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Corte, Assemblage, Blend

Qualquer um dos nomes acima tem o mesmo significado: um vinho elaborado a partir uma mistura de diferentes tipos de uvas ou de vinificações em tinto, branco ou rosado. Por analogia, um Varietal é o vinho produzido com uma única casta. O principal objetivo de um enólogo ao decidir por um corte é obter um produto de melhor qualidade.
 
Não se pode precisar quem foi o primeiro vinhateiro a elaborar uma mistura. Certamente os primeiros vinhos produzidos eram um tipo de corte: os vinhedos, ainda selvagens, eram compostos por diferentes cepas. Num determinado momento, colhiam-se os frutos, mesmo com pequenas diferenças de maturação, e tudo era jogado nas cubas de fermentação.

O vinho de corte como conhecemos hoje decorre de diversos fatores típicos do Velho Mundo. Observando as principais áreas produtoras da França, inegavelmente o berço do vinho moderno, percebe-se que a divisão das terras (vinhedos) é quase uma colcha de retalhos. Não existem gigantescas propriedades como as que são comuns nas Américas, por exemplo.

O famoso Chateau Petrus tem 11 hectares de vinhedos, enquanto um Clos de Los Site, na Argentina, tem gigantescos 850 hectares. Para complicar um pouco, vinhedos são bens de família e estão sujeitos a serem repartidos por herança. Quando isto acontece, o que era pequeno fica minúsculo. Há casos conhecidos em que cada herdeiro foi contemplado com uma fileira de parreiras…

Produzir um vinho a partir destes vinhedos de pequeno porte quase nunca é possível. A alternativa é vender as uvas para um produtor mais estruturado. Mesmo aqueles agricultores que conseguem montar uma pequena cantina e produzem seu próprio vinho, preferem vendê-lo no atacado: o volume é pequeno, não sendo interessante do ponto de vista comercial engarrafar, distribuir e vender.

Outro fator que reforça estas explicações são os Negociants ou Mercadores do Vinho. Empresários que dispõem de alguma estrutura, inclusive uma vinícola, mas que preferem comprar uvas e vinhos no atacado. A partir do que foi adquirido, elaboram suas misturas e as vendem com rótulo próprio. Alguns dos grandes vinhos da França são produzidos assim: Bouchard Père et Fils; Faiveley; Maison Louis Jadot; Joseph Drouhin; Vincent Girardin; Georges Duboeuf; Guigal; Jean-Luc Colombo; Mirabeau; Jaboulet, etc..

Existem diversos tipos de corte e, dependendo da legislação específica do país produtor, um vinho classificado como varietal pode ser um corte, por exemplo: um Cabernet da Califórnia basta ter 90% do volume com esta casta para ser vendido como varietal.

Os cortes mais comuns envolvem duas ou mais castas diferentes, que podem ser vinificadas em separado ou ao mesmo tempo. O conhecido corte Bordalês é o melhor exemplo: em qualquer lugar do mundo significa um vinho elaborado com Cabernet Sauvignon e Merlot, pelo menos, podendo haver mais outras castas como Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère. Mas só estas! Se na composição desta mistura entrar uma quantidade de Syrah ou Tannat ou qualquer outra casta, deixa de ser “Bordalês”.

Atualmente estão na moda os vinhos de parcelas ou vinhedos únicos, o que nos leva a uma outra definição de corte: vinhos produzidos com uma única uva, mas de diferentes terroirs. Um bom exemplo são os Catena DV, abreviatura de “Doble Viñedo”. Outra variedade de corte envolve vinhos de diferentes safras. Dois representantes típicos desta modalidade são os vinhos do Porto e os Champanhes.

Apresentamos a seguir outros cortes clássicos:

GSM – abreviatura de Grenache, Syrah, Mourvèdre. Corte típico da região do rio Rhone.
 
Châteauneuf-du-Pape – também da região do Rhone. A casta Grenache pode ser cortada com até 12 outras, inclusive brancas.

