Categoria: O mundo dos vinhos (Page 26 of 82)

Acidez e Acidez Volátil

Quando se fala em acidez no vinho, a primeira ideia nos remete a frutas cítricas muito azedas ou aquela desagradável sensação de queimação no estômago.

Nada poderia estar mais errado!

Há um recente e interessante debate sobre a terminologia utilizada no mundo do vinho. Por ter uma origem eminentemente europeia, nem sempre o termo original, quando traduzido para outros idiomas, como o nosso português, consegue manter o seu sentido.

Acidez é um exemplo típico. Na nossa opinião, a tradução mais correta seria “frescor” ou “refrescância”.

É disto que estamos falando!

Seguindo com este jargão, a acidez é uma característica desejável nos vinhos, sendo mais comum nos brancos. Algumas castas são famosas por seus vinhos bem refrescantes: Alvarinho, Chardonnay, Pinot Noir e Garnacha, são algumas delas. Mas não se assustem, um refrigerante é bem mais ácido do que qualquer destes vinhos, do ponto de vista químico (Ph).

A maneira mais simples de entender esta característica é associá-la à salivação, àquela sensação agradável de frescor, no palato, quando se prova um gole.

Sua origem está ligada ao processo de vinificação. Ao final, existirão no nosso vinho alguns ácidos que se encarregarão de transmitir diferentes aromas, sabores e texturas. Quando combinados corretamente, passam a sensação de frescor, ou “acidez”.

Os mais importantes são:

Ácido Tartárico – decorre da fruta e é o mais comum e abundante. Permite que o vinho se estabilize e envelheça corretamente. Em garrafas mais antigas é possível perceber cristais de tartarato no fundo. São inócuos;

Ácido Málico – presente nas uvas e outras bagas. Nos vinhos brancos é o responsável pelos aromas e sabores como os da maçã verde. Na elaboração dos tintos, costuma ser convertido em ácido lático, diminuindo as sensações ásperas;

Ácido Lático – sua presença decorre mais pelo processo de vinificação do que pela fruta. É responsável pelas sensações que nos remetem a produtos de laticínios, muito agradáveis em boca. Para os brancos, é uma decisão importante converter o ácido málico em lático: muda completamente o estilo do vinho;

Ácido Cítrico – sabor muito comum e amplamente conhecido, que remete aos frutos cítricos, uvas e outros vegetais. As leveduras usadas na fermentação também contribuem para a presença deste ácido;

Ácido Succínico – é um subproduto da fermentação e tem pouca influência no sabor final de um vinho.

Este grupo é conhecido como ácidos não voláteis, ou seja, não evaporam. Consequentemente, não podemos perceber sua presença pelos aromas.

Um outro grupo de ácidos, desta vez, voláteis, também estão presentes, em pequenas quantidades: acético, sórbico, sulfuroso, butanóico, isobutírico, propanóico, hexanóico e metanóico.

A presença deles, que pode ser detectada nos aromas, é o que chamamos de acidez volátil. O mais importante é o acético, que nos transmite a sensação de vinagre ou avinagrado. Decorre do processo de vinificação. Uma regrinha de ouro dos vinhateiros diz que “é impossível elaborar um vinho sem ácido acético”.

Para muitos, a acidez volátil é sempre vista como um defeito do vinho. Por outro lado, estes ácidos, se bem dosados, podem trazer um pouco mais de presença a um vinho. São minúsculas quantidades, quase impossíveis de perceber nos aromas ou nos sabores. Devido à sua volatilidade, evaporam pouco tempo depois de sacada a rolha.

No final, tudo se resume a um bom equilíbrio entre todos estes elementos: acidez é desejável e agradável; acidez volátil talvez seja um defeito.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de Alin Luna no Pexels

E a (nossa) lista de boicote aumentou…

Esta lista começou lá em 2012 quando o finado IBRAVIN engendrou uma manobra para criar cotas de importação para vinhos estrangeiros, achando que isso beneficiaria os produtores nacionais.

A grita foi grande. Publicamos uma matéria intitulada “Enófilos unidos jamais serão vencidos” (cliquem no link para ler. Algumas referências, mencionadas no texto, já não estão mais disponíveis). Em linhas gerais, apoiávamos um boicote para os produtos de determinadas vinícolas, algumas bem grandes e conhecidas. Este movimento partiu de renomados Chefs, críticos de vinhos e das principais importadoras e distribuidoras.

Criamos a nossa relação dos vinhos “proibidos”.

