Esta bebida faz parte da dieta básica, é considerada como um alimento e tem preços compatíveis com o dia a dia de um cidadão. Para um especialista como este, sua escala de valores é bem definida e tem por ponto de partida o que é consumido em sua casa, diariamente.
 
Um jornalista especializado inglês ou norte-americano, embora consumam vinho em suas dietas normais, levam em conta outros fatores regionais que afetam diretamente suas indicações. Os ingleses são os maiores importadores de vinhos do mundo enquanto os americanos olham muito para sua própria produção da qual são extremamente orgulhosos. São dois vetores importantes.
 
Nós teremos melhores chances com os críticos brasileiros e sul-americanos: conhecem o nosso mercado, o gosto predominante e estão atentos aos preços extorsivos praticados, mesmo para produtores nacionais. Aqui o negócio é faturar e não aumentar o consumo: se puderem lucrar tudo numa única garrafa, melhor!
 
Vamos refletir sobre a lista anual de melhores vinhos da revista Wine Spectator. Apresento os 10 melhores a seguir:
 
1 – Cune Rioja Imperial Gran Reserva – 2004 – 95 pts
2 – Château Canon-La Gaffelière St.-Emilion – 2010 – 96 pts
3 – Domaine Serene Pinot Noir Willamette Valley Evenstad Reserve – 2010 – 95 pts
4 – Hewitt Cabernet Sauvignon Rutherford – 2010 – 95 pts
5 – Kongsgaard Chardonnay Napa Valley – 2010 – 95 pts
6 – Giuseppe Mascarello & Figlio Barolo Monprivato – 2008- 95 pts
7 – Domaine du Pégaü Châteauneuf-du-Pape Cuvée Réservée – 2010 – 97 pts
8 – Château de Beaucastel Châteauneuf-du-Pape – 2010 – 96 pts
9 – Lewis Cabernet Sauvignon Napa Valley Reserve – 2010 – 96 pts
10 – Quilceda Creek Cabernet Sauvignon Columbia Valley – 2010 – 95 pts
 
Dos vinhos apresentados, encontrei 4 (quatro) à venda no Brasil, vejam as diferenças:
 
– Cune Rioja Imperial, safra 2005 custa R$ 247,47 na Vinci Vinhos. Lá fora podemos comprar por US$ 63.00;
 
– Château Canon-La Gaffelière, safra 2006, por R$ 699,00 na Grand Cru (mais caro por ser uma safra mais antiga). No exterior custa US$ 110.00 (safra 2010);
 
– Château de Beaucastel Châteauneuf-du-Pape, safra 2009 por R$ 632,00 na Via Vini. Fora do nosso país custa US$ 120.00;
 
– Giuseppe Mascarello & Figlio Barolo Monprivato. Safra 2006, por R$ 584,90 na Decanter. Voltando de um passeio à Europa, compramos por US$ 110.00.
 
Excetuando o vinho espanhol, nenhum deles é um vinho “barato”, nos padrões europeus ou norte–americanos, mas acessíveis. Aqui são abusivos…
 
Só para completar, não havia nenhum vinho nacional.
 
Dos nossos vizinhos, 3 argentinos (nos 36, 42 e 73) e 3 chilenos (nos 44, 47 e 62).
 
Fica fácil perceber que devemos encarar estas relações de vinhos com uma certa reserva: representam, na maioria das vezes, apenas desejos, metas para termos em nossa adega. O ideal é confiarmos em nós mesmos aprendendo com o tempo e com os erros. Os “especialistas” vão mostrar o caminho a seguir, apenas.
 
Dica da Semana:  sem, medo de errar. O da safra 2011 esta na lista citada. Mas ainda não estão vendendo por aqui. Até lá, fique com esta outra safra.
 
Norton Reserva Malbec 2010
 
Elaborado com uvas Malbec provenientes de vinhedos com mais de 30 anos, este é um dos Malbecs mais emblemáticos da Bodega Norton. Um vinho encorpado e elegante ao mesmo tempo, com boa presença de fruta e taninos macios.
Na boca é harmonioso, amplo e persistente. Indicado para pratos de carnes vermelhas, queijos de massa mole.
 
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