Super Toscanos e Super Piemonteses, são cortes produzidos a partir das clássicas Sangiovese (Toscana) e Nebbiolo (Piemonte) com as mais tradicionais uvas francesas como a Cabernet, Merlot, etc. Durante muito tempo foram classificados como “vinhos de mesa”, mas hoje são o orgulho da Itália.

Amarone, Ripasso, Valpolicella e Reciotto, tradicionais cortes das uvas Corvina, Rondinella e Molinara. O Amarone disputa com o Barolo, o Brunello e o Barbaresco o título de melhor vinho.

Existem infinitas possibilidades, alguns países como Portugal, sempre produziram vinhos de corte: seus vinhedos nunca foram de uma única espécie. Por outro lado, os produtores do novo mundo é que praticamente inventaram o vinho de uma única casta. Mas logo perceberam que a grande arte está no corte: só aqui o enólogo é capaz de mostrar todo o seu potencial.

 

 
 
Dica da Semana:  Um corte bem diferente e saboroso.
 
Viñedo de los Vientos Catarsis 2013
Um versátil corte de Cabernet Sauvignon (70%) e Tannat (30%), podendo ser usado para harmonizar com costela ensopada, penne aos quatro queijos, risoto de cogumelos, polenta cremosa com ricota defumada, carré de cordeiro, ravioli ao molho branco com parmesão gratinado, espaguete ao ragu de linguiça fresca.

Recapitulando sobre os tipos de vinhos

Chamou a nossa atenção uma dúvida comum de alguns leitores sobre a diferença entre Vinho do Porto e Vinho do Douro.
 
Embora este blog sobre vinhos nunca tenha pretendido ser um curso, foi necessário nas primeiras publicações estabelecer uma linguagem comum entre autor e leitores, razão pela qual alguns textos foram considerados como didáticos. Em várias oportunidades mencionamos os diferentes tipos de vinhos que existem no mercado, inclusive os dois que motivaram a dúvida.
 
Faço um convite a todos os leitores que releiam alguns dos meus textos sobre este tema, que foram publicados em 2001. Para ajudar, aqui estão alguns links:
– Espumantes, Brancos, Rosés, Tintos, Doces e Fortificados;
 
 
– Vinhos Fortificados – 1ª parte (a continuação desta série fala do Jerez e do Madeira);
 
Mais recentemente, nas colunas sobre a viagem por Espanha e Portugal, novos conhecimentos podem ser adquiridos.
 
Para a turma que prefere as respostas diretas:
 
Vinhos do Porto são elaborados adicionando-se, durante a fase de fermentação, uma quantidade de aguardente neutra para interromper o processo. Como nem todo o açúcar é convertido em álcool, o produto final tem sabor adocicado e muito agradável, apesar ao alto teor alcoólico. Este processo é a “fortificação”;
 
Vinhos do Douro são os vinhos, não fortificados, produzidos nesta região vinhateira com as castas típicas de Portugal. Todo Vinho do Porto é, em tese, um “Vinho do Douro”, pois somente lá podem ser elaborados. Mas, dentro desta lógica, nem todo Vinho do Douro seria um Porto.
 
No intuito de não deixar mais nenhuma dúvida sobre este tema, apresento, a seguir, uma extensa relação de tipos de vinhos que são produzidos atualmente. Não pretende ser completa, serão citados, apenas, os produtos mais conhecidos.
 
TIPOS DE VINHOS
 
A primeira grande divisão é quase intuitiva: Espumantes; Brancos; Rosés; Tintos e Vinhos de Sobremesa (doces, fortificados, etc.).
 
1 – ESPUMANTES
 
Podem ser vinificados em Branco, Rosé ou Tinto.
 
Denominações habituais:
 
Champagne – tradicional corte de Chardonnay e Pinot Noir, produzido unicamente nesta região demarcada, utilizando o método Tradicional. Somente estes vinhos podem usar a denominação Champagne.
 
