Categoria: O mundo dos vinhos (Page 15 of 72)

A importância da fermentação – de volta ao básico

Um vinho, assim como outras bebidas alcoólicas, depende de uma fermentação que transforma os açúcares de uma matéria prima, no nosso caso o sumo das uvas, ou mosto, em álcool. Mas não é só isto, o alcance desta reação química vai muito mais longe.

Para os que estão iniciando neste mundo, pode parecer algo muito técnico, complexo e cheio de mistérios. Por outro lado, fermentações estão no nosso dia a dia há muito tempo e, talvez, muitos nunca se deram conta disto.

Um ótimo exemplo são pães e bolos. Nenhum deles existiria se não houvesse uma fermentação. O tradicional “pó Royal” nada mais é do que fermento químico. Qualquer “chef” doméstico manipula este produto sem problema algum …

Na elaboração dos vinhos, quem faz o papel do fermento são as leveduras, um tipo de fungo. Tanto podem ser naturais, as mais simples são as que estão nas peles das uvas, ou preparadas para tirar o melhor que podem do mosto. Cada produtor, de acordo com o que obtém nas colheitas, vai decidir o que usar. Cada levedura vai agir de uma forma e dentro de um tempo que deve ser controlado.

mosto + leveduras = álcool + gás carbônico (que se desprende)

Nesta transformação, aparecem alguns subprodutos que são de grande importância para Enófilos, Sommeliers, críticos, entre outros. São conhecidos pelos técnicos como “compostos aromáticos”, formados por ésteres, aldeídos, pirazinas, terpenos, tiol e lactonas. São nomes complicados para explicar a existência de tantos aromas e sabores diferentes nos vinhos.

Vinho é uma bebida que não tem gosto de uva, apesar de ser elaborado com elas. A mágica ocorre durante a fase de fermentação, a mais importante delas. Outras notas aromáticas vão surgir nas etapas pós fermentação. A mais tradicional é o amadurecimento em barricas de carvalho. Outra fase traz novas camadas de sabor e sensações táteis é a conversão malolática, quando o áspero ácido málico é convertido no amanteigado ácido lático.

Para que isto tudo que foi mencionado resulte numa bebida que nos agrade, é necessário mais um fator: tempo. Nenhum vinho está “pronto” assim que terminam as fases de elaboração. Mesmo depois de engarrafados, ainda ficam repousando para que todos estes aromas e sabores se integrem.

Pensem nisto quando abrirem a sua próxima garrafa. Não a tratem como um “qualquer”. Deixem o vinho respirar, usem um decantador ou um aerador. Mesmo na taça, ajudem o vinho a revelar todo o seu potencial, agitando suavemente.

“Ter paciência é difícil, mas o resultado é gratificante”. (Jean-Jacques Rousseau)

Saúde e bons vinhos!

Créditos:

Imagem de Sketchepedia no Freepik

Montando uma adega em casa

Sonho, possível, de muitos enófilos. Pode parecer um luxo, mas ter algumas garrafas, bem selecionadas, ao alcance da mão, a qualquer hora, é muito prático.

O primeiro ponto a ser observado é o local escolhido para armazenar as garrafas: deve ser ventilado, fresco, de fácil acesso e protegido de luz solar direta. O ideal é que se possa colocar as garrafas na horizontal. Uma boa opção é investir numa adega climatizada.

Para facilitar o manuseio, é interessante que a adega tenha uma regra de organização. Existem várias técnicas, a mais básica é separar tintos, brancos, rosados, espumantes e “outros”. Dentro de cada um destes grupos, podemos ir sofisticando, por exemplo, arrumando por preço, casta, safra, região ou produtor. Cada um vai achar uma maneira que melhor se adapte à sua forma de escolher um vinho.

A parte mais difícil será escolher os vinhos que vão compor o nosso acervo. Duas opções são bem claras: vinhos de consumo rápido, que devem estar mais à mão e vinhos de guarda, que serão armazenados “lá no fundo da adega”.