Em 2020, o mesmo grupinho, acrescido de mais alguns produtores, tentou ressuscitar a mesma manobra. Novamente, não tiveram sucesso. O nosso texto está aqui “Se não der certo, a gente tenta de novo…”.

E a listinha cresceu mais um pouco!

Agora, nesta virada de fevereiro para março de 2023, fomos surpreendidos por mais uma notícia assustadora: a contratação de mão de obra para a colheita em condições análogas à escravidão.

Inacreditável!

A lista ganhou mais nomes, alguns deles, curiosamente, são de produtores que se opuseram fortemente à manobra das cotas.

Triste!

Num momento em que o vinho brasileiro parece ter encontrado o seu melhor momento, somos forçados a sugerir um boicote aos nossos produtos. É o que nos resta fazer, não temos outra forma de protestar contra toda esta vergonheira.

As desculpas, de sempre, não valem mais:

– Não sabíamos;

– Falhamos na fiscalização;

– São uns aloprados;

– Está fora de contexto;

– É só uma gripezinha;

Entre muitas outras, tantas, que dariam para montar uma enciclopédia.

Um colaborador assíduo da nossa coluna sobre vinhos, Júlio Cardoso, chamou a atenção para outro fato: excetuando os envolvidos, ninguém mais se manifestou, amplamente, sobre o ocorrido. Nem vinícolas, nem associações como UVIBRA, AGAVI ou FECOVINHO. Os sites estão linkados nos nomes. Até a publicação deste texto, nenhuma menção existia nas páginas desses órgãos de classe.

Este silêncio é tão constrangedor quanto o fato em si. Nos leva, logo, a suspeitar que existem outras empresas na mesma situação: “vamos ficar quietinhos para ver se nos esquecem”.

Para piorar o quadro, já sabemos aonde isto vai dar: novas taxas de “fiscalização”, aperto nas regras de contratação de M.O., implantação de normas de Governança, etc…

O resultado, pouco prático na nossa opinião, é que estes custos serão repassados para o consumidor. Um produto que não conquista um mercado maior em função dos preços muito elevados, se comparado com outros vinhos sul-americanos, vai se tornar proibitivo.

Em lugar de maracutaias impensáveis, deveriam estar lutando para reduzir os impostos incidentes sobre o nosso vinho. Mas isto, nem pensar …

“Vinho” da semana

Já faz muito tempo que não indicamos um vinho e fomos cobrados.

Aproveitando o “clima” de todo este imbróglio, eis a sugestão desta semana:

Vinagre de vinho tinto “Único”

Notas de degustação: Azedo, sour, sauer, acido, aigre …

Créditos:

Foto de abertura: Imagem de Freepik

Vinagre – obtido no site da Peixe Alimentos

Vinhas velhas

Vinhateiros nunca tiveram vida fácil: a concorrência é enorme, a variedade de uvas se aproxima de números astronômicos e a cada dia novas técnicas de vinificação são usadas. Isto sem falar na reedição de processos ancestrais, como as talhas, ânforas, kvevris e assemelhados. Tudo para deixar os consumidores sempre ligados nas próximas novidades.

Tradicionalmente, os vinhos eram elaborados a partir de uma mistura de diferentes uvas, um corte ou blend, como são classificados hoje. Coube, basicamente, aos produtores do Novo Mundo, insistirem nos vinhos varietais ou monocastas, o que nem sempre é uma verdade absoluta: dependendo da legislação local, um pequeno percentual de uma outra vinificação pode ser adicionado, sem ser declarado no rótulo.

Seguindo nesta linha, uma das recentes inovações foram os vinhos de vinhedos únicos ou de parcela única. São vinhos obtidos com uma matéria prima especial, ou diferenciada, a critério de seus produtores.

Não é nenhum mistério que, dentro de uma mesma área plantada, algumas regiões produzem frutos melhores do que outras. Há algumas explicações para este aparente fenômeno: os solos não são exatamente homogêneos; a insolação pode variar bastante dependendo da orientação do vinhedo; as mudas plantadas não são 100% iguais (diferentes clones), etc.

Outra situação que acentua estas diferenças, acontece quando há parreiras de diferentes idades num mesmo vinhedo. Existem, também, em diferentes países, vinhedos muito antigos. Em geral, esquecidos ou abandonados. Mas, em determinado momento, são recuperados mostrando uma qualidade, até então, insuspeita.