Vin Mousseux – literalmente significa “vinho efervescente”. Logo, o Champagne é um vin mousseux, mas nem todo vin mousseux é um Champagne. Existem outros espumantes franceses que são comercializados com denominações diferentes:
 
    Cremant – produzido no Loire, na Borgonha e na Alsácia;
    Blanquet – elaborado na região de Limoux.  

Cava – típico da Espanha, vinificado com uvas locais como Macabeu, Parellada e Xarel-lo.

 
Prosecco – espumante italiano com denominação protegida. Obrigatoriamente elaborado com a casta Glera, antiga Prosecco, proveniente da região do Veneto (Conegliano, Valdobbiadene).
 
Asti – espumante italiano produzido com a casta Moscato. O mais famoso é o Moscato D’Asti, da região de Monferrato.
 
Lambrusco – vinho frisante italiano produzido a partir das seis variedades da casta Lambrusco, conhecidas como Grasparossa, Maestri, Marani, Montericco, Salamino, e Sorbara. Os mais famosos são os da região da Lombardia (Emilia Romana).
 
Brachetto d’Acqui – espumante tinto e adocicado elaborado na região do Piemonte. Similar ao Lambrusco.
 
Sekt – nome alemão para vinho espumante. Geralmente produzido com Riesling, Pinot blanc, Pinot gris e Pinot noir.
 
Quanto ao teor de açúcar variam de Brut (seco) até Doux (doce)
 
2 – VINHOS BRANCOS
 
As castas mais conhecidas são:
 
Albariño ou Alvarinho
Moscato ou Muscat (*)
Antão Vaz
Pinot Blanc
Assyrtiko
Pinot Gris ou Pinot Grigio
Chardonnay
Riesling
Chenin Blanc
Sauvignon Blanc
Fiano
Semillon
Furmint
Sylvaner
Greco di Tufo
Torrontés
Grüner Veltliner
Verdejo
Malvasia
Viognier

(*) mais de 200 variedades 

Muitas vezes vamos encontrar vinhos brancos que recebem a denominação das regiões onde são produzidos.

Exemplos:
 
Sancerre e Pouilly-Fumé, produzidos com Sauvignon Blanc;
Chablis e Montrachet, obtidos com a casta Chardonnay;
Vouvray, elaborado com Chenin Blanc.
 
VINHOS BRANCOS DOCES: praticamente as mesmas castas produzem algum vinho adocicado.
 
As denominações mais conhecidas são:
 
Sauternes (Semillon, Sauvignon Blanc, e Muscadelle);
Tokaji (Furmint, Hárslevelu);
Gewurztraminer;
Riesling com predicados (Kabinet, Spatlese, Auslese, etc.);
Orvieto Abboccato;
Ice Wines (Eiswein);
Muller-Thurgau;
“Late Harvest” ou “Colheita Tardia”.
 
3 – VINHOS ROSÉS 

As mesmas castas usadas para produzir vinhos tintos podem produzir vinhos rosados. Os mais apreciados são:

 
Cabernet Sauvignon Rosé
Cabernet Franc Rosé
Grenache Rosé (Garnacha)
Pinot Noir Rosé
Syrah Rose
Sangiovese Rose
As denominações mais comuns são:
 
Provence Rosé
Loire Rosé
Bandol Rosé
Rose D’Anjou
Exceções:
 
White Zinfandel, White Merlot, Vin Gris e Blush Wine – são rosados.
 
4 – VINHOS TINTOS
 
As castas mais conhecidas são:
 
Aglianico
Mourvédre
Barbera
Nebbiolo
Cabernet Franc
Nero d’Avola
Cabernet Sauvignon
Petit Syrah
Carménère
Petit Verdot
Dolcetto
Pinot Noir
Gamay
Pinotage
Grenache ou Garnacha
Sangiovese
Cannonau
Syrah ou Shiraz
Malbec
Tannat
Mencia
Tempranillo
Merlot
Touriga Nacional
Montepulciano d’Abruzzo
Zinfandel ou Primitivo
Muitas vezes vamos encontrar vinhos tintos que recebem a denominação das regiões onde são produzidos.
 
