Não é vinho com laranja e nem vinho de laranja. O que importa é a coloração desta interessante forma de vinificação. Poderíamos chamar de “cobreado” ou “âmbar”, mas o que pegou, em todo o mundo, foi o laranja ou orange.
Alguns críticos acham que é um modismo, coisa das novas gerações que estão mais preocupadas com o “como é produzido” do que com “o que é”.
Na verdade, é um resgate. Originalmente, vinhos elaborados com qualquer tipo de uva seguiam uma mesma receita. Assim, todo tinto tinha a sua cor característica, mas não eram límpidos, e os brancos eram turvos e alaranjados.
A razão é muito simples: as cascas eram fermentadas junto com o mosto.
Com o tempo, os vinhos brancos seguiram por um caminho, processando unicamente o mosto ou sumo, enquanto os tintos precisam das “peles” para lhes dar a cor.
Este ressurgimento trilha o mesmo caminho dos vinhateiros que elaboram os Vinhos Naturais, uma categoria que abarca os orgânicos, biodinâmicos e assemelhados. Os métodos de produção adotados por este grupo são chamados de “baixa intervenção”, logo, em algum momento, os brancos passaram a ser macerados com suas cascas, resultando na curiosa coloração do produto final.
Com características organolépticas esquecidas pelo tempo, os laranjas pegaram de surpresa toda a gama dos enófilos e críticos: agradaram em cheio.
Formam, agora, uma nova e diversa categoria que se soma às tradicionais dos brancos, tintos e rosados. Qualquer uva branca pode ser utilizada para esta elaboração. A cor final dependerá, apenas, do tempo de contato com as cascas. Há uma grande variação que tipifica, bem, as origens de cada rótulo. Produtores de todo mundo vinificam de acordo com suas melhores práticas, traduzindo de forma muito clara o seu “terroir”. Parece que este tipo de vinho foi feito para isto.
Algumas castas se mostram mais afetas a este estilo: pinot grigio/gris, ribolla gialla e uma das mais antigas varietais, a rkatsiteli da Georgia, país considerado como o berço dos vinhos laranja, onde já teriam sido vinificados há 8.000 anos atrás!
Aromas, sabores e sensações gustativas destes vinhos são absolutamente únicas. Imaginem um vinho branco ligeiramente tânico, com uma intrigante e agradável adstringência. Fechem os olhos e poderíamos afirmar que é um tinto leve. Notas de flores secas, feno, pêssego maduro, jaca, zimbro, nozes e castanhas diversas. Alguns críticos acrescentariam, num comentário ferino, verniz de madeira, óleo de linhaça e maçã passada …
Se o caráter e personalidade deste vinho já causaram uma boa sensação no mercado, foi na hora de harmonizar que brilharam, preenchendo uma lacuna onde os demais estilos de vinhos não conseguiam combinar adequadamente: culinária oriental e dietas vegetarianas e veganas.
Por suas características que se aproximam às de um tinto, os laranja enfrentam, galhardamente, carnes de qualquer tipo. São muito versáteis.
Alguns produtores nacionais que seguem a linha dos naturais oferecem excelentes laranjas, tranquilos ou espumantes. Destaco um produtor que, acredito, foi um pioneiro neste estilo: Luís Henrique Zanini e sua vinícola Era dos Ventos.
O vinho em questão é o Peverella, que na safra de 2018 recebeu 90 pontos do Guia Descorchados, o mais importante do cone sul.
A descrição, a seguir, foi obtida no site da vinícola:
“Parte das uvas são de produção própria e parte são provenientes de Vinhedos antigos de mais de 50 anos, lote inicial de 600 garrafas. Colheita manual. Desengace, maceração aberta por 21 dias em mastelas (cubas) de carvalho francês da década de 30, prensagem em prensa manual (tórchio) de madeira brasileira (araucária). Fermentação espontânea, leveduras indígenas, sem clarificação, sem colagem, sem filtração. Pequenas doses de SO2 no engarrafamento. 50% deste vinho estagia por dois anos em barricas brasileiras de ipê, de 250 litros, e os outros 50% em barricas de carvalho francês de vários usos. Álcool 12,8%.”
Um dos melhores vinhos brasileiros, acima de qualquer suspeita. Caro, por conta de sua limitada produção, mas vale cada centavo investido.
Os rosados que se cuidem!
Saúde e bons vinhos, laranja!
CRÉDITOS:
“Orange Wine” por fs999 está licenciado sob CC BY-NC-ND 2.0.
Parabéns! bela matéria sobre assunto relevante.