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8 Argumentos questionáveis

Quando comecei a escrever sobre vinhos para O Boletim decidi seguir alguns cânones, por exemplo, usar o jargão típico dos enófilos, mesmo sabendo que nem sempre isto faria muito sentindo para os leitores. Alguns e-mails até sugeriram a elaboração de um glossário.
 
Parece que esta linguagem muito específica começou a incomodar alguns pesquisadores que decidiram medir, no mercado inglês que é considerado o maior do mundo, o que realmente valia a pena ou era interessante saber para o consumidor final. O resultado é surpreendente, mostrando do que a força do marketing é capaz: termos restritos à profissão do enólogo acabam na boca do povo que não tem a menor ideia do que estão falando. Mas fica bonito… Eis alguns exemplos.
 
1 – As Notas de Degustação – honestamente, algum leitor já comprou um vinho por que se sentiu atraído por este tipo de informação? Saber que o que está na garrafa tem “Cor púrpura com reflexos violáceos” é fundamental na hora de comprar um vinho?
 
O estudo inglês mostrou que não, mais de 55% das respostas foram negativas, muitas apontando que esta descrição nem sempre era clara. Apenas 9% dos entrevistados afirmou que escolheu um rótulo baseado numa descrição do produto.
 
O resultado desta pesquisa pode ser usado em qualquer mercado sem grandes alterações.
 
2 – A Madeira dos Barris de Carvalho – saber de qual bosque veio a madeira usada numa barrica se tornou ponto de honra. Se vier de Alliers ou Tronçais tanto melhor, algo como ‘está é “a” barrica’…
 
Bobagem!
 
Só os muito ingênuos acham que vão notar alguma diferença se usarem esta ou aquela madeira. Um ponto é fundamental: o carvalho americano e o francês são diferentes acrescentando aromas e sabores distintos ao vinho que neles permaneceu. Mas quem decide o resultado final é o enólogo, que vai dosar o produto até atingir sua meta. Honestamente, é quase impossível saber ao degustar um vinho qual a origem das barricas.
 
Mais um ponto para pensar: o “carvalho francês” também existe em florestas que por muitos anos ficaram inacessíveis por trás da Cortina de Ferro. Hoje em dia já é possível falar em carvalho esloveno ou romeno. Do ponto de vista científico são exatamente iguais ao francês. Quem se arrisca a identificar um ou outro? Mais uma informação pouco relevante. Mas quanto prestígio…
 
3 – Vinhedo ou Parcela Únicos – esta frase está na moda e aumenta significativamente o preço dos vinhos que a trazem em seus rótulos. Se for realmente verdade que uma determinada vinícola faz regularmente vinhos somente com frutos obtidos de uma região específica de seu vinhedo, vamos ter que acreditar que o clima, naquela região, é imutável.
 
Não é bem assim. Ninguém dúvida que as melhores uvas vão para os melhores vinhos. Também é seguro afirmar que esta ou aquela micro região produz frutos de melhor qualidade. A dúvida fica por conta de o volume de uvas ser suficiente para elaborar uma quantidade de vinho que possa ser comercializada.
 
Este tipo de informação deveria ficar restrita aos Agrônomos e Enólogos, só a eles interessa. Mas vende o produto. O próximo passo vai ser algo como “Parreiras Selecionadas Individualmente”…
 
Vocês acreditam? Papai Noel existe?
 
4 – O Melhor Sistema de Fechar a Garrafa – Rolhas de cortiça versus o resto do mundo, uma batalha num ringue internacional: neste corner… e o juiz será o consumidor final.
 
Há muito para ser dito neste tema. O mais importante é: tampa de rosca vai ser o padrão em pouco tempo. A cortiça está cada vez mais cara, é produzida por um cartel, e para determinadas regiões do mundo é quase inacessível, por exemplo, a Nova Zelândia: mesmo seus vinhos top usam tampas de rosca.
 
Óbvio que vinhos icônicos e famosos vão continuar com o mesmo sistema que usam há séculos. Sempre funcionou e vai continuar funcionando. Trocar o sistema de fechamento de um vinho destes pode causar estranheza e desconfiança. A chave neste caso é que o preço da rolha não vai alterar em nada o custo final.
 
Mas o que dizer de um vinho do dia a dia? Para uma garrafa que custe 50 reais num supermercado não importa como ela foi fechada: quanto menor o custo melhor, desde que o sistema empregado cumpra sua função de vedação protegendo a bebida, melhor.
 