Um ditado popular diz que a idade é sinônimo de sabedoria. Se transplantarmos esta ideia para as velhas parreiras que existem ao redor do mundo, seriam elas as que produziriam os mais nobres vinhos. Para muitos produtores, isto tornou uma verdade que podemos identificar nos rótulos de alguns de seus vinhos, onde está escrito: Vinha Velhas, Old Vines, Vielle Vignes, Alte Reben, Antico Vitigno ou Viñas Viejas, entre outras opções. São vinhos especiais.

O paralelo com a vida de uma pessoa pode explicar um pouco mais. Assim como nós, quando jovens, as videiras são muito produtivas, gerando muitos cachos e frutos. Mas a qualidade nem sempre é a desejada. Quem cuida de vinhedos usa técnicas específicas para obter a o melhor resultado de uma videira nova. Já uma velha parreira, desde que tenha sido bem tratada, produz poucos cachos que nos dão frutos próximos da perfeição. Tudo que sonha um bom enólogo,

Não há um consenso sobre quando um vinhedo ou parte dele pode ser classificado como velho. Alguns produtores adotam 10 anos, outros preferem 25 anos e poucos trabalham com 50 anos ou mais.

E há quem preferira erradicar estes vinhedos de baixa produção, substituindo-os por videiras mais produtivas.

Este é um primeiro alerta: não existe mágica. Um verdadeiro “Old Vines” custa caro simplesmente porque as vinhas velhas ainda existem e produzem, pouco. Isto tem um preço.

Parreiras “velhas” é um bom sinal, mas não é determinante na produção de um vinho fora do comum. Há muitos outros fatores envolvidos que começam com o tipo da casta, passam pelas regiões onde estão plantadas e terminam nas cantinas e nos métodos de elaboração. Um bom exemplo é a casta País (Chile), muito comum nas Américas, onde recebe diferentes denominações como Criolla (Argentina) ou Mission (EUA). Podem ainda estar plantadas em pé franco, sem enxertos, o que é considerado uma raridade. Até poucos anos atrás ela estava esquecida. Agora, produz alguns rótulos muito interessantes.

O Chile é um campeão neste quesito. Os Andes protegeram seus vinhedos da Filoxera, uma terrível praga, que dizimou vinhedos em todo o mundo. Outro país que teve uma região muito protegida foi Portugal e os vinhedos de Colares, plantados em areia.

Outras castas que produzem excelentes Vinhas Velhas são a Cabernet Sauvignon, uma das uvas mais plantadas, Merlot, Pinot Noir, Malbec, Carignan e Zinfandel entre as tintas; Chenin Blanc (África do Sul) e Semillon (Argentina) são as brancas mais comuns em vinhedos antigos.

Quem já provou um bom vinho destes descobriu sabores intensos e marcantes com ótima permanência. São diferentes dos vinhos jovens e fáceis de degustar: não é para qualquer paladar! Há que ter alguma sabedoria para escolher, deixar maturar no ponto certo e apreciar.

Os “velhos” sabem como fazê-lo …

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de Tucker Monticelli na Unsplash

Qual branco abrir?

As respostas mais simples a esta questão seriam na linha de “qualquer um” ou “o que estiver mais gelado”. Nenhuma delas, entretanto, pode ser a melhor escolha na hora de fazer esta, aparente, simples harmonização.

Parafraseando Hamlet, em uma de suas várias traduções e adaptações: “Há mais vinhos entre o Céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.

Um dos primeiros mitos que enófilos iniciantes aprendem é a conhecida regrinha de harmonizar alimentos de acordo com a sua cor. Em linhas gerais, cores escuras combinam com vinhos tintos e, vice-versa, cores claras com vinhos brancos.

O problema com esta regrinha é que existem muitos tipos de alimentos e de vinhos e estas combinações nem sempre estarão corretas. Por exemplo, podemos harmonizar peixes com vinhos rosados, laranjas e até com alguns tintos leves. E ainda nem falamos dos diferentes estilos de vinhos: tranquilos, espumantes, doces e generosos…

Vários fatores vão influir nesta escolha, como o teor de gordura do alimento, modo de preparo e o tipo de frutos do mar: peixe de rio, de mar, crustáceos, moluscos, etc.

Quanto ao vinho, a quantidade de variáveis que devem ser levadas em consideração são: castas, safra, amadurecimento, origem, estilo e temperatura de serviço.

Duas castas brancas são quase uma unanimidade quando se pensa neste tipo de combinação, Chardonnay e Sauvignon Blanc. Há uma boa razão para isto: são vinhos com características bem equilibradas, pouco aromáticos, com boa acidez. Casam bem com os molhos mais cítricos e amanteigados. Castas mais aromáticas tendem a se sobrepor ao delicado paladar de um peixe. Vinhos madeirados devem ser evitados, honrosa exceção para os Chardonnay de estilo californiano.

