Por ser um país de raízes católicas, a maioria dos brasileiros respeita a tradição da abstinência na Sexta Feira Santa: não se consome carne ou seus derivados. Entram em cena os tradicionais frutos do mar e o bacalhau costuma ser a estrela do cardápio. Mas existem opções interessantes.
Vamos lembrar um pouco da história deste período. Tudo começa no Domingo de Ramos, celebrando a chegada de Jesus em Jerusalém e termina no Domingo de Páscoa comemorando sua ressureição. O ponto culminante desta celebração é marcado pela Santa Ceia ou Última Ceia, que ocorre na quinta-feira. As cenas pintadas pelos mais famosos artistas mostram que o vinho estava presenta nesta mesa.
O dia seguinte, sexta-feira, é um dia de pesar e lamento pela morte de Cristo. Antigamente se observava o jejum além da abstinência, as cozinhas não funcionavam e não se trabalhava.
No Sábado de Aleluia aguarda-se a ressureição. Um dos ritos mais curiosos deste dia é “malhar o Judas”, tradição mantida em muitos lugares.
O grande dia festivo é o Domingo de Páscoa comemorando a Ressureição. É o dia do grande banquete, dos ovos de chocolate e de muita alegria. Nos costumes brasileiros, herança de nossos descobridores portugueses, praticamente só se consome peixes, entre eles o bacalhau, e os frutos do mar. Mas em outras culturas há o hábito de assar um caprino ou ovino (cordeiro, cabrito, ovelha) que é servido ao fim do dia. Porco e coelho (lebre) também são comuns.
Apenas como uma curiosidade, naquela época era mais seguro beber vinho do que água, mesmo que a nossa bebida favorita já tivesse se convertido em vinagre. Por esta razão, o vinho não era um símbolo de comemoração, mas uma necessidade. Ao longo dos anos, com as descobertas de filtração e esterilização da água, o vinho paulatinamente tornou-se um artigo de exceção, só usado em ocasiões especiais. A Semana Santa é uma data muito particular para todos os cristãos.
Tomar um cálice de vinho na Quinta-Feira Santa é uma bela maneira de homenagear a Santa Ceia. Mas nada de exageros. É um vinho de reflexão, de comunhão, sem nenhuma extravagância gastronômica. Para combinar com este momento tem que ser algo de solene, com textura aveludada, cor fechada e belos aromas. Um vinho ao estilo Bordalês seria boa opção. No momento que escrevo imagino um Miguel Escorihuela Gascon, um corte de Malbec, Cabernet Sauvignon e Syrah elaborado em Mendoza.
Na Sexta-feira da Paixão, em algumas casas brasileiras, é dia de peixe. Todos conhecemos a harmonização clássica com vinhos brancos, mas isto não é uma regra fixa.
Tintos jovens e frutados ou Rosés podem se tornar escolhas interessantes valorizando a receita escolhida. Para não errar lembrem-se:
– pratos mais gordurosos pedem vinhos com mais acidez e algum tanino. Um tinto leve (Pinot ou Gamay) tem seu lugar;
– molhos salgados ou alimentos defumados casam melhor com vinhos jovens e frutados;
– espumantes quase sempre são coringas, mas neste dia…
Bacalhau, também consumido no Domingo de Páscoa, mereceria um capítulo inteiro. Vem de Portugal a combinação de tintos encorpados com este prato. Mas não é para qualquer receita: tem que ser um Bacalhau com Natas ou um Zé do Pipo. Precisa haver uma boa quantidade de gordura para enfrentar o turbilhão de taninos e acidez dos tintos da terrinha.
Obviamente, se a receita for de origem espanhola, nada melhor que um Tempranillo, que vai ficar perfeito, também, com uma Paella. Para preparações mais leves um Chardonnay que tenha passado por madeira e fermentação malolática é perfeito.
Na era da globalização o salmão virou boa opção. Não é difícil combiná-lo com vinhos: tintos leves como um Pinot ou mesmo um Syrah australiano dão conta do recado.
Uma saborosa combinação pode ser obtida com pratos mais leves como peixes cozidos no limão ou com molhos salgados como alcaparras e azeitonas – o sal excessivo pode ser equilibrado com um bom fortificado como o Jerez, o Porto branco ou o rosé, todos gelados.
Carne de caprino ou ovino no domingo de Páscoa é a grande pedida para quem gosta de bons vinhos e boa harmonização, embora não seja uma presença habitual nas mesas brasileiras. As opções são múltiplas, todas deliciosas, um casamento quase sagrado. Alguns autores afirmam que nada combina melhor com os grandes vinhos do mundo do que uma paleta de cordeiro assada ou mesmo as deliciosas costeletas. Estamos falando de Vega Sicilia, Petrus, Penfolds Grange, Don Melchor ou Catena Malbec Argentino. Todos “monstros sagrados” do mundo dos vinhos.
Mas não precisamos gastar muito, há muitas opções com excelente relação custo x benefício. Particularmente gosto dos vinhos em que a Syrah é a casta predominante. Cabernet americanos, chilenos e argentinos casam perfeitamente com este tipo de carne. Para fugir um pouco do habitual, há bons Tannat uruguaios, os vinhos portugueses sempre se saem bem assim como os Merlot produzidos por aqui. (vejam a dica da semana)
A sobremesa!
Para a turma que quer manter o peso e a silhueta a coisa fica difícil: chocolate, chocolate e mais chocolate. Infinitas variações!
A combinação tradicional sugere Vinho do Porto, Banyuls, Vin Santo, Ice Wines e outros de colheita tardia, todos doces ou muito doces.
Entretanto há exceções. Que tal harmonizar com um belo tinto seco, tal e qual ao usado no cordeiro?
É perfeitamente possível, mas para isto dar certo temos que escolher o chocolate adequado: esqueçam os Ovos de Páscoa, bombons e as barras de chocolate ao leite tão comuns. A combinação ideal seria um chocolate amargo com 75% de cacau ou mais – quanto maior for esta porcentagem melhor. Quem vai brilhar aqui será um bom e encorpado Cabernet, Merlot ou Syrah. Não tenham medo.
Dica da Semana: um belo e elegante tinto que pode ser servido com o cordeiro e o chocolate.
La Flor de Pulenta Cabernet Sauvignon 2011
Vermelho profundo, seus aromas lembram pimentão e especiarias, com notas de baunilha e tabaco provenientes do carvalho.
Na boca apresenta boa concentração e taninos suaves que lhe conferem uma estrutura volumosa.
Seu final elegante e longo fazem dele um grande vinho.
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