Corvina, Rondinella, Molinara
Vamos deixar as brancas descansar um pouco e voltamos a falar de uvas tintas. Este trio é responsável pelo maior volume de exportação vinícola da Itália. Um destes vinhos, o onipresente Valpolicella, rivaliza diretamente com o Chianti em termos de popularidade: não há um supermercado do mundo que não tenha uma garrafa desta à venda. O problema é a qualidade…
Conhecido como Trio de Verona, são típicas da região do Veneto, e responsáveis por diversos vinhos que transitam entre o medíocre e o maravilhoso. Mais adiante vamos falar um pouco mais sobre eles. Primeiro as damas…
Corvina é a uva mais importante. Seu nome deriva de Corvo, talvez por associação de sua escura coloração com as penas da ave. Estudos recentes de DNA apontam para um distante parentesco com a francesa Pinot Noir. Uma casta muito complexa, com alto teor de açúcar, é responsável pelos persistentes sabores frutados de ameixa, cereja e cassis. Mesmo após um longo período em contato com madeira esta característica permanece, evoluindo para ameixa seca, geleia de cereja e similares.
Tentativas de plantar a Corvina fora da Itália foram infrutíferas, esta casta está muito ligada a esta região onde, dependendo dos diferentes solos e micro-climas, surgiram alguns clones. Os especialistas preferem citar Corvinas, no plural, abrangendo todas as variações.
Rondinella, que significa pequena andorinha, tem no formato de suas folhas alguma semelhança com o rabo deste pássaro. É a parceira ideal da Corvina (de quem é um parente distante) na produção dos vinhos de Valpolicella, além do vizinho Bardolino. Embora não tenha um alto teor de açúcar, é responsável por introduzir aromas e sabores herbais e trazer frescor ao vinho. Apesar de fornecer grandes volumes da fruta, é uma casta irregular e não é usada para produzir vinhos varietais.
Molinara, que significa Moleiro (aquele que faz farinha), é a não menos importante terceira uva. O nome foi inspirado pela aparência da casca que apresenta uma fina camada branca que lembra uma farinha. Ao contrário das anteriores, sua cor é clara e contribui com a acidez, maciez e suculência.
Os vinhos
Embora na história de cada uva não tenha nada de especial, brilham na hora de produzir quatro vinhos muito importantes e significativos no cenário vinícola da Itália: Valpolicella, Amarone dela Valpolicella, Ripasso e Reciotto dela Valpolicella. Tecnicamente, um depende do outro.
Começamos pelo básico: o Valpolicella, um corte composto por Corvina (max. 70%), Rondinella, Molinara e outras uvas menos significativas. O nome vem da cidade homônima e tem origem controversa. Num documento de 1117, assinado pelo Imperador Romano-Germânico Frederico I, alcunhado de Barbarossa, aparece a primeira menção a “Val Polesela”. Deste ponto em diante, existem algumas versões, todas elas com algum grau de verdade.
Expressões gregas ou latinas podem ter sido a primeira forma de Valpolicella. Exemplos: do latim “pulcella”, um termo usado para qualificar Santa Eulália – buona pulcela fut Eulália – como escrito em sua cantilena. Pouco provável, ela foi uma mártir da Espanha; do grego “polyzelos” que significa “abençoado” ou ainda “de muitas frutas” termos que se estenderiam por toda a região. Pouco aceita embora a região tenha um solo muito bom para a agricultura.
A versão mais provável hoje, remete novamente ao latim, “pollus”, que genericamente se traduz como fértil ou rico em sementes. “Val-poli-cellae” significaria, literalmente, “vale das muitas cantinas” (cantina = vinícola).
Infelizmente o vinho ali produzido com esta denominação não é de boa qualidade. O alto volume de produção, as leis que permitem adições de uvas sem controle de procedência e até mesmo fatores como baixa qualidade de controles sanitários promoveram um desinteresse geral em melhorar a qualidade deste produto: é um vinho barato de consumo em massa. Curiosamente, tem um concorrente, o Bardolino, elaborado numa região vizinha que não dista mais de 20 km. Na opinião de muitos especialistas, são um desastre.
Há exceções, mas é preciso fazer uma licença poética: vamos falar de “vinhos de Valpolicella” em lugar de “vinho Valpolicella”. Com a consequente queda de preços devida ao alto volume de produção, os vinicultores e vinhateiros resolveram investir em vinhedos de altitude para produzir outros vinhos, com as mesmas uvas. Mas esta história fica para a próxima coluna.
Dica da semana: como tudo na vida, ainda existem produtores que fazem Valpolicellas de primeiríssima qualidade. Este é um deles.
Valpolicella Classico 2006
Produtor: Guerrieri-Rizzardi
País: Itália/Veneto
Uvas: Corvina, Rondinella, Negrara, Molinara e Barbera
Eis um vinho elegante e com bastante personalidade, para surpreender aqueles que ainda não conhecem o estilo dos melhores vinhos de Valpolicella, que nada têm a ver com os exemplares mais comerciais. Um Valpolicella bastante superior à grande maioria dos existentes no mercado, com grande classe e tipicidade, perfeito para acompanhar massas.