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Vinhos Fortificados – 1ª parte

Vinho do Porto – uma tradição portuguesa para o mundo 
Os leitores devem estar curiosos por não termos colocado este vinho junto com os de sobremesa. Há um grande motivo: vinho do Porto é um vinho como nenhum outro. Tem uma história interessantíssima e se há alguma bebida que pode ser chamada de tradição, este é o caso. 
Portugal é, provavelmente, o país com o maior número de castas viníferas, nativas, disponíveis no seu território e um dos 10 maiores produtores de vinho. A origem da vinificação na Península Ibérica remonta cerca de 2000 anos AC, quando um povo bárbaro, os Tartésios, teriam introduzido as vinhas na região. Os Fenícios teriam sido os primeiros a produzir vinho, tradição mantida pelos Romanos até o domínio Muçulmano durante os séculos VII a XII. A nação portuguesa surge entre os séculos X e XII, quando os cristãos se estabelecem na região hoje conhecida. 
O nosso vinho desta semana não chega a ser tão antigo assim. Surgiu, para o comércio mundial, a partir do século XVII, embora sua forma de produção já fosse conhecida desde os tempos dos descobrimentos. Reza uma tradição que um Porto teria sido o primeiro vinho a ser engarrafado e datado, em 1775, originando a indicação das safras nos rótulos. Mas há outra curiosidade: a cidade do Porto, que batizou o nosso vinho de hoje, não o produz! Ele é feito na região Vale do Douro, distante cerca de 100 km. O nome foi atribuído por ele ser comercializado nesta cidade, um porto exportador. 
Tecnicamente, não é um vinho de sobremesa, embora tenha um característico paladar adocicado, resultado de sua peculiar forma de produção. É um vinho fortificado ou generoso. Como ele, existe o Madeira, também produzido em terras portuguesas, o Xerez espanhol, o Marsala italiano, um Muscat Australiano e algumas falsificações históricas, inclusive no Brasil. O sabor doce resulta quando parte dos açúcares do mosto não é convertida em álcool ao se adicionar a aguardente vínica, para interromper fermentação. Este singular processo tem por finalidade preservar o vinho para enfrentar as longas viagens marítimas, sem azedar. Foi quase por acidente que se descobriu que isto o transformava numa bebida deliciosa, única. 
Para compreendermos melhor este vinho, vamos nos deslocar para a região do Douro, onde nascem as uvas que serão usadas no seu preparo. São 80 tipos diferentes de uvas que podem ser usadas na sua produção. Desde os anos 70, há uma tendência para utilizar as varietais Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Touriga Nacional e Tinto Cão. 
O tipo de terreno, xistoso, fez com que os vinhedos fossem plantados em patamares, solução ainda adotada nos dias de hoje, embora conviva com técnicas mais modernas. A visão destes vinhedos é monumental. Foi a primeira região demarcada e regulamentada, no mundo, quando o Marquês de Pombal criou a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756.