Deixem esta preocupação para os enólogos e aceitem sua decisão. Sempre será a melhor escolha para aquele produto.
 
5 – Dia e Hora da Colheita – este dado é de um preciosismo e de uma inutilidade assombrosos. Levante a mão o consumidor que for capaz de perceber esta nuance ao consumir um vinho. Nem o famoso Parker, aposto!
 
Pode parecer inverídico, mas já encontrei, num contra rótulo, um minucioso texto informando que as uvas teriam sido colhidas num dia do mês de Abril, à tarde. Em outro vinho, as uvas foram colhidas numa amena noite de março. Para quem isto é relevante afinal? Acho que a turma do Marketing pegou pesado aqui.
 
6 – Proporções de um Corte – apesar de ser uma informação relevante, estão levando isto ao extremo. É óbvio que fica frustrante ler um rótulo para descobrir que é um vinho obtido a partir de “uvas viníferas europeias”. Mas também não me adianta nada saber que um corte foi obtido a partir de 11,5% Cabernet, 15,7% de Carmenére, 13,87% de Malbec, 2,34% de Syrah e mais uma infinidade de uvas. Não precisamos nem desta, nem da outra informação; não ajudam em nada, confundem.
 
A grande maioria dos vinhos ditos varietais, ao contrário do que imaginamos, pode receber uma quantidade pequena de outras uvas que permitem um melhor acabamento do produto: pode melhorar a cor, aroma, tanino etc. Esta adição é legal, não precisa ser declarada e não muda a característica principal da casta, ou seja, um Cabernet com 10% de Merlot continua sendo um Cabernet.
 
Por outro lado, se um vinho for um corte em que as diferentes castas tiverem pesos semelhantes, está é uma informação válida que deve ser divulgada claramente. Fora disto, deixe para os ‘enochatos’.
 
7 – Teor Alcoólico – o que se discute aqui é se a quantidade de álcool num vinho tem realmente a importância que se atribui a este dado, que consta dos rótulos por obrigação legal. Países produtores que têm seus vinhedos em regiões de muito sol produzem vinhos mais alcoólicos, os frutos terão maior teor de açúcar para ser convertido. Mas este fator sozinho não torna um vinho melhor ou pior para ser consumido. Se realmente isto for um ponto de discussão válido é melhor esquecer o vinho e beber suco de uva: teor zero!
 
8 – A Cuba de Fermentação – a mais recente invencionice dos marqueteiros que resolveram distinguir os vinhos pelos recipientes em que são fermentados. Desta forma seriam sensivelmente diferentes vinhos que foram elaborados em tanques de inox, em barricas de madeira, piscinas de concreto (com ou sem epóxi) e até na última novidade um recipiente de forma oval construído em concreto.
 
Isto faz diferença? Creio que só para o enólogo ou algum especialista do assunto. Em todos os casos o resultado é vinho. Só de curiosidade, acho que seria mais útil saber qual a levedura utilizada, assim poderia esperar pela presença, ou não, de determinados aromas e sabores. O resto é subjetivo e fica a critério do leitor.

Dica da Semana: um excelente Syrah do Chile com uma característica que serve de exemplo para tudo que foi dito acima.
 
Polkura Syrah 2008
 
Composição: 94% Syrah, 2% Malbec, 1,5% Tempranillo, 5% Grenache Noir, 1% Viognier
Colheita: 22 de abril – 2 de maio 2007
Álcool: 14,6%; Açúcar: 2,6 g/l; Acidez: 5,9 g/l; PH: 3,62
Cor violáceo profundo. Aromas de pimenta branca e negra, acompanhado de frutas negras, ervas e aniz. Vinho de grande corpo, elegante, com taninos muito intensos, porém suaves. Acidez natural e doçura de álcool bem equilibradas. O vinho é muito complexo, integrando os diversos sabores que emergem no paladar. Final longo.
 
Precisa disto tudo ou bastaria dizer: Ótimo vinho!
 

Um ótimo exemplo

Na semana passada recebemos este e-mail do leitor Francisco Calmon, do Distrito Federal: 

“Tuty,

Pela qualidade dos vinhos servidos, deve ter custado uma baba esta reuniãozinha… rs
 
Montamos uma confraria aqui no DF, contando com suas dicas. Estamos ainda no comecinho e nosso objetivo, em primeiro lugar, é gastar pouco, ou seja, fazer o que vc nos ensinou desde a sua primeira coluna: procurar vinho bom e barato. É claro que com isso provamos vinhos ruins, ainda não aprendemos a classificar os que valem a pena ser experimentados.
 
