Categoria: O mundo dos vinhos (Page 23 of 72)

Vinhos do velho e do novo mundo

Este tema é uma questão fundamental para aqueles que realmente desejam compreender o mundo dos vinhos. Uma simples divisão entre dois continentes, inicialmente, que mais tarde foi ampliada para outras regiões, formou legiões de apreciadores e/ou detratores de um estilo “europeu”, caracterizado pelo “corte bordalês”, ou de um estilo “americano”, caracterizado pelos vinhos varietais.

No final das contas, todos são vinhos, foram elaborados a partir das mesmas castas e, em alguns casos, vinificados pelas mesmas pessoas. Muda, apenas, o endereço ou, no nosso jargão, o terroir. Ainda assim, não é explicação suficiente, dúvidas persistem, algumas muito diretas como “este vinho é melhor que o outro” que, na verdade, se resume a uma questão de gosto pessoal.

Um ponto muito importante nesta discussão é compreender as diferenças entre as diversas normas de elaboração dos vinhos em cada país produtor. Saber ler e interpretar um rótulo é a chave para esclarecer muitas destas dúvidas.

Na França, os vinhos são comercializados enfatizando em seus rótulos as regiões produtoras. As castas utilizadas nem sempre são citadas, cabendo ao consumidor saber, por exemplo, que um Pouilly-Fuissé é um Chardonnay da Borgonha, enquanto um Pouilly-Fumé é um Sauvignon Blanc do Vale do Loire.

Neste link da Wikipedia, há uma extensa lista, em inglês, das regiões que podem aparecer nos rótulos dos vinhos franceses. Ainda assim, é necessário um conhecimento mais detalhado para alguns casos. Bordeaux é o melhor exemplo: são várias sub-regiões, as mais famosas estão nas margens esquerda e direita do rio Garonne. São terroirs bem característicos distribuídos ao longo delas. No caso dos tintos, cada Chateau tem seu corte próprio com as conhecidas castas: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e, eventualmente, Carménère. Nada mais é permitido!

Em 1976, um evento ocorrido em Paris chamou a atenção para os vinhos elaborados na Norte América, até então pouco conhecidos na Europa. O chamado “Julgamento de Paris” foi uma belíssima degustação comparativa entre vinhos dos dois países, com um amplo domínio dos americanos, que se apresentavam de forma direta, sem rodeios: nos rótulos estavam destacadas as castas utilizadas, quase sempre, uma só. Um dos vencedores foi o Chardonnay do Chateau Montelena. Vejam a foto a seguir:

Novamente, as normas de elaboração de vinhos têm papel preponderante no que pode ou deve aparecer nos rótulos. Atualmente, nos EUA, basta que o vinho tenha 75% de uma casta dominante para ser considerado um “varietal” …

Fica fácil entender a razão dos atuais vinhos 100% de uma só casta.

São dois estilos de vinhos muito mais calcados no binômio clima e terreno do que em simplificações como cortes e varietais. Em ambos os continentes, os consumidores se cansaram das tipicidades tradicionais ou dos altos preços de alguns vinhos icônicos. Nas Américas, os cortes estão ficando mais populares, com misturas muito inovadoras que cruzam diversas influências. Na Europa, principalmente na França, os caríssimos vinhos bordaleses e similares vão ganhando novos companheiros, menos sisudos e mais palatáveis no bolso. Até mesmo a rígida regra das “castas permitidas” aqui e acolá está sendo dobrada.

Antigos e tradicionais países produtores no Velho Continente, que caíram no ostracismo, estão sendo redescobertos trazendo de volta alguns prazeres quase esquecidos. São antigas uvas dadas como extintas, técnicas de produção milenares que estavam abandonadas que, agora, estão sendo atualizadas e novas formas de embalar e de consumir a nossa bebida favorita.

No Novo Mundo, as inovações que sempre caracterizaram o estilo de vinhos continuam evoluindo, não esquecendo as inspirações vindas do outro continente. Novos países produtores se valem destas técnicas para trazer ou reviver novas castas e técnicas que resultam em vinhos surpreendentes.

As diferenças são menores a cada nova safra. Quem ganha é o consumidor que souber “ler” corretamente o que tem em mãos: novo mundo é velho mundo e vice-versa.

Saúde e bons vinhos!