Marquês de Pombal 


 Vinhedos 

Depois de colhidas, as uvas são pisadas, como manda a tradição portuguesa. Mas já há maquinas robóticas nos maiores produtores. A foto a seguir foi copiada do site da Graham´s, um dos maiores produtores, prova de que as tradições são mantidas. 
Depois de vinificados, os vinhos são preparados para o envelhecimento, que será feito em armazéns, especiais, na cidade de Vila Nova de Gaia. Antigamente, os barris eram transportados, pelo rio, nos Barcos Rabelos. 
Hoje, viaja em modernos caminhões- tanque. 
Neste link do YouTube há um interessante vídeo:
São nos armazéns que o vinho do Porto nasce. As diversas vinificações serão misturadas, de acordo com cada enólogo, e envelhecidas por um período mínimo, obrigatório, de três anos. Os comerciantes britânicos dominaram este estágio por muitos anos. Por esta razão é que surgem, num produto tipicamente português, os nomes ingleses, que não se restringem às marcas comerciais (Taylor, Graham, Croft, entre outros), mas principalmente definiram sua classificação, seus estilos. 
São duas formas de classificação, pela cor e pela forma de envelhecimento. 
Segundo a cor, temos: 
Ruby – obtido através da mescla de vinhos com diversas origens e anos. Envelhecido em garrafas de grande volume por 3 anos. Tem sabor doce, encorpado, escuro, com um intenso aroma frutado. É um porto jovem. Representa a maior parte da produção; 
Tawny – obtido a partir dos vinhos que já passaram, pelo menos, 3 anos envelhecendo em madeira. É mais claro e menos doce que o anterior.
Segundo a forma de envelhecimento, temos: 
Indicação da idade – Tawny que recebe, no rótulo, uma clara alusão à sua idade – 10, 20, 30 ou mais de 40 anos; 
Late Bottled Vintage (LBV) – vinho de uma só colheita, num bom ano, mas que não atinge a mais alta qualificação (Vintage); 
Vintage Character ou Crusted Port – obtido pela mistura de diversos vinhos com diferentes idades. Permanece engarrafado por até 6 anos antes de ser comercializado; 
Vintage – vinho de uma só colheita, de safra reconhecida como excepcional e certificado pelo Instituto do Vinho do Porto. Permanece envelhecendo em madeira por 2 a 3 anos, antes de ser engarrafado. Depois, são 20 a 50 anos de garrafa! É o que há de melhor, a elite entre os portos. Tem cor escura, encorpado, com sabor marcadamente frutado. Deve ser consumido entre 15 a 30 anos após a colheita. 
Podem ser encontradas outras denominações, bastante raras, como Colheita e Garrafeira, definindo safras muito especiais. Há ainda uma categoria especial: Vinho do Porto Branco, considerado um vinho mais leve, menos alcoólico. Recentemente surgiu um Porto Rosé.
Harmonização 
Portos são vinhos muito versáteis, tanto podem ser consumidos como aperitivos, acompanhando uma refeição leve, ou como vinho de sobremesa e ainda pode ser utilizado na preparação de coquetéis. A seguir algumas sugestões, sempre lembrando que estes vinhos tem alto teor alcoólico, em geral 20%. Seu delicioso sabor acaba nos traindo e se consumido em excesso… 
– Porto Branco Seco e água tônica (Portonic) é uma deliciosa alternativa ao Gin Tônica; 
– com salmão defumado, amêndoas torradas e frutas secas use um Porto Branco; 
– o Branco pode ser harmonizado com saladas, peixes grelhados e sopas à base de creme de leite; 
– com patês e queijos fortes prefiram um Tawny de 10 anos; 
– assados e bifes com molhos intensos com pimentas ou algumas especiarias, o LVB é opção ideal; 
– nas sobremesas à base de chocolate o Porto ideal é o Vintage ou um LBV;
– para os doces portugueses prefiram os Tawnys envelhecidos. 
As opções são inúmeras e um pouco de experimentação é sempre bem vinda. Sirva sempre em cálices e com temperaturas entre 6 a 14 graus. 

Dica da Semana: 

Porto Burmester Jockey Club 

Este é um Porto Tawny com cerca de 7 anos, resultante da cuidadosa seleção de vinhos longamente envelhecidos no silêncio das caves, representando um tributo ao espírito e paixão dos Burmester pelo Desporto e pela Natureza.

Adoçando a Vida! – Final


Vin Santo, Passito, Icewines, Late harvest… ou: 
Não só de uvas botritizadas se fazem vinhos doces.

Se houvesse uma competição entre alguns vinhos de sobremesa, os dois produtos já apresentados seriam os favoritos. Mas há sempre aquele competidor inesperado, que surpreende os demais, deixando-os para trás. É o caso do primeiro personagem de hoje. Ele não é produzido a partir de uvas atacadas pela podridão nobre, mas com semi passificadas. Como o vinho húngaro, ele é um orgulho nacional. Conheçam-no! 
Vin Santo, da Itália
Batizado assim por ter sido usado, pela Igreja Católica, na consagração da missa. Outra explicação sugere que o nome surgiu em 1439, na época do Concílio Ecumênico que se realizou em Florença, capital da Toscana, onde é produzido. Alguns o grafam como Vinsanto, mas há uma pequena confusão com esta denominação: alguns vinhos, de origem grega, da ilha de Santorini, adotam este nome. 