Fazemos a nossa reunião no sábado, cada vez na casa de um, já que todos do grupo moramos em casas. Ora fazemos um jantar, ora um comes e bebes, ora um queijos e vinhos, enfim… Já conseguimos achar vinhos muito bons (para nosso gosto) por valores inferiores a 40,00… nosso limite é 80,00 e não é sempre que há vinhos neste valor. Isto vale para brancos ou tintos.
 
Somos 5 casais de amigos e, tirando uma das mulheres, todas bebem… e bem… Contratamos uma van que nos leva a casa onde será o encontro da semana. O motorista nos espera e nos deixa em casa… sempre o mesmo.
 
Mas o mais legal de tudo foi o nome da confraria: Confraria do Boletim… rs Espero que o Valter não nos queira cobrar direitos autorais… rs
 
Abraços e obrigado pelos belos momentos que vc e O Boletim nos está permitindo desfrutar.
 
Francisco-DF” 
 
Este e-mail nos encheu de satisfação. Se eu, José Paulo e Valter tínhamos alguma pretensão com a Coluna de Vinhos, a mensagem confirmou que “plantamos alguma coisa boa”!
 
Achamos esta iniciativa espetacular. Valter, que detém o nome ‘O Boletim’, não vai cobrar royalties. Pode ficar tranquilo Francisco.
 
José Paulo que é o atual presidente da famosa Confraria do Camarão Magro ficou empolgado: “Muito legal! Espetacular! Confraria é isto, não precisa complicar”.
 
 
Um detalhe que chamou nossa atenção foi a preocupação com o custo dos vinhos. A maioria dos leitores já percebeu que acreditamos na relação custo x benefício, apesar de algumas reclamações sobre a Dica da Semana que só apresentaria vinhos baratos, o que não é verdade.
 
Para diminuir significativamente o custo existe um truque que é aproveitar uma viajem para o exterior para trazer ótimos vinhos por preços convidativos, permitindo elevar o cacife. Basta lembrar-se de poucas regras:
 
1 – a legislação brasileira permite trazer na bagagem até 15 litros de bebidas alcoólicas. No caso do vinho, como cada garrafa guarda 750 ml, isto equivale a 20 delas. Mas não exagerem, além de aumentar o peso de sua mala pode chamar a atenção para outros itens. O ideal é de 6 a 12 garrafas (2 caixas), muito bem embaladas. Isto pode ser solicitado na hora da compra. Para garrafas individuais procure por um Wine Skin (foto);
 
 
2 – nas principais capitais do mundo e nas regiões produtoras, existem excelentes lojas de vinho preparadas para atender ao turista. Uma das mecas dos vinhos baratos é os EUA onde encontramos inúmeras lojas especializadas. A Total Wines, por exemplo, permite que os vinhos sejam encomendados com antecedência e enviados para o seu hotel. Melhor impossível! (www.totalwine.com)
 
3 – escolher os vinhos não é difícil e pode ser até muito divertido. Quase sempre nos guiamos pelos resultados das grandes degustações e concursos publicados na imprensa especializada.
 
Um exemplo que vai ilustrar bem este ponto é um vinho espanhol, Pétalos del Bierzo, que tem recebido prêmios e elogios por todos os lados: Wine Spectator – 93 pontos (safra 09); Robert Parker – 90 pontos (safra 09); Robert Parker – 90 pontos (safra 08); Wine Spectator – 90 pontos (07).
 
Custa no importador, Mistral, R$ 111,24 (em 2013) mais frete se não buscar na loja. No site da Total Wines ele sai por US$ 22.99 o que já é uma tremenda pechincha.
 
Comparamos por inacreditáveis US$ 19.00 numa lojinha ao lado de onde estávamos em Dobbs Ferry, NY;
 
 
4 – para terminar estas dicas, uma para deixar todo mundo com água na boca: esta é uma das poucas maneiras de se adquirir vinhos que nunca chegarão por aqui.
 
Foi o caso do Argyle, um premiadíssimo Pinot Noir do Oregon. Estava na alça de mira havia algum tempo até que, na mesma loja do vinho anterior, o encontramos por US$ 20.00 (já foi devidamente degustado com um belíssimo arroz de pato. O único defeito era a velha história da garrafa única…). Detalhe importante: tampa de rosca!
 