Exemplos:
 
Bordeaux – corte com as varietais clássicas de lá: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, entre outras;
Borgonha – sempre Pinot Noir;
Beaujolais – sempre Gamay;
Chianti, Brunello di Montalcino, Vino Nobile di Montepulciano – diferentes vinhos elaborados a partir da casta Sangiovese ou seus clones;
Barolo, Barbaresco – diferentes vinhos elaborados com a casta Nebbiolo;
Châteauneuf du Pape – corte de até 13 varietais típicas do Vale do Ródano, podendo incluir uvas brancas;
Amarone – corte elaborado com base nas seguintes castas: Corvina, Rondinella e Molinara (pode haver outras), previamente passificadas;
Super Toscanos – vinhos elaborados com a uva Sangiovese cortada com uma casta europeia: Cabernet Sauvignon, Merlot, etc..
 
Alguns raros vinhos tintos doces:
 
Ochio di Pernice; Recioto della Valpolicella; Freisa
 
5 – VINHOS DE SOBREMESA (fortificados)
 
A) FORTIFICADOS TINTOS – vinhos que receberam em algum momento do seu processo de elaboração uma quantidade de aguardente neutra.
 
Porto – é uma denominação protegida. Só pode ser elaborado na região vinícola do Rio Douro com castas específicas.
Banyuls – denominação protegida francesa da região de Roussilon
Maury – denominação específica da cidade homônima
Rasteau – denominação protegida do vale do rio Ródano
 
B) FORTIFICADOS BRANCOS
 
Porto Branco – é seco se comparado ao Tinto
Muscat – os mais famosos são os de Frontignan, Beaumes de Venise e Rivesaltes
 
C) FORTIFICADOS E OXIDADOS – além da adição de aguardente são submetidos a processos como altas temperaturas ou Solera para que fiquem com sabor especial.
 
Jerez ou Sherry
Madeira
Marsala
Moscatel de Setúbal
Vin Santo (este não é fortificado)
Dúvidas ainda?
 
Dica da Semana:  nesta época de altos impostos, nada melhor que uma boa relação custo x benefício.

Guatambu Luar Do Pampa Chardonnay
Coloração esverdeada palha com tons platinados.
Aromas de chá verde, notas frutadas, como abacaxi e melão maduros, sobre um final de flores brancas.
Ao paladar, apresenta-se macio, untuoso, frutado e elegante, com acidez pronunciada, que nos brinda um vinho com intensa fruta, como melão e pera, aliado a um grande frescor.
Perfeito para acompanhar frutos do mar, saladas, bruschettas, queijos de pasta branda e frangos.

Uvas da Puglia – Negroamaro e Primitivo – Final

Embora a Negroamaro seja considerada a casta emblemática da Puglia, foi a Primitivo que fez as engrenagens do progresso se movimentar e alavancar a indústria de vinhos desta região, por uma simples razão: com o nome de Zinfandel, ficou famosa na Califórnia. Vamos conhecer um pouco desta história.

A Zin, apelido carinhoso colocado pelos californianos, foi a casta que mais sucesso teve nos EUA, sendo a mais plantada naquele território. Em 1967 o professor da Universidade de Davis, Austin Goheen, visitou a Itália e ficou intrigado com a semelhança entre os vinhos produzidos com a Primitivo e a Zinfandel.
Estudos posteriores, com mudas levadas para os EUA, demonstraram que do ponto de vista ampelográfico eram a mesma uva. Em 1976, o professor italiano Dr. Lamberti, levantou a hipótese que ambas castas seriam descendentes da Plavac Mali, uma espécie da Croácia.
Este fato abriu uma nova série de estudos e pesquisas que culminaram, em 2011, quando foi encontrada uma antiga varietal denominada Crljenak Kaštelanski, que significa “Uva Tinta de Castela”. Através de desmembramento da cadeia de DNA concluíram que ela, a Primitivo e a Zinfandel eram a mesma uva, sendo a Plavac Mali uma prima.
Se o leitor pensa que o mistério foi esclarecido está enganado. Em 2012 surgiu um novo capítulo: as Mestres do Vinho Jancis Robinson e Julia Harding, junto com o geneticista suíço Dr. José Vouillamoz, após anos de pesquisas e testes de DNA concluíram que a Zinfandel/Primitivo/Crljenak descendem de outra casta croata, a Tribidrag, que existe desde o século XV.