Tradicionalmente, o Vin Santo provém das uvas Trebbiano, Malvasia, San Colombano e Canaviolo Branco. Algumas varietais mais contemporâneas já são aceitas, como Grechetti, Pinot branco e a Chardonnay. Existe um Vin Santo tinto, raro e delicioso, obtido a partir da uva Sangiovese. Não chega a ser um vinho de cor escura, estando mais próximo de um rosé, bem fechado. Ficou conhecido como Occhio di Pernice, ou Olho da Perdiz. Após a colheita, as uvas maduras são colocadas para secar sobre esteiras de palha durante um período de até 4 meses. As uvas serão prensadas, e o mosto fermenta e amadurece, em pequenos barris, os Caratelli. O período de amadurecimento pode durar de três a oito anos. Pode ser encontrado nos seguintes estilos: doce, amabile (meio doce) e seco. Deve ser bebido em cálice, ligeiramente resfriado, a 12°C. 

Uma das boas coisas da vida (realmente muito gostosa) é acompanhar o Vin Santo com um biscoito de amêndoas, o Cantuccini. Mergulha-se no cálice e… 
É fácil de encontrar, e também pode ser feito em casa (*receita depois da dica*). 

Vin Santo e Cantuccini 

A técnica de vinificação a partir de uva passa, Passito, origina excelentes vinhos. A Itália contribui com várias delícias, entre elas o reputado Passito de Pantelleria. A França nos dá os Côtes du Jura. Até no Brasil já temos o Passito de Moscato Giallo, produzido pela Vinícola Santa Augusta, em Sta. Catarina. 

Icewines 
Uma forma interessante de aumentar o teor de doçura na uva é deixar os cachos congelarem ainda na videira: a água congela, o açúcar, não. Obviamente, isto só é possível em países de climas frios. Alguns produtores, em países com climas mais temperados, adotam a criogenia, técnica de congelamento mecânico. Ao contrário das uvas passificadas e apodrecidas, para o Icewine a fruta dever estar intacta ou não resistirá aos rigores do processo. Podem ser usadas as uvas tradicionais, inclusive varietais tintas. 

Uvas congeladas 

Alemães e Canadenses dominam este mercado e os caldos são preciosos. Também já existe um Icewine brasileiro, produzido pela vinícola Pericó. 

Late harvest – Colheita Tardia 
O termo designa todo e qualquer vinho feito com frutas colhidas algum tempo depois de terem sido consideradas no ponto, o que abrange a grande maioria dos vinhos aqui descritos: Sauternes, Tokajis, Vin Santo, Passitos. Entretanto, produtores do Novo Mundo adotaram, informalmente, esta denominação para indicar os seus vinhos de sobremesa. Frequentemente, isso sinaliza o uso de uvas muito maduras, ainda não botritizadas. Se for o caso, haverá uma informação a respeito num dos rótulos. São ótimas opções, tendo excelente relação custo x benefício. 

Late Harvest Chileno 

Neste segmento, os vinhos brancos alemães se destacam indiscutivelmente, mas nem todos são doces. Por isso é indispensável compreender sua terminologia, algo bem ordenado, mas complexo. Vamos enfrentar esta fera! 
Os brancos germânicos são classificados como: 
Tafelwein – um vinho de mesa comum, sem grandes pretensões.
Landwein – vinho regional, normalmente seco. A lei exige uvas mais maduras, o que se traduz em melhor qualidade. 
Qualitätswein – vinho de qualidade. As uvas devem satisfazer um nível legal mínimo de maturação. 
Qualitätswein mit Prädikat – vinho de qualidade, dotado de seis predicados, mencionados nos rótulos, e indicativos de um determinado nível de maturação durante a colheita. As uvas são deixadas para amadurecer lentamente, e desenvolvem grande concentração de fruta e caráter, embora mantendo altos níveis de frescor e acidez. 
São elas:
    Kabinett – uvas totalmente maduras que resultam em vinhos leves, secos. 
    Spätlese – uvas colhidas no mínimo sete dias, ou mais, após a colheita principal, contendo grande conteúdo de açúcar. Os vinhos são intensos e concentrados, em duas versões, doce ou seco (Trocken).
    Auslese – uvas muito maduras, colhidas de maneira selecionada, muitas vezes botritizadas. Vinhos de paladar doce, produzidos nos estilos seco ou meio seco – Trocken ou Halbtrocken.
    Beerenauslese – bagos super maduros normalmente botritizados, produzindo vinhos muito doces e intensos.
    Trockenbeerenauslese – bagos super maduros, botritizados e passificados, e vinhos deliciosos, doces, incrivelmente concentrados, com acidez refrescante. Este é um vinho raro e muito caro, resultado de safras excepcionais.
Cabe nesta classificação o nosso conhecido Icewine (Eiswein). Sua doçura equivale a um Beerenaulese. 