 
Um grande auxiliar para as compras é um aplicativo para smartphones e assemelhados o Vivino (http://www.vivino.com.br). Simplesmente fotografe o rótulo e mande para a rede. Após alguns instantes aparecerá uma avaliação do vinho que vai nos ajudar a tomar uma decisão. A base de dados atual é capaz de identificar quase 700.000 vinhos, 14.000 vinícolas de 46 países e 530 castas diferentes. Eis o resultado para o citado Argyle:
 
Um sistema de classificação bem simples de 5 estrelas onde 1* é um vinho horrível e 5* sensacional. O resultado é a média das notas dos usuários que provaram um determinado vinho. Neste caso, 3.4 de média em 73 avaliações, algo entre bom e ótimo.
 
Confrarias como as que frequentamos ou iguais a esta que o Francisco Calmon organizou, em Brasília, são palco para diversos experimentos que além de divertir vão aumentar, prazerosamente, a nossa cultura sobre vinhos. Habituem-se a fotografar as garrafas consumidas, as famosas ‘vítimas’, assim terão um registro visual que ajudará a lembrar do que foi bom ou não.
 
Definitivamente, votem no melhor e pior vinho!
 
Outra experiência que vale a pena é tematizar um destes encontros, por exemplo: “Vinhos Portugueses”. Estudem o tema com as fontes que conseguirem, escolhendo a harmonização e os vinhos, dentro do orçamento de cada grupo. Para arredondar tudo, indiquem um relator que vai dar uma ‘aula’ sobre o tema, explicando todos os vinhos (origem, casta, elaboração) e a razão da combinação com as comidas que estarão sendo servidas. Todo mundo aprende. Melhor ainda se tocar um fado.

Dica da Semana: um belo vinho do chileno, ótimo companheiro para estes dias mais frios.
 
De Martino Syrah Reserva 347 Vineyards
 
Com uma coloração púrpura luminosa, apresenta muita pureza olfativa com cassis maduro, couro, alcaçuz e grafite. Denso, sápido, com taninos arredondados e um longo final de boca.
Harmoniza bem com pratos condimentados como um Steak au Poivre Vert, carne de caça em molho escuro, Marreco recheado e embutidos defumados ou picantes.

Sexta-feira aqui em casa…

Entra ano, sai ano, quanto chega o período frio para os cariocas fazemos uma reunião para ‘abrir’ a temporada de degustar vinhos tintos. Neste 2013 não foi diferente. Convidamos três casais bons de taça e preparamos uma bela noitada.
 
Minha esposa havia chegado de viagem trazendo alguns queijos pouco comuns por aqui: um Stilton e um Cheddar ingleses e 2 queijos de leite de cabra produzidos em Chipre. Acrescentamos um viés árabe composto de Hummus, coalhada seca e Manouche. Cestas com alguns tipos de pães e torradas completavam a mesa de beliscos.
 
Mas tarde, dependendo da disposição da turma, serviríamos um prato quente.
 
Para iniciar os trabalhos abrimos um Primitivo di Manduria SUD Feudo San Marzano safra 2010.
 
 
Esta garrafa foi fruto de uma extensa negociação na compra de uma caixa do famoso Tiganello. Após muito papo, duas garrafas deste primitivo foram acrescidas, sem custo, ao pacote.
 
Na Puglia, esta casta irmã da californiana Zinfandel e da croata Crljenak Kastelanski produz vinhos encorpados, escuros, redondos e aromáticos, muito fáceis de beber.
 
Era fácil distinguir aromas de ameixas e cerejas maduras, notas de baunilha e cacau e muita fruta no paladar. Um ótimo começo de noite.
 
As taças secaram rapidamente e logo passamos para a segunda garrafa. Partimos para os argentinos: Goulart The Marshall Malbec, safra 2008. Um vinho de respeito com uma bela história.
 
O nome é uma homenagem ao fundador desta vinícola, o Marechal Gastão Goulart, que lutou na Revolução Constitucionalista de 1932 no Brasil. Exilado na Argentina, adquiriu o vinhedo em 1915, na região de Lunlunta, em Lujan de Cuyo.
 
 
Após muitos anos de abandono, sua sobrinha, a paulista Erika Goulart, assumiu a propriedade no ano de 1995, iniciando a recuperação do vinhedo e a construção da vinícola. A primeira vinificação foi em 2002 e desde então, seus produtos tem recebidos elogios da crítica e prêmios nos mais importantes concursos internacionais. Esta safra de 2008 recebeu 91 pontos de Robert Parker e 92 pontos da Wine Enthusiast. É considerado um ‘Best Buy’.
 