Agora entre em cena a questão financeira. Um bom estoque inicial gira em torno de 30 garrafas. Devemos fixar um preço médio previamente, para podermos nos divertir sem “furar o teto de gastos”. O ideal é estocar 3 garrafas de cada tipo. Se isto for inviável, tenham pelo menos duas iguais.

Alguma excentricidade sempre será permitida, mas nada de comprar vinhos icônicos e caros …

ESPUMANTES:

Duas garrafas no mínimo. Os produzidos no Brasil são excelentes. Vale a pena investir em marcas consagradas como Chandon, Geisse, Valduga e outras.

A excentricidade seria um Champagne. Se assim decidirem, escolham um ótimo produtor, com garantia que envelhecerá corretamente.

BRANCOS:

Algumas uvas são clássicas e devem estar em qualquer adega que se preze: Sauvignon Blanc, Chardonnay e Riesling. O gosto pessoal deve ser levado em conta e, se algumas destas sugestões não for do seu agrado, simplesmente não inclua na sua lista.

Existem inúmeras alternativas: Alvarinho e Loureiro, clássicas do Vinho Verde português; Pinot Gris/Grigio, seja da Itália ou da Alsácia; Verdejo espanhol etc …

Selecionem vinhos do Cone sul. Os Sauvignon Blanc do Chile são deliciosos e fáceis de encontrar. Chardonnay da Argentina ou do Brasil estão com um ótimo nível de qualidade. Já o Riesling, prefiram os alemães, austríacos ou da Alsácia.

TINTOS

Assim como nos brancos, as uvas clássicas, Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir e Syrah são as nossas apostas. Mas não podemos deixar de fora da nossa lista a Malbec, vinificada de forma magistral na Argentina, a Tempranillo, casta icônica da Espanha e alguns vinhos de corte, como o Bordalês ou os GSM do vale do rio Ródano.

Tudo vai depender do gosto pessoal e do “bolso” de cada um.

Seguindo a trilha do Cone Sul, vamos encontrar excelentes Cabernet no Chile. Estão cotados entre os melhores do mundo, rivalizando com os famosos norte-americanos.

Em nosso país o Merlot já ganhou fama. Diversos produtores oferecem rótulos de alta qualidade: Valduga, Dal Pizzol, Pizzato, etc …

Temos, também, bons Syrah. Mas se o orçamento permitir, optem por vinhos australianos elaborados com esta casta.

Pinot Noir é uma casta famosa, difícil de vinificar e seus vinhos são necessariamente caros. Os da Borgonha são impraticáveis. Um bom garimpo pode encontrar joias do Oregon (EUA), Chile, Nova Zelândia e Brasil.

Há muitas opções se esta lista básica não agradar. Os cortes bordaleses são cartão de visita de qualquer vinícola do mundo. Muito fáceis de encontrar, mas, também, com qualidade discutível às vezes. Os vinhos tintos portugueses, cortes com uvas nativas, preenchem esta lacuna perfeitamente, com custos bem palatáveis.

Os GSM (Grenache/Syrah/Mourvèdre) franceses são excelentes vinhos, não necessariamente caros. Procurem por um Cotês du Rhône, sempre com boa relação de preço.

OUTROS VINHOS

Uma adega não estaria completa sem alguns vinhos de sobremesa e fortificados. Aqui estão algumas sugestões:

Vinho do Porto – um clássico. Tenha uma garrafa pelo menos;

Colheita tardia – vinhos doces que foram elaborados com uvas muito maduras. Argentina e Chile produzem pequenas joias. Curiosamente, a casta Riesling brilha por aqui.

A extravagância seria investir num Sauternes, o mais clássico dos vinhos doces ou em um Tokaji, o mais famoso vinho húngaro: são caríssimos!

Agora é só tomar coragem e começar.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de Hermes Rivera na Unsplash

Vinho tem textura?

Estamos tão acostumados com aromas e sabores que nunca nos lembramos que os vinhos têm mais uma característica que deve ser avaliada: a textura.

OK, já escutamos o “do que vocês estão falando?”.