Beerenauselese

Recomendações Finais Existe, principalmente no Brasil, um vinho de mesa, vendido em garrafão, sob a denominação de Suave. É um vinho doce, obtido graças à adição de açúcar refinado ao vinho denominado Seco.  
Não é sobre este tipo de vinho que estamos escrevendo!

Nunca, jamais, em tempo algum, devemos consumir vinhos de sobremesa para acompanhar o prato principal de uma refeição. Admitem-se, neste caso, os brancos alemães, até a categoria Spatelese, com carnes claras e acompanhamentos como os da cozinha contemporânea. É impensável usar estes caldos para amenizar sabores fortes ou picantes. São perfeitos para harmonizar com queijos tipo Roquefort, Gorgonzola, patês, etc. Devem ser degustados em cálices, como um licor, e de preferência gelados. 

Dica da Semana: um Vin Santo. 

Poderi del Paradiso Vin Santo (375ml) 
Região Produtora: San Gimignano 
Safra: 2004 
Cor amarela dourada intensa. Aromas de frutas secas (amêndoas, damasco), flores secas. Na boca é doce, equilibrado, untuoso, encorpado, boa acidez, longa persistência. Ideal para acompanhar sobremesas em geral, doces de colher e os tradicionais Cantucci (biscoitos de amêndoas). 

Receita dos Cantuccini 
Ingredientes 
250g de farinha de trigo 
200g de açúcar 
1 pitada de sal 
100g de amêndoas sem pele 
2 colheres (café) de fermento em pó 
Raspas de casca de laranja 
1 colher (café) de baunilha 
2 ovos 
2 gemas 
Modo de preparo 
Misture a farinha, o açúcar, o sal, as amêndoas, o fermento, as raspas de casca de laranja e a baunilha. Adicione os ovos e as gemas. Mexa bem. Com as mãos, enrole a massa dando-lhe o formato de cordões com aproximadamente 2 cm de diâmetro. Ponha os cordões em uma assadeira untada com margarina e asse-os em forno preaquecido (180°C) até que fiquem dourados. Assim que retirá-los do forno, corte os cordões em pedaços de 2 cm de largura, tomando cuidado para que não se quebrem. Arrume os biscoitos em outra assadeira virando uma das partes cortadas para cima. Leve para assar por mais uns 5 minutos até dourar levemente.

Para onde vamos?

Alguns leitores nos escreveram, curiosos, para saber qual o destino da coluna a partir do final da epopeia de produzir um vinho. Uma indagação natural, afinal, parece que fechamos um ciclo. 
Para os apaixonados por vinho, curiosidade, mesmo, é conhecer onde é produzida a nossa bebida predileta. O tema da semana é sobre como conhecer uma vinícola, ou se preferirem enoturismo. 
Este segmento vem crescendo em todo o mundo produtor. Não só ajuda a divulgar os produtos de uma empresa e é uma ótima ferramenta de marketing, como também pode contribuir para o bom rendimento, inclusive financeiro, do empreendimento. Muitos produtores brasileiros já estão preparados para receber visitantes em grande estilo, inclusive com opções de hospedagem. Nossos vizinhos, Chile e Argentina, há mais tempo nesta atividade, se esmeram a cada ano, buscando inovar e cativar mais turistas. Na Europa, a Itália se destaca com as opções de Agriturismo. Espanha, Portugal e França e até mesmo a Grécia, já oferecem programas de visitação e degustação atraentes.
A primeira regra para se decidir sobre um destes destinos é pesar bem o custo x benefício destas viagens. Curiosamente, o nosso turismo interno perde feio para os vizinhos: é mais barato ir a Mendoza do que a Bento Gonçalves, para um morador do Rio ou São Paulo.
Já para visitar uma vinícola europeia, o custo da passagem aérea e hospedagem é alto, o que só seria justificável em caso de um programa mais ambicioso, onde o enoturismo apareceria como uma das atividades.
Como visitar? 
As visitas são sempre agendadas e com horário determinado. Por este motivo, sempre recomendamos que um agente turístico, da cidade que será visitada, seja contratado para organizar o passeio. As opções são múltiplas, além da visita e da degustação básica, pode-se agendar um curso de culinária ou de vinhos, um almoço harmonizado, passeios de bicicleta ou a cavalo pelos vinhedos, participar da colheita, quando for época e, até mesmo, elaborar seu próprio vinho, com rótulo personalizado e tudo.
Cada atividade tem seu custo. Poucas vinícolas oferecem uma visitação gratuita. Mas não é um preço abusivo: eles querem ser visitados e esperam que todos fiquem satisfeitos e comprem seus produtos.
Para deixar os leitores com água na boca, vamos detalhar a visita, realizada recentemente, na Finca La Celia, em Mendoza, Argentina, e o posterior almoço harmonizado feito na vinícola Andeluna.
La Celia
Ao chegar, somos recebidos por um guia da vinícola, neste caso era Federico Colombo, formado em enologia. Ele optou por cuidar da parte turística desta interessante bodega, que está reinaugurando sua pousada e promete, em breve, cursos de fabricação de pães, num antigo curral de criação de cavalos que foi recuperado e convertido para este fim. 