Com uma bela cor rubi intenso, tem aromas de frutos negros, tabaco e especiarias. No paladar percebe-se um bom corpo, taninos arredondados, frutos negros, pimenta e uma discreta baunilha devido ao envelhecimento em madeira. Um ótimo vinho que preparou a turma para o que viria em seguida.
 
O terceiro vinho da noite era algo muito especial. Outro argentino, o Petit Caro, uma ‘joint venture’ entre o respeitado Nicolas Catena Zapata e o Barão Rothschild, daí o nome: CAtena + ROthschild. Esta garrafa estava guardada, há algum tempo, para ser degustada junto com o ‘Caro’, carro-chefe desta vinícola. Simplesmente não aconteceu e por ser da safra de 2006 estava na hora de consumi-lo.
 
 
Este brilhante corte de Cabernet Sauvignon e Malbec não é mais produzido, tendo sido substituído pelo rótulo Amancaya. Isto tornou esta garrafa uma raridade. Foi degustado no ponto certo. Notava-se a evolução deste vinho já na cor, com notas de vermelho atijolado. Nos aromas, alguns terciários como couro e tabaco, mas ainda muita fruta, boa acidez, taninos equilibradíssimos. Muito gostoso de beber, um p*** vinho segundo um dos degustadores.
 
Resolvemos servir o prato quente, o momento era adequado. Uma curiosa receita à base de palmito, queijo Emmental e queijo Gruyère, preparados com um molho de creme de leite, tomate e diversos temperos. Apelidamos de ‘Strogonoff de Palmito’. Servido com arroz e batata palha, foi o sucesso da noite, todos queriam a receita.
 
Obviamente, as taças estavam secas. Hora de mais um vinho: o Lindaflor Petite Fleur 2009 da vinícola Monteviejo.
 
 
Uma escolha para reverenciar Catherine Péré Vergé, a proprietária da Monteviejo, recém-falecida. Ela foi uma das pioneiras do projeto de Michel Rolland em Mendoza, o Clos de los Siete. Sua vinícola foi a 1ª a ser construída e vem elaborando verdadeiras joias. Esta é uma delas. Um delicioso corte de Malbec, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah com coloração púrpura intensa. No nariz, aromas frutados e condimentados com notas de violeta e baunilha. No palato percebiam-se os taninos macios e sabor arredondado e ótima permanência. Excelente!
 
Estes dois vinhos harmonizaram perfeitamente com o ‘strogonoff’.
 
Era hora de fazer outra mudança. O próximo vinho seria de corpo infinitamente mais leve, já pensando na sobremesa: um Pinot Noir da Patagônia, o Reserva del Fin del Mundo 2010.
 
 
Um produto de alta qualidade, mas acho que servido na hora errada. Muito bem elaborado, apresenta a característica cor vermelho-grená. Aromas de boa intensidade remetendo a frutos silvestres, tabaco, terra e especiarias. Na boca é leve e equilibrado, taninos macios, boa acidez e corpo médio.
 
O problema foi que a ‘turma’ queria ‘caldos’ mais encorpados e, frente ao que já fora servido, achou este meio sem graça. Mas era outro grande vinho.
 
Devidamente pressionados a voltar ao ritmo anterior apresentamos um dos nossos trunfos: Viña Cobos Bramare, Cabernet Sauvignon, 2008. Um vinho de preço alto mesmo na Argentina, elaborado sob a supervisão do ‘Rei’ dos Cabernets californianos, Paul Hobbs e que recebeu 93 pontos de Parker. Não era para qualquer um…
 
 
Pediram e levaram! Um vinho intimidador. A turma engoliu em seco e fez-se aquele silêncio sepulcral. Quase numa única voz perguntaram: o que é isto?
 
A resposta?
 
Fácil, um vinho elaborado pela mais sofisticada vinícola boutique da Argentina. E nem era um dos top que chegam a ser vendidos por US$1,000.00. A denominação Bramare é a segunda linha da empresa e custa 1/10 deste valor citado. Mas vale cada centavo.
 
Uma belíssima tonalidade rubi saudava a nossa visão nas taças. A impressão olfativa remetia a groselha, cedro e grafite com notas de especiarias como cravo e pimenta do reino. No paladar o espetáculo continuava: amoras, figos, café, tabaco e cacau. Uma cascata de sabores encantadores. Perfeitamente equilibrado, final agradável e persistente. Um vinhaço!
 
 
Devidamente vingados pela desfeita que fizeram com o Pinot Noir, nos despedimos de nossos amigos que já estão aguardando o próximo encontro.
 