Para alguns leigos, falar em texturas líquidas pode soar muito estranho, do outro mundo. Mas elas existem e são percebidas pela nossa mucosa oral.

Vamos deixar o vinho de lado por um minuto, durante o qual, convidamos o leitor a pensar num alimento. Ao prová-lo, podemos experimentar diferentes sensações como suculência, cremosidade, maciez, firmeza, pungência, calor, frio e algumas outras.

Estaríamos errando ao afirmar que estas são texturas?

É fácil imaginar que elas também existem para os líquidos, vinhos incluídos.

Fazendo uma analogia com aromas e sabores, não é difícil identificar a presença de texturas numa degustação. Algumas podem, inclusive, sinalizar problemas no vinho, como pedaços de rolha, ou problemas no serviço, quando cristais de tartarato são sentidos na boca (despeçam este Sommelier).

Dois fatores, pouco utilizados por enófilos menos experientes, quantidade e intensidade, ganham um peso maior na hora de avaliar as texturas. Vinhos tintos, por conta dos taninos, servem de exemplo: um vinho muito tânico (quantidade) tem uma presença (na boca) desagradável (intensidade).

Para os brancos precisamos de maior sutileza. A acidez é quem vai ditar a característica mais presente. Um Sauvignon Blanc pode ter sensações muito ásperas em comparação a um Chardonnay que é mais “arredondado”.

A gama de sensações possíveis é muito ampla e cada tipo de vinificação pode introduzir algo novo e inesperado. Vinhos que passam por madeira trilham um caminho, vinhos que amadureceram sobre as borras vão por outro e assim por diante.

O grande espetáculo é a nossa capacidade de identificar e apreciar cada uma destas diferentes texturas e compreender o seu significado.

Agora, quando o seu amigo usar uma expressão como “este vinho dá para mastigar”, não o trate como um extraterrestre; aprenda com ele!

Saúde e bons vinhos!

Degustar ou “entornar”?

Numa das oficinas de degustação que organizamos, um dos presentes avaliava cada vinho apresentado, que lhe agradava, com o seguinte comentário: “altamente entornável”!

Isto nos deixava com um misto de satisfação, pelo vinho escolhido, e tristeza, por conta do baixo aproveitamento de tudo que havia sido exposto na parte teórica da oficina.

Cada bebida alcoólica tem seus ritos de degustação que deveriam ser seguidos por seus admiradores. O vinho não é exceção e talvez seja a bebida que mais ritos exige para dar, ao seu aficionado, um título de expert, enófilo ou de grande conhecedor.

Vinhos são pensados e elaborados para nos proporcionar uma série de pequenos encantos que começam quando o líquido é vertido numa taça e terminam algum tempo depois do último gole, ao fim da garrafa.

A capacidade de apreciar tudo isto exige algum conhecimento e muito treino. Não é algo que se adquire da uma hora para outra e nem tem um preço fixado que pode ser pago em suaves prestações.

Uma das primeiras lições é como identificar se um vinho tem qualidades acima da média. Um ótimo indicador já está bem delineado nos parágrafos anteriores: permanência. Um vinho de boa origem e vinificado com todos os cuidados, vai se manter no nosso palato por algum tempo. Não é aquela coisa do bebeu e passou. Esta qualidade é fundamental para que a harmonização com alimentos funcione.

Não podemos deixar de lado o conhecido trio: cor, aroma e sabor. Este primeiro contato tem muito a nos dizer sobre o que vamos provar. É tão importante que Sommeliers são avaliados por sua capacidade de identificar diferentes vinhos a partir destes três elementos, o que não é fácil.

Apesar do rito ser o mesmo para profissionais ou para simples apreciadores, é na conclusão do que se observou que surgem as diferenças. Enquanto eles procuram pistas sobre as origens do que estão degustando, nós devemos olhar para outros parâmetros. O mais importante deles é o equilíbrio.