Vinho Verde (Alvarinho, Loureiro), Pinot Grigio, se for um peixe muito delicado, Verdicchio, cortes com Semillon, Viognier ou Chenin podem ser muito interessantes.

Para a origem do vinho, as regiões costeiras e as de grande altitude seriam as melhores opções. A ideia é ter brancos frescos, com boa acidez e corpo mediano. Vinhos de clima frio.

Vinhos jovens são mais indicados. Deixem o maturados para algumas ocasiões muito específicas, por exemplo, peixes defumados ou muito condimentados.

Importante observar o teor alcoólico, busquem os mais baixos, na faixa de 12% ou um pouco mais. Vinhos com muito álcool são mais pesados no paladar desequilibrando a combinação com a leveza dos frutos do mar.

Um último fator a ser observado é a temperatura de serviço: devem estar frios, mas não estupidamente gelados. É preferível manter a garrafa num balde com gelo e água, procurando manter uma temperatura constante.

Algumas combinações curiosas:

Atum fresco: grelhado ou com molho leve vai bem com um Pinot Noir ao estilo do Novo Mundo. Cru, como na culinária oriental, combina com branco levemente adocicado, um Riesling Kabinett ou Spatlese, se o molho for doce;

Bacalhau: tudo vai depender da preparação. Brancos marcantes e com passagem por madeira e tintos leves;

Sardinha, Anchova: tinto portugueses da região do Minho levemente refrescados (Vinhão, Espadeiro, Alvarelhão). Para uma harmonização fora do comum, experimentem um Jerez seco tipo Manzanilla.

Com algumas analogias, podemos usar estas mesmas ideias para harmonizar carnes vermelhas com vinhos tintos.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS: Imagem de abertura por Freepik

Vinificação redutiva e aromas redutivos

De forma análoga ao texto que antecede este, temos, novamente, uma qualidade e um defeito. Alguns especialistas afirmam que esta situação é o oposto de vinhos oxidativos e vinhos oxidados.

Em parte, têm razão.

Vinificação redutiva, ou reduzida, como preferem alguns, é uma forma de elaboração que evita, de todas as formas possíveis, o contato com o oxigênio.

Já “aromas redutivos” são aqueles estranhos cheiros que nos remetem a ovos estragados, borracha, fósforo queimado e alguns outros que preferimos não mencionar. Surgem por falta de oxigênio, permitindo que composto derivados do enxofre se desenvolvam.

Já aprendemos sobre a importância da exposição do mosto ao oxigênio. Se for muita, o vinho oxida, se for pouca, o vinho fica reduzido. Ambos os casos são considerados como defeitos.

Na vinificação tradicional, a fase mais importante do processo, a fermentação, é feita em aberto. Denominamos como oxidativa. Uma alternativa é que esta fase seja feita em um tanque hermético que pode, em situações extremas, receber uma carga de gás inerte, como o Argônio.

O vinho resultante, neste caso, é muito aromático, frutado e com uma bela cor. Vale para tintos e brancos. Mas há um limite: as leveduras que fermentam o mosto precisam de uma quantidade de oxigênio para se desenvolverem corretamente e fazerem sua “mágica”.

Mesmo depois de pronto, há que engarrafar, sob as mesmas condições – quase nenhum contato com o ar. Não é uma tarefa fácil e as armadilhas estão por todos os lados.

Qualquer falha e os compostos sulfurosos e os mercaptanos aparecem. Um vinho sempre vai necessitar de uma quantidade específica de oxigênio para ficar pronto, para polimerizar, no jargão dos especialistas. Algumas castas são mais susceptíveis aos métodos redutivos, como a Syrah, a Chardonnay e a Sauvignon Blanc.

São vinhos frescos, aromáticos e fáceis de beber. Mas não são vinhos de guarda. São produzidos para serem degustados ainda jovens.

Não existem vinhos redutivos icônicos, como alguns dos vinhos oxidativos citados no outro artigo. Entretanto, os aromas e notas redutivas são bastante comuns na gama de vinhos orgânicos e naturais. Decorrem do processo específico de vinificação que utilizam leveduras indígenas e nenhum sulfito como conservante.

Neste caso, não chega a ser um defeito. Basta uma boa aeração ou decantação para que estes incomuns aromas se dissipem.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de abertura por Florian Berger para Pixabay

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