Até lá, ficamos com a …

Dica da Semana: não foi um dos que servi neste encontro, mas é um belo vinho e com ótima relação custo x benefício.
 
Salton Classic Reserva Cabernet Sauvignon
 
Elaborado a partir da variedade Cabernet Sauvignon. O vinho é fermentado por 15 dias e amadurecido por até 6 meses em barricas de carvalho norte-americano. Vinho límpido, com coloração roxo amora madura. Nariz complexo, frutos vermelhos, especiarias, uva passa, pimenta, eucalipto, violetas, ameixa passa, excelente permanência do sabor.

O Evento “Essência do Vinho”

Nos dias 2 e 3 de maio aconteceu a edição 2013 do ‘Essência do Vinho’, aqui no Rio de Janeiro, contando com mais de 150 vinícolas totalizando perto de 1.500 rótulos de vinhos da Europa e do Novo Mundo. Além da prova livre, ofereceu uma interessante programação de palestras com degustações específicas que valiam a visita. O preço do ingresso era bem acessível com direito a uma bonita taça de cristal. O evento aconteceu no Centro de Convenções Sul América, bairro Cidade Nova.
 
 
Para deixar os leitores com água na boca, um resumo do ciclo de palestras: (estes eventos eram pagos à parte)
 
– Vertical Alvarinho Quintas de Melgaço (vinho verde), apresentado pelo crítico e jornalista Rui Falcão. Safras degustadas: 2003; 2004; 2006; 2007; 2008; 2010; 2011; 2012;
 
– Os Grandes Vinhos de Domingos Alves de Sousa (Douro), apresentado pelo produtor. Vinhos degustados: Alves de Sousa Reserva Pessoal branco 2005; Alves de Sousa Reserva Pessoal tinto 2005; Quinta da Gaivosa 2008; Quinta da Gaivosa Vinha do Lordelo 2007; Abandonado 2009; Alves de Sousa Memórias; Quinta da Gaivosa Porto Vintage 2008; Quinta da Gaivosa Porto 10 Anos;
 
– Os Melhores Espumantes do Brasil, apresentado por Alexandre Lalas e Rui Falcão (jornalistas e críticos de vinhos).Espumantes comparados: Adolfo Lona Brut Rosé; Kranz Rosé Brut; Cave Hermann Lírica; Don Abel Brut; Miolo Brut Millésime; Maximo Boschi Brut Speciale; Estrelas do Brasil Nature; Cave Geisse Blanc des Blancs; Adolfo Lona Nature Pas Dose;
 
– Seleção de 11 Vinhos Espanhóis, apresentado por Alexandre Lalas.Vinhos em prova: Cava Jane Ventura Gran Reserva Brut Nature 2007 (Penedès); Pazo de Señorans Albariño 2010 (Rias Baixas); Finca Montepedroso Verdejo 2011 (Rueda); Pétalos del Bierzo 2009 (Bierzo); Pesquera Crianza 2009 (Ribera del Duero); Clio 2009 (Jumilla); Atteca 2010 (Catalunha); Finca Sandoval 2006 (Manchuela); Remírez de Ganuza Reserva 2004 (Rioja); Humilitat 2009 (Priorat); Hidalgo Pedro Ximenez Viejo Triana (Jerez);
 
– A História do Brasil Contada pelo Vinho do Porto, apresentada por Rui Falcão e Alexandre Lalas.Datas históricas e safras em prova: 1889 (Implantação da República) | Porto 1889, Quinta dos Cortiços, Reserva de Família; 1930 (Getúlio Vargas empossado como presidente); 1955 (Juscelino Kubistchek eleito presidente) | Quinta do Noval; 1958 (Brasil Campeão do Mundo de Futebol pela primeira vez) | Burmester Colheita; 1960 (A capital muda-se do Rio de Janeiro para Brasília) | Graham´s Vintage; 1985 (Fim da Ditadura Militar e regresso à Democracia) | Fonseca Vintage.
 
No salão estavam as principais importadoras nacionais, diversas vinícolas portuguesas, afinal este evento veio da terrinha para cá, e um stand da lusitana ‘Agua das Pedras’ que começa a ser distribuída no país.
 
O foco deste evento é nitidamente informativo e educacional, preocupa-se em disseminar a cultura do vinho. Um bom atrativo para o público jovem e para os enófilos que buscam novidades. Mesmo assim, havia um horário restrito para os profissionais.
 