Fruta, acidez, taninos e teor alcoólico devem estar em harmonia, um não deve ser mais evidente que os outros. Um importante reflexo disto é observar que, na hora de acompanhar uma refeição, a intensidade de sabor do vinho deve acompanhar a do prato servido.

Vinhos se destacam por sua capacidade de nos oferecer uma ampla gama de aromas e sabores que, ao final, se traduzem em satisfação. Ao olhar a cor, sentir os diversos aromas e sabores, procurem identificar e associar com as suas referências – não vamos conseguir identificar algo que nunca provamos antes.

Um exemplo clássico é o alcaçuz, uma presença fácil de ser identificada nos tintos que passaram por barricas de carvalho. Infelizmente, esta raiz adocicada deixou de fazer parte do nosso dia a dia. Antigamente, era comum balas de alcaçuz serem vendidas por baleiros ambulantes. Hoje, este marcante sabor só é identificado em algum xarope para tosse, mesmo assim, se formos avisados que ele está ali.

O conselho final é: trabalhem com o conhecimento que vocês têm. Para enriquecer sua base de dados, participem de degustações, viajem e façam cursos e oficinas e, sobretudo, não “entornem” …

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de abertura por Freepik

17 de abril – Dia do Malbec

Em 2023 será a 13ª edição desta comemoração, que celebra um dos vinhos mais apreciados por aqui.

Tudo começou em 1853 quando o Presidente da Argentina, Domingo Faustino Sarmiento, autorizou a importação de castas europeias, a Malbec entre elas, para melhorar a qualidade do vinho argentino.

150 anos depois, os vinhos desta casta, produzidos em Mendoza, ganharam o mundo. Não foi uma tarefa fácil. Originalmente a tendencia dos produtores argentinos era apostar nas clássicas Cabernet Sauvignon e Merlot. Com a chegada de consultores internacionais, entre eles Hobbs, Rolland, Cipresso e alguns outros, intrigados com a quase obscura casta originária de Cahors, França, resolveram experimentar e o sucesso foi enorme.

A Malbec havia se adaptado perfeitamente ao terroir quase desértico de Mendoza e de outras regiões do país. Coube ao Dr. Nicolás Catena mostrar estes novos vinhos para o resto do mundo. Mas não foi só ele: José Alberto Zuccardi, Susana Balbo e Michael Halstrick, o proprietário da Bodega Norton. Cada um teve um importante papel nesta história.

As portas foram abertas para investidores de todos os cantos. Grupos de vinhateiros de Bordeaux constroem vinícolas em Mendoza, Salta e Rio Negro. Nomes como Donald Hess, Hervé Fabre, Genot Langes e Francois Lurton se tornam comuns neste cenário.

Uma segunda geração se destaca, sendo muito importante para manter a qualidade de tudo que já foi construído, mas sobretudo, para trazer novos olhares para estes vinhos: Jorge Riccitelli, Walter Bressia, José Galante, Mariano Di Paola, Marcos Etchart, Marcelo Pelleriti, Daniel Pi, Roberto de la Mota, Alejandro Vigil, Sebastian Zuccardi, David Bonomi, Matias Michelini, Alejandro Sejanovich, Matthias Riccitelli e muitos outros.

Guardem estes nomes e escolham seus Malbec por eles!

Dizem que é o vinho perfeito para harmonizar com o “asado”, que em linhas gerais corresponde ao nosso churrasco. Na nossa opinião, também pode ser degustado com massas em molho de tomate, empanadas e queijos de sabor intenso.

Uma das harmonizações mais curiosas que já experimentamos foi com uma sobremesa, uma mousse de chocolate amargo, café e canela, servida com o Kinien, melhor Malbec da vinícola Ruca Malém, onde almoçamos sob a batuta do Chef Lucas Bustos. (não é mais elaborado, mas ainda se encontram garrafas à venda)

Inesquecível!

Nossa sugestão para “bebemorar” nesta data:

El Enemigo Malbec 2018

Muito frutado e elegante. Um vinho excelente para sua faixa de preço. Recebeu 93 pts Parker, nesta safra.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Imagem de 8photo no Freepik

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