Categoria: Harmonização (Page 5 of 11)

Repensando as harmonizações

Combinar vinhos e alimentos ou harmonizar, como preferem alguns Sommeliers e Enófilos mais dedicados, é quase considerado como uma arte, para este grupo. Por outro lado, há quem entenda que embora haja o vinho envolvido, essas combinações pertencem muito mais ao mundo da restauração do que ao universo da vinificação.

Eis alguns fatos para serem avaliados:

– O cultivo de vinhas e a produção de vinhos é uma atividade muito antiga. Arqueólogos já demonstraram que uvas eram plantadas há cerca de 6.000 anos a.C.;

– Os restos do que seria uma primeira vinícola foram datados como sendo de 4.100 anos a.C.;

– As primeiras notícias sobre tentativas de combinar pratos de um restaurante com um vinho específico vem da França, no século XIX, quando os serviços de restauração se tornaram populares;

– A primeira regra de harmonização e mãe de muitas outras é a que estipulava: “vinho e comida combinam se tiverem a mesma origem”.

Era uma regra bem rígida e limitada que impunha uma regionalização, quem sabe, inevitável para aquela época. De certa forma, seria impensável juntar os clássicos pratos da culinária francesa com nobres vinhos italianos, por exemplo.

Esticando um pouquinho esse conceito, vamos entender a origem da segunda regra mais comum: carnes com tintos e peixes com brancos. Novamente, preceitos que impunham uma rígida restrição.

A Europa ainda se considerava o centro cultural e até mesmo gastronômico do mundo. Podia ditar suas vontades e costumes.

Nos dias de hoje, até mesmo um observador desatento vai constatar que tanto a gastronomia quanto a enologia evoluíram de uma maneira incrível, abrangendo outras culturas e trazendo novos alimentos, novas técnicas, novas castas para serem vinificadas e, o mais importante, novos “terroirs”, nos obrigando a uma releitura da regra original.

Como reescrevê-la para incluir a culinária fusion, por exemplo, que propositadamente mistura, numa mesma refeição, alimentos e técnicas de diversos lugares? Talvez seja melhor não pensar mais nela. Como alternativa, vamos usar estas regras clássicas como se fossem nada mais que uma “vaga ideia”.

Abre-se um campo para novas combinações que vão incluir os novos estilos de vinificação, que já dominam o mercado, como os vinhos naturais, os vin jaune, rótulos de países que nunca foram considerados nos concursos e análises de críticos ou que apenas ficaram esquecidos, como a Grécia, Croácia, Eslovênia e muitos outros.

Há muito o que descobrir e inovar.

Os melhores e mais atuais restaurantes do mundo romperam com quase todas as tradições do ramo. Toalhas e guardanapos de linho branco, impecáveis, foram substituídas por jogos americanos de papel e descartáveis. Talheres de prata deixaram de existir, usa-se aço inoxidável ou madeira.

Pratos de porcelana?

Para quê?

Em seu lugar, materiais inovadores e formatos absolutamente inesperados, isso quando não lhe servirem a refeição diretamente no tampo da mesa e sugerirem que se usem os dedos da mão…

Faz sentido harmonizar ou regras de harmonização?

Entretanto, a busca por uma maior satisfação nas refeições continua e a cada momento novas formas de entreter olfato e paladar são criadas.

Para desfrutar o nosso vinho teremos que abandonar as regras mais rígidas e aceitar essas novas formas de desafiar os nosso sentidos. É um caminho sem volta.

Saúde e bons vinhos, harmonizados na moda antiga ou simplesmente livres e soltos.

Créditos: Foto de abertura por Creative Vix no Pexels

Vinhos “Food Friendly”

Na coluna da semana passada fizemos algumas considerações sobre vinho e comida, ou harmonizações, tema sempre atual que chega a ser temido por alguns enófilos. (leia aqui: Preciso harmonizar…)

Um dos comentários mais interessantes, sobre ser necessário ou não harmonizar, veio de uma amiga e consultora informal deste site, a Food Content Creator e Sommelier de Saquê, Vanessa Nakamura:

“Precisar não precisa, mas se você pode ganhar um terceiro elemento harmonizando, por que não, né?”

Colocação tão perfeita que inspirou a matéria desta semana.

Existe um conceito de “food friendly wine” ou “vinho amigo da comida” que não é exatamente uma harmonização, mas uma bebida que pode acompanhar sem problemas uma série de alimentos, trazendo o “terceiro elemento” mencionado no comentário acima.