 
A dupla de autores desta coluna dedicou apenas 1 dia para a degustação, alternando tintos, brancos e espumantes. Chamou a nossa atenção a qualidade dos vinhos colocados nas degustações livres. Tops, como o excelente ‘Pera Manca’, estavam ao alcance de qualquer um que estendesse a taça, sem muita firula.
 
Cabe uma explicação. Na maioria das mega-degustações os produtores reservam os melhores vinhos apenas para aquelas pessoas que tem um bom potencial de compra na sua avaliação pessoal. Da mesma forma que estamos observando esta ou aquela mesa de degustação, eles também estão atentos a quem se aproxima.
 
Entram em jogo aqueles velhos fatores: apresentação, modo como se dirige ao produtor/apresentador; interesse; comentários que reflitam o seu conhecimento sobre o tema, etc.. Cumpridos estes ritos, ao terminar o ‘flight’ apresentado em geral somos convidados para provar mais um, que está estrategicamente colocado sob a mesa…
 
Recentemente o guia Vinho & Cia, número 68, publicou um conjunto de 5 dicas de como devemos nos comportar numa feira de vinhos. Reproduzo a seguir:
 
1 – Aproveite uma feira de vinhos para aprender muito e conhecer pessoas com o mesmo interesse.
 
2 – Você não deve nunca se embriagar, e isso é regra geral para todo evento comercial. Se pretender provar muitos vinhos, procure cuspir cada um para poder experimentar vários. Não é deselegante é o convencional.

3 – Para provar um vinho, coloque na boca, aspire um pouco e sinta os sabores e demais características, como acidez, corpo, doçura e adstringência, mas sem engolir. (precisa de treino para isto)

4 – Saiba que é totalmente deselegante você chegar num estande ou numa mesa de um produtor e pedir logo o vinho mais caro dele. Todos querem mostrar a sua linha de produtos.

5 – Procure experimentar alguns ou todos os vinhos de um produtor ou importador que estejam à mostra. Melhor cuspir até chegar ao de sua preferência, e se for o caso engolir.

As novidades nem eram tantas assim. O primeiro a nos impressionar foram alguns vinhos representados pela importadora Devinum (http://www.devinum.com.br) que tem um ótimo portfolio.
 
Além destes, dois portugueses fisgaram o nosso paladar: os bons vinhos e azeites da Casa de Sarmento, importados pela Adrimar (www.adrimarimport.com.br) e os excelentes vinhos de Domingos Alves de Souza, importados pela Decanter (www.decanter.com.br).

Este produtor nos ofereceu um vinho pouco comum, mas excelente, o ‘Abandonado’. Com uma história que mais parece lenda, vale a pena reproduzir direto das páginas do produtor:

“Uma vinha a passar os 80 anos de idade, com várias falhas derivadas de um parcial abandono durante alguns anos. Numa zona de intensa exposição e com enormes afloramentos de xisto à superfície onde nem uma única erva subsiste. As gentes da Quinta depressa a apelidaram de “Vinha do Abandonado”. Durante anos tentamos recuperar a vinha e replantar as videiras desaparecidas. Até que desistimos. Apesar de todo o nosso cuidado apenas as cepas mais velhas eram capazes de subsistir em condições tão extremas. Em 2004 decidimos isolá-la pela primeira vez na adega da Quinta da Gaivosa. Revelou imediatamente uma personalidade e carácter únicos. Decidimos engarrafá-lo em homenagem às igualmente únicas vinhas velhas do Douro, que um dia desaparecerão. Hoje as celebramos”.

Este vinhedo, como muitos outros em Portugal, é um emaranhado de diversas castas o que dificulta a sua tipificação. Neste caso destacam-se as varietais Tinta Amarela, Touriga Franca, Touriga Nacional, entre muitas outras.

 
Notas de prova segundo o importador: Coloração rubi concentrada, quase negra. Deslumbrante olfato de pequenas bagas negras e vermelhas, menta, tomilho e tabaco. Denso, sápido, a madeira ainda marca um pouco a prova de boca mas não lhe retira de forma alguma a elegância. Muito longo, impressionante. Premiações recentes: Jancis Robinson: 18 /20; Parker: 94-96 Pontos
 
O único pecado deste vinho é o seu preço no Brasil: R$ 531,30 (safra 2009).