Como estudioso do assunto e apreciador dos vinhos destas uvas, posso afirmar que ainda não se chegou ao fundo desta questão. Ao analisar o nome Primitivo, descobrimos que tem origem no fato desta varietal amadurecer precocemente. O que nos leva a pensar: uma casta espanhola, a Tempranillo, cujo nome tem o mesmo significado da italiana, o recebeu pelas mesmas razões… (há estudos em andamento, mas até o momento, são uvas distintas).
Existe outra possibilidade para explicar o nome, bastando trocar o gênero para o feminino: Primitiva. Alguns autores ainda afirmam que os vinhos produzidos seriam rudes, duros e mal-vinificados devido ao caráter irregular do amadurecimento. Nada mais distante da verdade, principalmente se olharmos o sucesso espetacular, em todo o mundo, conseguido com a irmã californiana. A italiana vai mais longe: já foi demonstrado que evoluiu para um clone bem superior em relação ao norte-americano.
Seus vinhos são simplesmente deliciosos e se os leitores ainda não provaram um Primitivo está na hora de fazê-lo. São alcoólicos e com taninos marcantes, cores intensas e profundas, muito saborosos e aromáticos.
A principal denominação é Primitivo di Manduria, uma cidade da província de Taranto.

Em 2012, a revista Gentelman, encartada no jornal Milano Finanza, analisou os 5 maiores guias italianos de vinho, Gambero Rosso, Bibenda, Veronelli, l’Espresso e Luca Maroni comparando os resultados. O grande vencedor foi:
Primitivo di Manduria ES 2010 de Gianfranco Fino

Um “caldo” descrito como monumental, carregados com sabores de cerejas negras e frutas vermelhas. Notas de baunilha temperadas pelo adocicado do Carvalho. Aveludado e fresco com ótima acidez. (sem representante no Brasil)
 
Dica da Semana: o irmão da dica da semana passada. Excelente relação custo x benefício. Difícil não gostar deste vinho.
 

Masseria Trajone Puglia Primitivo di Manduria 2008
Produtor: Masseria Trajone
País: Itália/Puglia
Um vinho muito rico, cheios de fruta madura. Saboroso e fácil de gostar, combina muito bem com massas e pratos de sabor marcante. 
Esta é a última coluna de 2012.
Passeamos pela Itália apresentado as castas Sangiovese, Verdicchio, Vernaccia, Corvina, Rondinella, Molinara, Aglianico, Greco, Fiano, Falanghina, Montepulciano, Trebbiano, Negroamaro e Primitivo.
Ainda existem outras uvas que valem uma matéria, entre elas, Arneis, Barbera, Dolcetto e Nero d’Avola. No próximo ano voltaremos a elas em alguma oportunidade.
Feliz Natal, um ótimo 2013, e grandes vinhos!

Uvas autóctones da Itália – Um trio da Pesada – Final

Recioto dela Valpolicella
Durante muito tempo este era o principal vinho da região do Veneto até ser desbancado pelo Amarone no início do século XX. Tecnicamente é o mesmo vinho, um doce, o outro seco. Diferenças importantes no processo produtivo fazem toda a diferença.

