O vinho é uma bebida cheia de pequenos mistérios que, além de nos deliciar, mexe com nossas ideias a tal ponto que criamos uma série de termos para definir quase tudo que somos capazes de perceber no momento de degustar corretamente uma taça.
Comumente usamos as frutas para definir parte dos aromas e sabores nos vinhos mais jovens, expressões mais curiosas para definir os vinhos mais velhos, como “couro molhado”, “tabaco” e até mesmo “estrebaria”. Algumas destas percepções acabam sendo profundamente fictícias, por exemplo, quando afirmamos que este ou aquele vinho é “mineral”.
Algum leitor já lambeu diferentes pedras para registrar, no subconsciente, o gosto delas?
Por acaso experimentou mastigar uma pedra de isqueiro que seja para poder classificar mais este sabor?
A menos que sejam adeptos do simpático e irreverente Sommelier e personagem mediática, Gary Vaynerchuck (http://tv.winelibrary.com/), capaz de desafiar o respeitado jornalista Conan O’Brien a lamber pedras ou convidar a apresentadora Ellen Degeneres para degustar amostras de poeira ou de diferentes gramíneas, este conceito de mineralidade é algo muito complexo de se explicar.
O conceito de Terroir, outro pequeno e intrigante mistério, tem sido a explicação padrão para justificar as diferenças aromáticas e palatáveis encontradas nos vinhos produzidos no mundo. Alguns terroirs são míticos como as terras da Borgonha, onde de cada lado de uma simples cerca pode-se obter vinhos com diferentes características, ou os solos de Bordeaux, totalmente distintos se comparamos as margens esquerda e direita e, ainda assim, mantêm a fama de melhores vinhos do mundo.
Uma questão que tem intrigado enófilos e pesquisadores é tentar explicar como um vinho obtido de parreiras plantadas em solo arenoso, sem a presença de nenhum mineral, consegue passar esta sensação de que estamos bebendo pedras líquidas. Obviamente, outros sabores e aromas entram facilmente neste roldão o que faz a alegria de um significativo grupo de pesquisadores que estão em campo atrás de explicações cientificamente corretas: literalmente, não vão deixar pedra sobre pedra.
O Professor Barry C. Smith, da Escola de Estudos Avançados da Universidade de Londres foi taxativo: “A ideia de que você pode sentir o sabor dos minerais do solo é um disparate absoluto”.
Uma das descobertas mais curiosas foi uma explicação para o aroma de “xixi de gato” dos famosos Sauvignon Blanc neozelandeses: não tem nada a ver com o terroir, simplesmente as uvas são esmagadas e junto com elas algumas “joaninhas”, que são as culpadas pelo curioso cheiro…
Seguindo nesta linha de pesquisa, muita coisa foi descoberta através de inteligentes experimentos e, atualmente, já se sabe com alto grau de certeza que a propalada influência do “terroir” não é tão grande assim: a origem de aromas e sabores está ligada à presença de insetos e microorganismos, que podem estar no solo e nas leveduras utilizadas para a fermentação do mosto.
Uma das conclusões chave para entender este processo foi formulada pelo Ecologista de Micróbios do Argonne National Laboratory em Lemont, Illinois, EUA, Jack A. Gilbert. (http://www.anl.gov/contributors/jack-gilbert):
“Se videiras forem cultivadas em uma área desprovida de micróbios simplesmente não se obtém qualquer vinho. As bactérias e os fungos influenciam a composição química das uvas e a saúde da videira”.
Entre os papéis desempenhados por bactérias está um efeito sobre o metabolismo e a química de defesa contra insetos da videira. Ao mesmo tempo, a comunidade de microorganismos que se alimenta desta espiral depende de vários fatores, tais como o pH do solo, que por sua vez pode variar não apenas entre as vinhas, mas também entre as linhas individuais. Isto explica corretamente o efeito da “cerca” na Borgonha, mencionado num parágrafo anterior.
Num recente artigo publicado na “New Scientist” (http://www.newscientist.com/article/dn27466-5-weird-tastes-that-can-sneak-into-your-wine.html), a autora, jornalista Sonia van Gilder Cooke, cita:
“De todos os organismos, são as leveduras que produzem o efeito mais significativo sobre o sabor”, visto que, durante o processo de fermentação são capazes de criar mais de 400 compostos que podem afetar o sabor e o aroma do vinho.
Começa a ficar mais clara a razão pela qual os vinhos são tão únicos: não vão existir duas combinações iguais de microorganismos, pH de solo, leveduras indígenas (ou industrias), nem mesmo entre duas linhas de videiras de um vinhedo.
Não era só o terroir afinal, mas muito mais, outro mundo na verdade, microscópico, mas que tem uma enorme capacidade de moldar a nossa bebida predileta.
Dica da Semana: já estamos numa boa época para tintos encorpados e potentes.
Xabec Montsant 2008
Nariz intenso e profundo, pautado pelos aromas de lavanda, alcaçuz, cereja madura e ameixa negra, todos em perfeita harmonia e integração.
As castas Garnacha e Cariñena marcam presença com estrutura e equilíbrio, embalado num final de baunilha.
Harmonização sugerida: Boeuf Bourguignon
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