Após as apresentações de praxe, ele nos conta um pouco da história da La Celia, nome da única filha do fundador, Eugenio Bustos, criador de cavalos, que construiu a vinícola em 1890, aproveitando-se de um curioso meio de pagamento vigente, na época, mudas de videira. É a mais antiga da Argentina, hoje, em mãos de capitais chilenos. O logotipo homenageia as duas paixões do Sr. Eugenio: sua filha e os cavalos.
Somos convidados para uma curta caminhada entre os vinhedos, até um pequeno mirante, de onde se descortina toda sua extensão, que chega aos pés da Cordilheira dos Andes.

Todos muito bem cuidados. Infelizmente, nesta época do ano, as videiras dormem e são podadas para entrarem em floração na próxima estação. De volta à sede, vamos conhecer o processo da La Celia. Aqui um fato interessante e importante: o prédio principal, muito danificado num antigo terremoto, foi inteiramente restaurado, ampliado e modernizado. Mantiveram-se as instalações originais, tanques de concreto, mas acrescentando moderna tecnologia. Assim pode-se observar as diferenças entre antigo e novo. Há mesmo uma área não restaurada para que possamos ver como era produzido o vinho antigamente.

Após um percurso pelos meandros do prédio principal, retornamos ao ponto de partida e vamos visitar a futura pousada, que era a casa de D. Celia. Lá também será realizada a degustação contratada. A foto a seguir dá uma ideia do cuidado e carinho com que futuros Hóspedes serão recebidos. O detalhe do chapéu é sensacional!

Já com muita vontade de largar tudo e mudarmos, imediatamente, para lá, passamos à sala de degustação, onde nos aguarda um delicioso espumante, rosé, não só para brindar nossa presença, como preparar nosso palato para os deliciosos vinhos que serão servidos.

Experimentamos 1 branco e 3 tintos. Com as ótimas explicações de Federico, foi possível comparar e entender as sutis diferenças entre os produtos apresentados: Chardonnay, Malbec, Merlot e Cabernet Franc (o melhor). A visita foi finalizada com um belo passeio, de automóvel, pelos vinhedos até chegarmos ao curral, recém-convertido em cozinha de campo.
Despedimo-nos de nosso simpático guia, e rumamos para a Bodega Andeluna, onde contratamos um almoço harmonizado com os vinhos desta importante produtora. Mas esta parte fica para semana que vem… 
Conselhos finais
O ideal é visitar, no máximo, 3 vinícolas num dia – elas são todas muito parecidas e as diferenças estão em pequenos detalhes, muitas vezes técnicos, o que pode não ser do interesse de todos. Há sempre a possibilidade de comprar vinhos e acessórios, a bom preço. Opte pelos produtos diferenciados.
A nossa viagem foi organizada por:
Rojos Divinos – www.divinosrojos.com.ar
Sua dona, María José Machado, é filha de brasileiro e fala muito bem o português. Já está operando no Chile também.
Outras boas operadoras de enoturismo:
Chile
Enotour – www.enotour.cl
Wine travel – http://winetravelchile.com/
Santiago Adventures – http://www.santiagoadventures.com/
Outros destinos
Designer Tours – www.designerstours.com.br (França, Chile, África do Sul e Brasil)
Episode Travel – www.episode-travel.com (Portugal)
Latitudes Viagens – www.latitudes.com.br (grupos capitaneados por enólogos para vários destinos)
Degustadores sem Fronteiras – http://www.degustadoresemfronteiras.com.br/ (idem)

Dica da Semana: 

Finca La Celia Cabernet Franc
Produtor: Finca La Celia
País: Argentina – Mendoza
Uva: Cabernet Franc
Cor: Vermelho profundo e intenso com traços negros. Aroma: Forte presença de madeira, café, tabaco e aromas minerais. Paladar: Taninos fortes e vigorosos. Final de boca longo e intenso.