Créditos:

Mapa mundi – Imagem criada por macrovetor para Freepik

Chateau Montelena – foto por ayako – Flickr: a bottle from my birth year, CC BY 2.0

Organizando uma adega

Uma das mais interessantes facetas do universo dos vinhos, algo que fascina desde novos enófilos até os mais experientes, é ter sua própria adega. Traz aquela segurança de ter sempre por perto alguns de nossos vinhos favoritos, nos faz sonhar com uma garrafa diligentemente comprada para ser, um dia, degustada e, como se nada disto bastasse, ainda vira uma espécie de vitrine do nosso gosto pessoal.

Montar uma adega em casa, mesmo com poucas garrafas, não é apenas comprar e guardar – isto nem sempre funciona: algum planejamento é necessário.

A nossa primeira recomendação é começar pequeno e com um orçamento aceitável. Investir em grandes vinhos será uma segunda etapa, depois de dominarmos a manhas desta operação.

O segundo ponto é encontrar a localização ideal de guarda, dentro de nosso espaço doméstico. Uma solução, óbvia, é investir numa adega climatizada. Não é mandatório: um canto de um armário, que não receba luz solar, bem ventilado e fresco pode funcionar perfeitamente para este propósito.

A terceira recomendação é decorrente: quantas garrafas devemos manter em estoque?

Um bom ponto de partida é comprar três garrafas de cada tipo de vinho que mais apreciamos: uma será de consumo rápido e servirá de balizador para o destino das outras duas. Devemos acreditar no nosso “feeling” e estabelecer uma data limite para o consumo, degustando a segunda garrafa no meio deste caminho.

Esta sugestão vale para todos os tipos de vinhos: tranquilos, espumantes e generosos. Em linhas gerais, os vinhos mais simples duram entre 1 e 3 anos, os vinhos finos e caros podem durar até 20 anos. Alguns generosos e os de sobremesa podem dobrar este tempo. Vinhos brancos tem vida ligeiramente inferior à dos tintos.

Um detalhe que muitas vezes passa despercebido é fazer o “rol” do nosso estoque, dando baixa em tudo que foi consumido, facilitando a reposição. Para os mais aplicados e organizados, vale incluir uma indicação da posição da garrafa. Colocar etiquetas penduradas nos gargalos é outra boa dica. Não precisam ser sofisticadas, podendo conter apenas o nome do vinho e a safra, ou um código que remeta a listagem.

Qualquer que seja a adega, higiene é fundamental. Periodicamente devemos examinar as garrafas, removendo, da melhor e mais delicada maneira, qualquer mancha de mofo, acúmulo de poeira e, sobretudo, observar se não há indícios de vazamentos ou ressecamentos das rolhas. Este conselho deve ser observado até pelos que optarem por adegas climatizadas.

Desde que começamos a escrever no O Boletim do Vinho, a recomendação de manter um caderno de anotações é periodicamente enfatizada. No caso dos vinhos adegados se torna mais importante e será o instrumento chave para fazer o “giro do estoque”. As informações ali contidas nos orientarão sobre o que deve ser repetido e o que deve ser inovado.

Se o orçamento for generoso, esta é a hora de investir num grande vinho, aquele que nunca provamos e que habita nossos sonhos. Desta vez, não será uma aventura, mas uma compra com a segurança de termos o espaço certo e a disposição de deixá-lo quietinho a espera de um grande dia.

— “A minha adega tem algumas garrafas neste compasso”.

Saúde e bons vinhos, inclusive na adega!

Créditos:

Foto de Amy Chen no Unsplash

Qual a ordem de serviço dos vinhos? – de volta ao básico

A maneira mais fácil de estragar uma refeição harmonizada é não dar a devida importância para a sequência dos vinhos que serão servidos. Muito fácil de perceber o tamanho do possível estrago: sirvam um vinho mais encorpado antes de um mais leve. Ninguém vai gostar do segundo vinho…

Ao contrário da conhecida propriedade da multiplicação, aqui, no mundo dos vinhos, a ordem de serviço altera o resultado.

Há uma regra básica a partir da qual múltiplos corolários se apresentam:

Sirvam primeiro os brancos, seguido dos rosados, dos tintos e para finalizar os de sobremesa e os generosos.

Espumantes podem ser os primeiros vinhos, para preparar o palato antes de uma refeição ou, ao final, para brindar ou celebrar um evento. Neste caso os brut devem ser servidos primeiro deixando os Demi-sec ou doces para o final.