A técnica de produzir vinhos a partir de uvas parcialmente desidratadas teria sido trazida pelos gregos quando ocuparam a península itálica em busca de terras mais férteis (Segunda Diáspora). Até hoje alguns produtores usam a expressão “Greco” para indicar este estilo de vinho.
Durante o processo de “apassimento” as uvas destinadas ao Recioto são secas por mais tempo do que as reservadas ao Amarone, obtendo-se uma maior concentração de açúcares. Para garantir a qualidade, a seleção de cachos no vinhedo é extremamente cuidadosa – só os frutos mais maduros e localizados no topo da vinha, recebendo a maior insolação possível.

A fermentação é interrompida prematuramente capturando todas as características de frescor e doçura dos frutos, resultando num alto teor de açúcar residual (250g/l) e baixo teor alcoólico, 12%. Armazenado em pequenas barricas de carvalho francês durante 12 meses, produz um vinho de corpo médio com textura muito aveludada. Sabores intensos e sedutores de frutas negras e chocolate.
Quase uma raridade, sua produção é muito pequena, 2% do volume de Amarone. Um dos poucos vinhos tintos de sobremesa não fortificados. Os principais produtores são Masi, Tomaso Bussola, Corte Sant’Alda e Giuseppe Quintarelli . Os preços variam entre R$ 200,00 e R$ 500,00, mas não são fáceis de encontrar por aqui.

Ripasso
O quarto vinho obtido nesta saga do “Trio da Pesada” tem uma interessante história. Seu nome deriva da técnica empregada no seu preparo. Ripasso, que significa repasse ou reprocessamento, é um método de vinificação que ficou esquecido por alguns séculos e foi revivido, a partir de 1980, pelo grande produtor de Amarone, Masi Agricola.

Em termos simples, após a fermentação do Amarone as borras são removidas e misturadas a um vinho Valpolicella Clássico recém produzido. Isto provoca uma segunda fermentação que vai turbinar o vinho acrescentando mais cor, taninos, compostos aromáticos, corpo, etc.
O resultado final é um ótimo vinho, bem acessível ao bolso dos pobres mortais. A parte divertida fica por conta dos diversos apelidos: Amarone dos Pobres; Amarone Jr., entre outros.

A técnica faz muito sucesso hoje em dia e gerou uma batalha judicial entre alguns produtores para que fosse liberado o uso da expressão “Ripasso” nos rótulos de seus vinhos: as grandes empresas haviam registrado este nome como uma marca.
Apesar de terem ganho a batalha, nem todos adotaram o termo preferindo usar “Dupla Fermentação” ou “Segunda Fermentação”. Alguns dos produtores que originalmente reservaram o termo Ripasso simplesmente abandonaram esta referência embora usem a técnica, como no rótulo abaixo.

Curiosidade:
Existe uma casta branca nesta região, a “Soave” que produz um branco de grande popularidade no país. Também é produzido o Recioto di Soave, um delicioso vinho de sobremesa.
 

Dica da semana: O preço médio de um Ripasso está na faixa de R$ 150,00 (2012). Há vários bons exemplares à venda. A Masi tem uma vinícola na Argentina que produz um Ripasso sul americano, obtido a partir de uma vinificação de Malbec e Corvina Veronese. Um dos vinhos de melhor relação custo x benefício do hemisfério sul.

Masi Passo Doble Malbec / Corvina 

A ótima acidez o deixa fresco e seco, ideal para acompanhar diversos pratos. Para Jancis Robinson, ele é “extraordinário” e um “great value”, “um vinho único, com um final de boca mais seco e sofisticado do que a maioria dos vinhos argentinos”.

Uvas autóctones da Itália – Um trio da Pesada – II

Corvina, Rondinella, Molinara – 2ª parte
Além do indigitado Valpolicella, 3 outros vinhos são produzidos com estas uvas. Um deles, o Amarone, é um vinho tão importante quanto o Barolo, o Brunello e o Barbaresco. Vamos conhecer um pouco de sua origem, que remonta ao século IV depois de Cristo.
Os Visigodos ocupavam parte do território italiano. Cassiodorus (Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus), um ministro do Rei Theodorico o Grande, menciona em uma de suas cartas um vinho denominado Acinático, obtido com uvas parcialmente secas na região de “Vallis-polis-cellae”. Este vinho foi, sem dúvida, o primeiro antepassado do Amarone.