A partir da ideia que vinho seria um alimento consumido naturalmente nas refeições, fica fácil inferir que devem existir vinhos com maior ou com menor afinidade com comidas.

Um vinho universal ainda é utópico, tanto quanto uma harmonização perfeita. O importante é lembrar que a nossa bebida favorita deixou de ser um mero acompanhante do almoço ou do jantar e passou a ter brilho próprio. Para alguns, como os famosos Yuppies, degustar um vinho caríssimo era um símbolo de poder e riqueza.

Para este grupo a ideia de combinar vinho e comida acabou ficando meio “brega”, usando uma gíria bem brasileira. Só os menos brilhantes se preocupavam com isso…

O principal corolário desta atitude é uma definição oblíqua – um vinho é ruim quando precisa de comida ao seu lado para torná-lo palatável.

Nada mais errado e recheado de falso esnobismo.

Qualquer vinho bem elaborado é um vinho “food friendly” dentro de certos limites. Um exemplo clássico são os vinhos indicados para acompanhar carnes, entre eles o Malbec Argentino. Há quem os considerem perfeitos neste campo. E não precisa ser um Top 10, os mais simples funcionam melhor, permitindo que o comensal desfrute dos sabores do churrasco sem se preocupar com complicadas e obscuras terminologias para definir um etéreo prazer na hora de comer (e pagar caro…).

Um vinho amigável tem que fazer boas parcerias com pratos que vão desde os mais picantes, passam pelos bem condimentados e chegam na categoria dos suaves e adocicados. Combinam com carnes, peixes, aves e vegetais, tudo numa garrafa só, acreditem!

Para conseguir esta mágica dois caminhos podem ser seguidos: o dos vinhos com maior acidez e o dos espumantes.

Para quem não se recorda, acidez é aquela característica de alguns vinhos que nos fazem salivar mais. A boca fica limpa, fresca e pronta para apreciar uma variedade de deliciosos sabores.

Tradicionalmente são os vinhos brancos que apresentam este fator com a intensidade desejada. Mas não é uma exclusividade. Alguns tintos como os Pinot Noir e os Barbera se enquadram perfeitamente, sem esquecer dos redescobertos Rosé, campeões neste quesito.

Experimentem combinar sushi com um Pinot. Atrevam-se!

Os espumantes são os eternos coringas. Os leitores mais antigos destas páginas vão lembrar da nossa sugestão de usar este tipo de vinho para acompanhar a brasileiríssima feijoada. Fica espetacular.

As opções são múltiplas: Champagne, Cava, Prosecco, Crémant, Vin Mousseux, Blanquette e até mesmo os suaves Pet-Nat. A origem pouco importa, Brasil, Portugal, Espanha, África do Sul, França ou Itália (e muitos outros).

A carbonatação é quem faz a mágica, preparando o nosso palato para os sabores que vierem. Não importa se é carne, peixe, ave, vegetais ou legumes. Até mesmo as sobremesas agradecem a presença de um espumante, como os nossos premiados Moscatel, adocicados na medida certa para não atrapalhar a preparação do Chef Pâtissier.

Coadjuvante, o 3º elemento ou outro adjetivo. Simples assim.

Vale a pena lembrar que também existem alimentos que podem ser definidos como “inimigos” do vinho. Por conta de algumas reações químicas inesperadas, estas combinações podem produzir sensações e retrogostos nada agradáveis.

Anote no seu caderninho: ovos, aspargos, alcachofras, espinafre, funcho/erva-doce, couve de Bruxelas, trufas vegetais, peixes gordurosos, defumados em geral, picles, molhos mais condimentados como Chutneys, cranberry sauce e aqueles a base de hortelã ou de vinagre.

Nada que não possa ser contornado, mas vai exigir alguma criatividade na escolha do vinho e talvez alguma adaptação nas receitas.

Mas isso fica para uma outra coluna.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: Foto de abertura por cottonbro no Pexels

Preciso harmonizar vinho e comida?

Não, não & não.

Nenhuma regra conhecida obriga qualquer pessoa a encontrar o vinho certo para aquela refeição que será servida, simples assim.

Parodiando a sempre ótima Rita Lobo, “Desgourmetiza”!

Mais uma preciosa informação para tentar desmistificar, definitivamente, este tema: nenhuma vinícola produz seus vinhos “para serem degustados com este ou aquele prato”.

Quem está preocupado com harmonizações são os Chefs de cozinha e os Sommeliers, sempre em busca de uma experiência única em seus estabelecimentos, o que se traduz, de forma muito direta, em maiores custos e lucro. Novamente, simples assim.