A quantidade de açúcar no vinho é o que está por trás destas regrinhas. Numa relação bem direta, sirvam os vinhos mais secos antes dos mais doces. O que nos leva a mais um ponto a ser considerado: vinhos mais leves vêm antes dos encorpados e os mais jovens, antes dos maduros. Para facilitar, aqui está um prático resuminho:

– Brancos antes dos tintos;

– Secos antes dos doces;

– Vinhos mais frios em primeiro lugar;

– Leves antes dos encorpados;

– Vinhos mais simples antes do mais complexos;

– Jovens antes dos envelhecidos.

Estas não são cláusulas pétreas e devem ser usadas com sabedoria e bom senso. Em sã consciência, ninguém imaginaria servir um leve Pinot Noir da Borgonha na sequência de uma degustação com Cabernet e Malbec. Já ao contrário…

Exceções sempre existem, por exemplo, numa refeição em que o prato principal harmonizaria com um branco encorpado e que tenha passado por madeira, nada impede que o vinho servido com a entrada seja um branco suave ou mesmo tinto ligeiro.

Um corolário importante diz respeito àquelas situações em que um tipo de vinho, apenas, será servido: todos serão brancos ou tintos. Embora não seja mais uma regrinha, é bom lembrar que existem inúmeras variações entre as diversas castas e formas de vinificação, logo, podemos imaginar uma escala de serviço que se aplica nestes casos:

Para os brancos: Riesling seco; Pinot Grigio; Sauvignon Blanc; Gewürztraminer; Chenin Blanc; Viognier; Chardonnay.

Para os tintos: Pinot Noir; Sangiovese; Tempranillo; Grenache; Zinfandel/Primitivo; Merlot; Carménère; Shiraz/Syrah; Malbec; Cabernet Sauvignon.

Para os de sobremesa: Colheita tardia e outros doces (brancos antes dos tintos); Fortificados/Generosos (Porto, Jerez etc.)

Saúde e bons vinhos, na ordem certa!

Ilustração: “Garrafa de vinho”, vetor criado por macrovector para Freepik

Cristais na rolha – o que é isto?

Para começo de conversa, não é um defeito. Sob um olhar mais detalhado e crítico, pode até ser uma qualidade. Para entender o que acontece neste caso, não basta ser um degustador de vinhos, é preciso ter um pouco de cultura enológica. Esta talvez seja a faceta mais interessante a ser descoberta quando se mergulha neste infinito universo.

Cada região produtora, cada vinícola e cada vinho tem uma história por trás. Conhece-las, mesmo que superficialmente, torna cada gole mais gostoso e nos permite ir um pouco mais além na hora de decidir o que degustar.

Estes cristais são de Bissulfato Tartárico, quimicamente categorizados como um sal. São inofensivos e decorrem da presença do Ácido Tartárico, um dos produtos que surgem na vinificação. Ele é o responsável por dar corpo e cor ao vinho. Em determinadas situações há uma concentração maior deste ácido que acaba se combinando com outro elemento comum nos vinhos, o Potássio, formando os cristais. Ocorrem tanto em vinhos tintos quanto nos brancos, apenas a cor do cristal pode ser mais escura ou clara.

Não existe uma explicação simples para esta reação. Uma multiplicidade de fatores, que incluem desde o tipo de uva até alguns processos de fermentação, pode estar por trás dos cristaizinhos. Vinhos de guarda são mais propensos a apresentar estes sedimentos, algumas vezes surgindo logo após a rolha ser sacada. Em vinhos jovens é sinal de que algum processo de elaboração foi feito de forma desatenta.

Normalmente são mais fáceis de serem percebidos no fundo das garrafas ou em suspensão no líquido, o que é resolvido com uma decantação antes de servir. Quando estão na rolha, é uma indicação sobre a forma como a garrafa foi armazenada durante sua vida, deitada, para não ressecar a cortiça.

Uma das maneiras que os produtores conseguem controlar a concentração do Ácido Tartárico, evitando a formação dos cristais, é trabalhando com maceração a frio, uma técnica que mantém o mosto em baixas temperaturas logo após a fermentação. Não é uma informação que conste de rótulos ou contrarrótulos, apenas das Fichas Técnicas, disponibilizadas pelas vinícolas.

Enófilos, que tem um espírito mais zen, enxergam este fenômeno de uma forma altamente positiva e desejável: são cristais, aos quais podem ser atribuídos diversos poderes, inclusive de cura.