Durante aquele período, o vinho ali produzido era doce e aveludado, hoje conhecido como Recioto della Valpolicella. “Recia” significa “orelha” e o termo foi empregado para caracterizar que só determinados cachos de uva, da parte superior da videira, deveriam ser usados na produção. Eles precisam ter um espaço entre os grãos para permitir a passagem do ar e a consequente secagem.
Como já sabemos, as uvas passificadas tem um maior teor de açúcar sendo usadas para produzir vinhos de sobremesa, desde que se controle muito bem a fermentação, interrompendo-a no momento certo.
Ao longo dos anos o Acinático se transformou em Recioto. Mais uma transformação ocorreria, já em eras mais modernas: em um dado momento da nossa história, algum vinhateiro não controlou bem o seu processo, permitindo a total conversão dos açúcares em álcool. O resultado foi um vinho seco, alcoólico e com um delicioso sabor entre o adocicado e o levemente amargo. Nascia o Amarone. A tradução literal do nome é “grande amargo”, mas longe disto, o nome é apenas um contraste ao Recioto que é doce.
Os Amarone eram elaborados de forma artesanal, para consumo próprio ou para presentear amigos. As primeiras garrafas foram produzidas no início do século XX. Comercialmente o vinho foi colocado no mercado após a segunda guerra.
Desde 2009 é uma DOCG, mas os métodos de produção, hoje, pouco se diferenciam daqueles da época de Cassiodorus. Tradicionalmente são permitidas as uvas: Corvina (40% a 70%), Rondinella (20% a 40%) e Molinara (5% a 25%). O clone Corvinone pode ser usado em lugar da Corvina, no máximo em 50%. O “Consorzio per la tutela dei vini valpolicella” faz outras recomendações, inclusive alterando as proporções de cada uva e permitindo, em certas áreas, a adição de castas aromáticas.
A produção artesanal se mantém até hoje, com intenso trabalho manual. Começa na seleção dos cachos no vinhedo – somente frutas com as características ideais são coletadas e enviadas para os “fruttaios”, grandes armazéns preparados para desidratar as uvas.

Acomodadas em esteiras de palha, caixas de madeira ou plástico, são submetidas a condições ideais de temperatura, umidade e aeração durante cerca de 120 dias. Obtido o grau de secagem desejado, as uvas são prensadas e vinificadas.  O vinho deve ser envelhecido em barris de carvalho, grandes ou pequenos por até 3 anos. Após ser engarrafado é armazenado por mais 2 anos. Cada safra só é comercializada 5 anos após a produção.

O resultado é um vinho de características únicas: encorpado, aveludado, com baixa acidez, teor alcoólico mínimo de 14%, sendo comum 15%.  Sabor muito característico de frutas maduras, compotas e toques herbáceos. Delicioso!
Na próxima coluna um pouco mais sobre o Recioto e o Ripasso.
Dica da Semana: os bons Amarone são muito caros, acima de R$ 1.000,00. Existem alguns mais em conta, ainda assim bem fora da nossa curva de preços. Escolhemos um que vale a pena o esforço para adquirir.

Sartori Amarone 2008 – $$$

Pais:Itália/Veneto/Valpolicella
Produtor:Sartori
Castas:50% Corvina, 40% Rondinella, 10% Molinara
Coloração vermelha intensa com reflexos granada. Aromas típicos remetendo a compota de frutas vermelhas. Final de boca intenso e corpo aveludado.
Harmoniza com culinária rica, grandes assados e queijos envelhecidos.
Premiação:92pt Wine Spectator (2004)
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