Dica da Semana: Um interessante espumante chileno produzido por Miguel Torres (importadora Devinum)
 
Santa Digna Estelado Rosé 
País: Chile/Vale do Curicó
Casta: 100% uva “País” (*)
Rosado com bolhas finas e persistentes. No aroma, notas de frutas vermelhas e cítricas predominam. Delicado, tem uma característica de muito frescor na boca.
Premiações: O melhor espumante do Chile pela Wine of Chile Awards e pelo guia Descorchados 2012.
(*) Uva espanhola, conhecida como Listan Negro no país de origem, chegou no Chile há cerca de 500 anos sendo cultivada por pequenos agricultores. No final do século XIX, após a introdução das primeiras videiras francesas, esta uva ficou esquecida.
 

Expovinis 2013 – Final

 Devidamente treinados pelo 1º dia, voltamos à exposição para experimentar, desta vez, somente tintos. Nossa intenção era boa, mas não poderíamos imaginar os desvios de rota que nos aguardavam.
 
Partimos direto para o stand coletivo da Itália onde havíamos mapeado, na véspera, alguns interessantes Primitivos e Amarones, vinhos que estão na faixa superior de nossas expectativas. Estávamos nos deliciando com um belo Amarone quando encontramos um amigo recente, o simpático Maurício Gouveia, que tem uma interessante trajetória.
 
Brasileiro com formação numa das áreas de saúde, herdou de seu pai terras na região de Trás-os-Montes, em Portugal. Por ter dupla cidadania, para lá se mudou e se envolveu no mundo dos vinhos. Recentemente montou sua importadora de vinhos aqui no Brasil, a Empório Gouveia. Maurício é muito bem conectado e conhecia todo mundo que era importante naquela exposição. Não precisa dizer que nossa visita, dali em diante, mudou completamente.
 
A primeira grande diferença se dava quando ele informava ao expositor que era um possível importador: uma degustação que seria boa dentro dos padrões normais passava a excelente! O ponto alto foi visitar um expositor de Portugal, Quinta do Romeu, da região do Douro.
 
Estávamos “passando ao largo” do stand de Portugal. Na segunda-feira daquela mesma semana havíamos participado de uma boa degustação de vinhos portugueses, aqui no Rio de Janeiro. A maioria destes produtores viera para a Expovinis. Mas este era novidade. Que vinhos e que azeite!
 
A apresentação deste produtor oferecida no catálogo da feira é surpreendente:
 
“Provavelmente os melhores vinhos do mundo são produzidos por uma família num terroir específico, ao longo de gerações. Desde 1874 que a família Menéres produz vinhos do Porto e DOC Douro em 25ha de terras de Xisto… São vinhos gastronômicos, com caráter, secos, muito aromáticos, frutados e equilibrados.”
O proprietário, João Menerés conduziu as duas degustações, vinhos e azeites. Foi espetacular! Prometi a ele que irei visitá-lo, promessa que vou cumprir em breve. A acolhida a esta ideia foi a mais simpática possível, estão totalmente preparados para receber visitas, a propriedade possui um museu, uma loja e um excelente restaurante o Maria Rita (foto).
 

 
Outras tendências observadas 
 
Alguns detalhes desta exibição chamavam muito a nossa atenção, a maioria eram apenas ‘efeitos especiais’ para atrair um visitante mais distraido. Outros se revelaram uma boa surpresa num mundo em que mudanças radicais nem sempre são bem vindas: as garrafas e rótulos e acessórios estão mudando! Vejam estas fotos:
 
 
Na direita, novos formatos para espumantes, na esquerda, sobre o balcão um elegante e diferente decantador. Infelizmente nosso fotógrafo não obteve boas imagens das novidades em formatos de taças, rótulos elaborados e até uma linha de vinhos para a nova geração com o rótulo cobrindo toda a garrafa, como uma luva ou envelope.
 
Na próxima semana, mais uma exibição. Desta vez visitamos a “Essência do Vinho“ no Rio de Janeiro.

Dica da Semana: um corte bordalês de Santa Catarina!
 

Santa Augusta Cabernet Sauvignon + Merlot 2008

 
Origem: Vale do Contestado Videira/SC
Elaborado a partir de uvas cuidadosamente selecionadas, provenientes de vinhedos próprios localizados a uma altitude de 1000 m.s.n.m. Cor vermelho rubi, com reflexos violáceos, límpido. Aroma frutado e franco com notas de amora, ameixa seca e uma nota discreta de vegetal e de tostado. Paladar frutado, com uma boa acidez, taninos presentes, harmônico e persistente. Harmoniza com carnes vermelhas, aves de caça, massas condimentadas com molhos de carne.

 

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