Vocês sabem como se produz vinho? – Final


Se os leitores chegaram até aqui e não estão terrivelmente entediados, há uma grande chance de se tornarem bons apreciadores da mais nobre das bebidas.

Se o bom vinho começa no vinhedo, é nesta última fase que a mágica acontece.
– Carvalho, o último protagonista

Esta é uma família vegetal numerosa (Quercus), mas nem todos os seus membros podem ser usados na fabricação dos toneis usados na produção vinícola. São empregados unicamente dois tipos, o Carvalho Europeu ou o Americano. Cada uma destas madeiras vai acrescentar aromas e sabores distintos ao vinho. Não é algo simples como contratar uma tanoaria, encher as pipas e aguardar o tempo necessário. Tem suas manhas.

Dorna de envelhecimento (em desuso)

Antes que uma chuva de mensagens inunde o correio do Boletim, tanoaria é a técnica empregada para fabricar barricas de madeira, algo meio artesanal até hoje; pipa, barril, barrica, tonel, tanque, dorna, etc., são sinônimos que se referem a diferentes formas de reservatórios para líquidos.

Tanoeiro em ação
Atualmente, a técnica de envelhecimento mais difundida consiste em distribuir o vinho por inúmeras barricas com capacidade aproximada de 200 l. Estes reservatórios, por sua vez, podem ser todos iguais ou com diferentes características.
E que características seriam estas?
Duas já são nossas conhecidas, madeira de origem europeia ou americana (não se misturam madeiras numa mesma barrica). Além disto, temos as tostas e o número de utilizações.
Já escutamos o xi! complicou!.
Vamos dar um exemplo do que estamos falando, antes de explicações mais detalhadas: um vinho de primeira linha poderia ser envelhecido com 50% carvalho francês, 50% carvalho americano, todos de tosta média e 1º uso. 
Barrica de carvalho francês, tosta média (MT), fabricante Mistral 
Para decifrar isto, precisamos explicar o que vem a ser a tosta. Depois de armado e apesar de ter sido aquecido para vergar suas aduelas formando o barril, outra operação é necessária para preparar a superfície interna que ficará em contato com o vinho. A parte que ficará em contato com o vinho é queimada, em diferentes graus, seja por ação do fogo ou de uma resistência elétrica, caramelizando a superfície. Esta preparação transmitirá, ao vinho, os mais expressivos aromas e sabores. As tostas podem variar de ligeiras até intensas. Cada um destes graus interage de maneira distinta com o nosso caldo. Tudo dependerá do tempo de contato e do número de utilizações de cada pipa. O 1º (primeiro) uso é o melhor. À medida que vai sendo reutilizado, o barril perde gradativamente sua capacidade de agregar aromas e sabores.
Nos grandes, vinhos empregam-se os de 1º ou 2º uso, reservando-se a 3ª utilização, em diante, para vinhos menos sofisticados. Quando não servem mais para vinificação, os barris são vendidos para fabricantes de bebidas menos nobres. Cada barrica nova custa, em média, US$ 600.00 (seiscentos dólares). Numa boa vinícola, há milhares delas.
Caves típicas
Um vinho de alta gama pode ficar fica envelhecendo por até 3 anos, num ambiente com temperatura controlada, a cave, em geral subterrânea. Periodicamente os barris são destampados e o vinho testado. Se for necessário, completa-se o volume. Sempre há uma evaporação através da porosidade da madeira.  
– Filtragem, Colagem e Engarrafmento
Chegamos quase ao final. Está tudo pronto: tanto o vinho jovem quanto o envelhecido já podem ser engarrafados. Mas há um passo adicional.
Apesar de decantado, continuam a existir micro partículas em suspensão, que devem ser removidas usando um processo denominado Colagem ou Clarificação: uma substancia inerte e agregadora, como uma gelatina, é adicionada forçando nova decantação. Depois vem a filtração (opcional), que deixará a nossa bebida límpida.
Finalmente engarrafamos, rotulamos e selamos as garrafas. Tudo pronto?
Ledo engano. O vinho engarrafado vai entrar em nova fase de repouso, por mais alguns meses, pelo menos, para se recuperar do choque ao entrar em contato, abruptamente, com o meio externo, na hora de ir para a garrafa. 
Estiva – garrafas em repouso
Vinho é uma bebida muito sensível!