Outro grupo de apreciadores imaginam que sejam verdadeiros diamantes, do vinho, é claro, não se importando com sua presença e valorizando estarem ali.

Qual é o grupo de vocês?

Saúde e bons vinhos!

Créditos das fotos:

Abertura – “1/5/12” por Scott’s Scenes, licenciada sob CC BY 2.0;

Foto 2 – “200810x_064” por Paul A Hernandez, licenciada sob CC BY 2.0;

Foto 3 – “Cork Crystals” por wanderingnome, licenciada sob CC BY-NC-ND.2.0.

Elaborando um vinho – de volta ao básico

Esta imagem nos mostra o interior de uma moderna vinícola. Os tanques enfileirados são usados para a fase mais importante no processo de elaboração de um vinho: a fermentação.

De modo muito simples e direto, produzir um vinho se resume a uma equação da química que nos explica o que ocorre:

Açúcar (da uva) + leveduras => Álcool Etílico + CO2 (gás carbônico) + calor

Para os leigos, o encontro dos açúcares presentes nas uvas, matéria prima dos vinhos, com as leveduras, mais conhecidas como “fermentos”, produzem uma reação que terá, como produto, uma bebida alcoólica, o nosso vinho, e o desprendimento de gás carbônico e calor. Muito se assemelha a assar um bolo, ou um pão, guardada as devidas proporções…

A quantidade dos açúcares na fruta (frutose e glicose) é a chave para um bom vinho. Daí vem o conhecido mantra “O bom vinho começa no vinhedo”, a uva precisa estar no ponto certo para ser colhida e vinificada.

Após a colheita, as uvas são separadas do cacho numa operação chamada de desengaço. Pode ser mecânico ou manual. Em seguida, passam por algum processo para obtermos um suco de uva, que aqui ganha o sofisticado nome de “mosto”.

Dois caminhos podem ser seguidos: as uvas brancas são prensadas e seu bagaço descartado; as uvas tintas são “esmagadas” ou apenas “rompidas”, num processo muito delicado cujo objetivo é preservar o bagaço. É ele que vai dar cor e tanicidade ao vinho tinto.

Uma curiosidade: com raras exceções, o suco de qualquer uva é incolor.

O mosto é colocado nos tanques como os da foto, adicionam-se as famosas leveduras ou esperamos que as que existem nas frutas entrem em ação. Esta fase é longa e exige uma série de cuidados, por exemplo, a temperatura deve ser mantida dentro de padrões estabelecidos por cada produtor, de acordo com o tipo de vinho que se deseja obter.

No caso dos tintos, como a fermentação é uma reação tumultuosa, as cascas tendem a vir à tona formando uma camada, o “chapéu”. Como isto não é desejável, ele deve ser empurrado para entro do mosto, novamente, numa operação chamada de “remonta”.

O tempo de contato do bagaço com o mosto, que será determinante no resultado do vinho tinto é chamado de “maceração”. Em algum ponto de todo o processo, o bagaço será separado.

Ao final da fermentação e maceração, o vinho passa por outras etapas a critério da vinícola: estabilização, filtração, clarificação. Novamente, nada disto ocorre de forma imediata. Cada etapa citada pode ser feita por mais de uma vez e os controles sanitários devem ser impecáveis: uma pequena contaminação pode estragar tudo.

Para os leigos, vale à pena um pequeno resumo:

1 – Os componentes que entraram nos tanques de fermentação foram o mosto, cascas e sementes (tintos e rosés) e leveduras;

2 – Não se adicionou água;

3 – Não se adicionou álcool (ele é obtido na fermentação).

A última etapa neste processo é o amadurecimento. O vinho, logo depois de fermentado, ainda não é agradável ao paladar. É uma bebida rústica que precisa de refinamento. O processo mais simples é deixar repousar, seja em tanques de inox ou outro material inerte. Vinhos sofisticados passam por barricas de Carvalho, madeira nobre que irá acrescentar novas nuances à nossa bebida.

Uma vez declarado como pronto, o vinho será engarrafado e repousado mais um pouco, 1 ou 2 anos, antes de ser colocado no mercado.

Um dia vamos degustá-lo.

Em 2011, publicamos uma série com 4 textos sobre este tema. Bem mais completa e técnica que que esta simplificação, acima. Para os que forem mais curiosos, aqui estão os links:

– Vocês sabem como se produz vinho?

Parte 1Parte 2Parte 3Parte 4

Saúde e bons vinhos!

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