Por ser considerado, por meus pares, um expert em vinhos e por extensão um bom Gourmet, sempre sou solicitado a indicar um vinho para alguém que vai servir, por exemplo, um “guisado de Zenaida Auriculata perfumada com Manayupa”.

O correto seria dizer “nenhum vinho, harmonize com água do degelo do Himalaia” e pronto.

Harmonizar vinho e comida não é uma ciência, é puro empirismo, tentativa e erro.

Há uma raiz nisto tudo: em algumas culturas o vinho é visto como um alimento e faz parte, naturalmente, das refeições da família. França, Itália, Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai são os mais conhecidos, sem excluir qualquer um outro, inclusive o sul do Brasil.

E que vinho é este?

Na grande maioria das vezes é o que as famílias produzem. Vinhos simples, feitos com a matéria prima disponível e guardados em recipientes que estiverem à mão. Se não forem produtores, o vinho escolhido será o que cabe no orçamento familiar, ou seja, o mais barato no mercado, que já tenha sido provado e aprovado pelos comensais.

“Provado e aprovado” – essa é a chave para que cada um possa entender o que é harmonizar e passar a ditar suas próprias regras, lembrando o que foi dito lá no início: não há regras.

Cada indivíduo tem seu próprio paladar, suas preferências e manias. Se o leitor deseja passar por uma experiência, única, de harmonizar vinho e comida, tem dois caminhos a seguir. O primeiro e mais simples é se dirigir a algum restaurante estrelado e pagar, caro, pelo que lhe for servido.

O segundo caminho é tentar reproduzir esse momento em sua casa ou na de amigos, mas é preciso alguma experiência não só com vinhos, mas com gastronomia também.

Um dos erros mais comuns é tentar harmonizar uma receita que você nunca tenha provado. O desastre pode ser maior ainda se o vinho escolhido também for uma novidade.

Fica aqui um conselho, que nosso antepassados chamariam de “truque de algibeira”: prove (e aprove) a receita antes de sugeri-la ou oferecê-la aos seus amigos. Não harmonize, ainda. Confie no seu paladar e se pergunte se algum tipo de vinho poderia acrescentar alguma coisa a esta refeição?

Lembrou de algum vinho que degustou e tenha gostado?

Esta é a sua regra de harmonização. Talvez não seja uma combinação universal e pode não ser do agrado de alguns. Mas você sempre terá os argumentos corretos para defender a sua escolha.

É desta forma que se aprende e não seguindo as regras de outros. Estas, na melhor das hipóteses, vão indicar uma direção a ser seguida.

Saúde, bons vinhos e boas harmonizações!

Créditos: Foto de abertura por Brooke Lark em Unsplash

Vinho e Pizza

Imagem de Gerhard Gellinger por Pixabay

Um prato clássico da culinária italiana e internacional que se tornou uma das refeições prediletas dos brasileiros.

Talvez por ser tratada como uma informalidade e por ser quase um par perfeito para as nossas boas cervejas, a combinação vinho e pizza fica meio esquecida. Em outras palavras, ninguém se preocupa muito em harmonizar corretamente.

“Abra um vinho italiano e pronto”!

Esta é uma fórmula simplificadora e que funciona, muito bem, com a clássica mozarela. Mas, qual vinho italiano que deve ser aberto? Branco, Tinto, de que casta ou castas…

Existem muitas possibilidades. Quem vai determinar o tipo de vinho ideal é a cobertura da pizza e não o tipo de massa: não vai importar muito a espessura ou o tipo de fermentação.

Sem querer esgotar este tema, afinal existem tantos tipos e coberturas para o famoso disco de massa quanto existem diferente tipos de vinho, vamos mostrar as combinações mais indicadas para alguns tipos básicos de pizza.

1 – Pizza de Mozarela, Marguerita e similares

São poucos ingredientes, a massa, molho de tomate, queijo e rodelas de tomate. Para finalizar, orégano e manjericão.

Quem pensou num bom Chianti acertou em cheio. Mas não é a única possibilidade. Um belo corte do tipo GSM (Grenache, Syrah, Mourvedre) funciona ainda melhor. Para inovar completamente e experimentar sabores inesperados, uma Marguerita fica perfeita com um Pinot Grigio.

2 – Pizza Calabresa, Pepperoni e assemelhadas

O truque é equilibrar os sabores mais fortes e picantes. O polivalente Chianti, ou outro vinho com base na Sangiovese é a primeira escolha. Além destes, um bom Syrah, um Pinotage ou, o meu preferido, um Cabernet Franc, podem elevar o status desta redonda a outro nível.

