Não sei se influenciado por minha recente visita a Portugal, mas fiquei emocionado quando vi o resultado da lista de 100 melhores vinhos de 2014, publicada pela respeitada revista Wine Spectator. O 1º lugar coube a um Vinho do Porto, o Dow’s safra 2011. Como se isto não fosse suficiente, nos 3º e 4º lugares estão dois vinhaços do Douro, o Chryseia 2011 e o Quinta do Vale Meão 2011. Ao todo foram seis vinhos classificados nesta lista, um recorde. Este fato trouxe de volta à minha memória uma interessante linha de raciocínio que liga os ingleses à evolução do mercado do vinho até os dias atuais. Foram muito importantes. Explico.
Vinhos do Porto existem, basicamente, por causa dos mercadores ingleses que, impossibilitados de comprar vinhos franceses devido à guerra da Sucessão Espanhola (1702 a 1714 – a Inglaterra lutou contra a França), procuraram vinhos em outros mercados.
Em 1703, a Coroa Britânica assinou com Portugal o Tratado de Methuen, que ficou mais conhecido como o Tratado dos Panos e Vinhos, que reduziria os impostos destes produtos. Beneficiados pelas novas leis, os mercadores britânicos começam a comprar vinhos na cidade do Porto. Para que não se deteriorassem durante a longa viagem, adicionavam aguardente neutra ao vinho já fermentado, o que não resultava num produto de qualidade. Paulatinamente alteraram o processo passando a fazer esta adição durante a fermentação, o que provocava um resíduo de açúcar e a consequente doçura do produto final. Isto transformou o Vinho do Porto nesta especial bebida, apreciada até hoje.
A demanda foi tão grande que, em busca de diminuir seus custos, os mercadores começaram a construir seus depósitos, as famosas Caves, em Vila Nova de Gaia, na outra margem do Rio Douro, em frente à cidade do Porto. Os nomes ingleses destes negociantes, como Cockburn, Graham, Osborne, Taylor, Dow e Sandeman, entre muitos outros, deixam de serem sobrenomes e se tornam as marcas de um produto 100% português, e as mais famosas até hoje.
Para entender esta paixão inglesa por vinhos, que resultou numa enorme influência no vinho moderno, precisamos voltar no tempo, mais precisamente ao ano 1152 quando a Duquesa Eleanor de Aquitânia se divorcia de Luis VII, Rei de França, casando novamente com Henrique Plantageneta, Duque da Normandia, que se tornaria o Rei Henrique II, da Inglaterra, em 1154.
Dentre as terras do Ducado de Aquitânia, governado por Eleanor, se encontrava toda a região de Bordeaux, que passa a pertencer, por laços matrimoniais, ao Império Britânico. Os vinhos ali produzidos eram quase que exclusivos da Coroa Inglesa. A França só recuperaria o total domínio desta área em 1453, após a guerra dos 100 anos…
Vale ressaltar que, tanto esta região quanto a Inglaterra (em 43 DC), estiveram sob o domínio do Império Romano. A ligação com o vinho fica fácil de compreender.
Não foi só o Porto que recebeu a atenção dos comerciantes ingleses, os deliciosos vinhos Madeira e o espanhol Jerez, também evoluíram em virtude do alto consumo britânico. Alguns historiadores atribuem a criação do sistema Solera (Jerez) como uma solução para manter a qualidade da bebida em função das variações da demanda. O termo Sherry, pelo qual o vinho espanhol é mais conhecido, seria uma corruptela de Jerez.
Outro vinho fortificado, o Marsala, é praticamente uma criação do mercador inglês John Woodhouse quando, em 1773, começa a adicionar aguardente a um vinho siciliano, produzido na cidade de Marsala, para exportá-lo. O sucesso foi tão grande que em 1796 ele construiu sua própria vinícola para atender unicamente o mercado britânico.
À medida que o Império Britânico se expandia, criavam novas fronteiras do vinho, numa ação que pode ser facilmente comparada à dos missionários Jesuítas que levavam mudas de parreiras para produzirem seu vinho de missa. Dois dos maiores países produtores de vinho da atualidade, Austrália e Nova Zelândia, antigas colônias, devem a existência de seus vinhedos ao britânico James Busby (imagem abaixo), um professor de viticultura que emigrou, para lá, em 1824. Muito determinado fez várias tentativas sem muita sorte.
Somente em 1831, após uma viagem de pesquisas na Europa, obteve as mudas corretas que vingariam neste novo terroir iniciando uma nova era dos vinhos do Novo Mundo. É considerado como o “Pai” do vinho australiano. Pouco tempo depois foi transferido para a Nova Zelândia onde continuou com suas pesquisas e plantando novos vinhedos, com os resultados que apreciamos atualmente.
A contribuição mais revolucionaria, entretanto, não está nem no campo e nem na vinificação, mas numa patente de 1821, logo ao final do período histórico conhecido como Revolução Industrial: uma máquina de produzir garrafas de vidro!
Coube a uma empresa da cidade de Bristol, a Rickets, desenvolver o equipamento e obter a patente. Seriam necessários alguns anos para que o governo permitisse a venda do vinho em garrafas de vidro, o que ocorreu em 1860. Uma nova revolução no mercado do vinho aconteceria: o vinho se tornaria um produto barato devido à redução de impostos e ao novo tipo de envase.
Os maiores beneficiados foram os vinhos franceses que dominaram o mercado num período conhecido como “Anos de Ouro”. A produção atingiu 1 bilhão de garrafas por ano. Incrível!
Se não fosse por este motivo, o vinho de Bordeaux (e de outras regiões da França) jamais teria atingido a fama e o prestígio que mantém até hoje, e tudo mais que decorre disto.
A “culpa” é dos ingleses…
God Save the Queen!
Dica da Semana: com este calor senegalesco, só um bom branco bem gelado.
Punto Final Sauvignon Blanc 2013
Visual amarelo palha com tons esverdeados.
Aroma de maracujá, abacaxi e pêssego combinado com ervas como grama e azeitonas verdes. Acidez equilibrada, paladar seco, intenso e persistente.
Harmonização: Saladas, Queijos de massa mole, Peixes grelhados ou em molhos leves, Peixes em molhos fortes, Massas com molhos leves, carne vermelha com molhos leves, carne de aves grelhadas ou com molhos leves.
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