Dica da Semana – depois de todo este trabalho, merecemos ser bem recompensados.

Don Guerino Espumante Brut Rose – $


ORIGEM: Alto Feliz – RS – Serra Gaúcha
UVA: Malbec.
Aroma com notas de frutas vermelhas, rosas, e levedura.
Paladar refrescante, com notas de frutas vermelhas, bom corpo, com longa persistência e final de boca agradável.
 Acompanha aperitivos, peixes, saladas e sobremesas.






GLOSSÁRIO e Esclarecimentos Finais
Carvalho – árvore da família Fagácea, que inclui a Faia e o Castanheiro. Interessa-nos o gênero Quercus, grupo composto por cerca de 500 espécies. Dentre elas, são utilizados na vinificação o Quercus Petrae (carvalho europeu – francês) e o Quercus Alba (carvalho branco norte americano). Além destas duas, há o Sobreiro (Quercus Suber), do qual se extrai a cortiça.
Aduelas – são as peças longitudinais que formam a estrutura do barril.
Tosta – é a queima realizada prepara a superfície interna do barril. Pode ter quatro intensidades:  
               Leve – 5 minutos a uma temperatura entre 120/130 graus ;
               Média – 10 minutos a 160/170 graus
               Média Escura – 15 minutos a 180/190 graus
               Forte – 20 minutos a 200/210 graus
As tostaduras médias são as que mais transmitem compostos aromáticos. A Forte é a que contribui menos.
Cave – literalmente, caverna, em francês. Local do repouso do vinho enquanto envelhece e incorpora aromas e sabores oriundos do carvalho. As caves devem ter baixa temperatura, pouca iluminação e influências externas. Por esta razão são subterrâneas, como as cavernas.
Colagem ou Clarificação – neste processo podem ser empregados os seguintes coloides: albumina ou clara de ovo (daí, “clarificação”); albumina seca de ovo ou de sangue (nem sempre permitida); sangue fresco; caseína (uma das proteínas do leite); colas de peixe; colas de osso; bentonita, gelatina, etc..
Filtração – o equipamento utilizado é do tipo placa, especialmente fabricado para este fim. Muitas vinícolas modernas abandonaram a Clarificação, utilizando apenas, a filtração. A critério do Enólogo, o vinho poderá ser filtrado ou não, neste caso, o rótulo deverá indicar, claramente, esta opção.
Estiva – técnica de repousar o vinho engarrafado;
Outras técnicas de envelhecimento: com a constante preocupação com o meio ambiente e a cada vez maior produção de vinhos em todo o mundo, buscam-se alternativas para evitar a dizimação das florestas de carvalho. Duas técnicas se destacam e já são largamente empregadas, apesar do grande ceticismo e crítica geral:
1 – cavacos de carvalho são inseridos nos tanques de estabilização. Com isto, abrevia-se o tempo de maturação e envelhecimento;
2 – o mesmo pode ser feito com serragem de carvalho, que é um subproduto da fabricação de aduelas para tanoaria. Beneficia muito o custo de produção do vinho.
Ambas são vistas como práticas inadmissíveis. Quem as utiliza não declara abertamente.