3 – Pizza Portuguesa, quase uma unanimidade…

Perfeita representante da fusão culinária entre Brasil, Portugal e Itália, esta receita, que foi criada por aqui, nada mais é do que usar ingredientes tipicamente lusitanos sobre a massa italiana. Mistura-se, cebola, ovos, azeitonas, presunto e o que mais tiver na geladeira…

Para sabores tão diferentes, é preciso um vinho de corpo médio, alguma acidez, pouco tânico, macio e fácil de beber: Merlot.

4 – Pizza de tomate seco e rúcula.

Embora não seja uma pizza clássica, tornou-se bastante popular. Existem algumas variantes desta receita: sem queijo, com requeijão ou com mozarela de búfala.

Os sabores finais são muito suaves, com um leve traço de amargor, por conta da rúcula, que é acrescentada ao final, não passando pelo forno.

Um bom branco é a combinação indicada: Sauvignon Blanc, Chardonnay não madeirado ou Fiano.

Para ficar mais interessante, experimente esta combinação com um Verdejo, espanhol, ou com um Grüner Veltliner, austríaco.

Qual a sua pizza favorita?

Não apareceu aqui?

Não tem problema. Use estas sugestões como base, para outras combinações de coberturas.

Procurem ousar, incluindo vinhos rosados, um Riesling alemão seco ou espumantes.

Saúde e bons vinhos!

Sal, pimenta e gordura

foto por Speed-Light licença por CC BY-NC-ND 2.0

Muitos já devem estar imaginando que este trio de referência culinária, também possa ser usado no vinho nosso de cada dia: uma pitadinha de um e do outro e uma mergulhada de uma tira de bacon em nossas taças é tudo que falta para transformar um vinho barato num Bordeaux de 1ª linha.

Não é bem assim, estes três elementos continuam tranquilamente sua saga de melhorar os sabores de diversos alimentos. Já uma refeição bem temperada tem a capacidade de melhorar ou piorar o sabor do vinho que está acompanhando o repasto. Harmonização é isto, basicamente.

Servir alimentos um pouco mais salgados, como um presunto cru, é um dos truques mais consagrados para dar uma melhorada naquele vinho meio duvidoso.

Lembrem-se que até os doces se beneficiam quando temperados com um pouco de sal. Um bom exemplo são os sorvetes de caramelo salgado, um dos carros chefes das modernas sorveterias artesanais.

Sempre que achamos que uma história ou outra situação vivida está meio sem graça, usamos a expressão “sem sal” para justificar.

Que ninguém pense em colocar sal na borda da taça, como em alguns coquetéis, mas experimentem consumir um petisco mais salgadinho e tornem a provar o vinho.

Que diferença!

As pimentas sempre foram inimigas do vinho. Seu principal componente, a capsaicina tem a capacidade de embotar o nosso paladar, deixando, apenas, a aquela sensação de calor e ardência, muito desagradável para uma grande maioria.

A Pimenta do Reino, branca ou preta é um caso especial. Existem algumas preparações, muito famosas, que usam e abusam deste condimento, por exemplo, a massa “Cacio e Pepe” dos romanos e o clássico “Steak au Poivre” dos franceses.

Ainda assim é possível harmonizar estas escolhas, mas não é com qualquer vinho. Prefiram vinhos de corpo médio, mais leves e vejam o resultado.

As pimentas vermelhas, como as utilizadas nas culinárias asiáticas, mexicanas ou indianas, são mais difíceis de combinarem com um bom vinho. A sensação de calor só é aliviada com um vinho bem refrescante. Um espumante seria perfeito.

O terceiro elemento, a gordura, tem um papel todo especial tanto na culinária como na enologia: transportam os sabores.

Um alimento com zero de gordura é sem gosto. Podem salgar e apimentar que, mesmo assim, não transmite nenhuma sensação prazerosa.

Não há gorduras no vinho, mas ele pode se beneficiar de sua presença no nosso palato. Uma das regrinhas básicas de harmonização é equilibrar taninos e gorduras.

Neste campo, há um dos melhores aliados do vinho, os queijos, a perfeita mistura de gordura e sal, que encanta o paladar de enófilos iniciados ou não.

Provavelmente, muitos apreciadores desta deliciosas bebida tiveram o primeiro contato numa reunião do tipo “queijos e vinhos”.

Que tal, então, colocar uma pitadinha de pimenta no próximo bocado?

Saúde e bons vinhos, bem temperados!

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