Vocês sabem como se produz vinho? – 2ª parte


– Fermentação

Na semana passada, havíamos mostrado como era produzido o mosto, primeira parte do processo de vinificação. Estávamos na fase em que era colocado em tanques especiais, de aço inox (técnica mais moderna), madeira (técnica tradicional). Faltou mencionar que também se empregam tanques de concreto, revestidos com uma resina, como se fosse uma piscina.
Porque empregamos esta denominação de especiais?
Por uma simples razão: na fermentação, também conhecida como fase tumultuosa, o nosso caldo literalmente ferve. Será necessário manter a temperatura sobre controle, o que estes equipamentos permitem. (fotos a seguir)
Para que tudo isto aconteça, entram em cena as leveduras. Calma pessoal! Não precisamos nos desesperar e nem ir ao dicionário. Usamos leveduras no nosso dia-a-dia, só que são mais conhecidas por outro nome: fermentos…
Ah! Agora sabemos do que se trata. Mas nem pensar em colocarmos Pó Royal no mosto e esperar que saia alguma coisa dali, combinado?
Dois caminhos podem ser seguidos neste momento: usar as leveduras naturais da uva ou acrescentar leveduras especialmente desenvolvidas para o tipo de vinho que se deseja obter. Este é um dos segredos de cada enólogo.
O que vai acontecer, dentro do tanque ou cuba de fermentação, é pura química. Não vamos aborrecer os leitores com detalhes muito técnicos, mas precisamos entender o básico:
Açúcar (da uva) + leveduras => Álcool Etílico + CO2 (gás carbônico) + calor
Além da fermentação, acontece, simultaneamente, a maceração do mosto com as cascas (tintos e rosés). Nas primeiras 24 horas, a fase tumultuosa, há intensa liberação de gás carbônico (CO2) o que faz com que as cascas sejam levadas para a superfície, formando uma camada apelidada de chapéu. Como é importante que estes sólidos mantenham contato com o mosto pelo máximo de tempo possível, são feitas, de acordo com as indicações do Enólogo, várias remontas, processo simples que consiste em misturar o chapéu de volta para a parte líquida.
A fermentação dura de quatro a dez dias e deve ser mantida em temperatura constante (24o a 32o), sendo monitorada, initerruptamente, durante todo o processo (estamos usando, como exemplo, a fermentação de vinhos tintos). Esta fase se encerra quando não há mais açúcares (frutose e glicose) para serem convertidos em álcool, ou a critério da equipe técnica. Procedemos estão a descuba, que é a retirada do mosto fermentado dos tanques, transferindo-o para outros tipos de recipientes. Este processo pode ser feito imediatamente após o término da fermentação ou após um período mais longo de maceração. São as técnicas de cada vinícola.
Vamos ressaltar alguns pontos importantes:
1 – os componentes que entraram nas cubas/tanques de fermentação foram o mosto, cascas e sementes (tintos e roses) e leveduras;
2 – não se adicionou água;
3 – não se adicionou álcool (ele é obtido na fermentação);
4 – dependendo da legislação do país produtor, podem ser feitas correções no mosto antes de fermentar, a mais comum é acrescentar dióxido de enxofre, um inibidor de bactérias;
5 – vinícolas modernas usam uma técnica de micro-oxigenação para acelerar a maceração e eliminar alguns fatores indesejáveis.
Na próxima semana vamos abordar a fase de maturação. 

Dica da Semana: 
Doña Paula Estate Malbec 2009
Produtor: Vinícola Doña Paula
País: Argentina – Luján de Cuyo e Uco Valley
Envelhecimento: 8 meses em barricas francesas.
Vinho de coloração rubi violácea. Aroma de chocolate, fruta madura, baunilha e menta. Em boca é glicerinado, tem taninos redondos e sabor encorpado e frutado.
GLOSSÁRIO:
Espaldeira, Latada, Lira, Gobelet (em vaso) – entre outros, são os chamados sistemas de condução da videira e se aplicam conforme o tipo de uva. Permitem, a seu modo, uma melhor insolação e poda.
Vinhateiro – é todo aquele que participa do processo de produção de vinhos; produtor de vinhos. Especialmente empregado para designar o dono da vinícola, quando este não é um dos técnicos envolvidos. O termo foi usado na Bíblia – A Parábola da Mau Vinhateiro.
Desengaçamento – é ato de remover a estrutura do cacho de uva (engaço), soltando os bagos (frutos).
Maceração – é o processo que se usa para obter mais cor, aromas, taninos, etc., através do contato das cascas da uva com o mosto. Equivale, fazendo uma livre associação, a uma marinada.
Remonta – é o termo empregado para descrever o ato de mergulhar, novamente, a parte sólida que por ação do gás carbônico veio para a superfície formando o chapéu. Pode-se empurrar manualmente, no caso de cubas abertas ou bombeando-se o mosto, de baixo para cima, nos tanques fechados.
Leveduras – as mais comuns são a Sccharomyces cerevisae ellipsoideus e a Sccharomyces oviformis.
Subprodutos da Fermentação – glicerina, ácidos diversos, aldeídos e ésteres (só interessa aos eno-chatos, sub-grupo baú).
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