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Descritores do vinho 1 – Elegante

Existe um jargão próprio dos Enófilos e Sommeliers. Descrever um vinho é tão importante quanto saboreá-lo corretamente. Dominar este vocabulário é quase uma arte, muitos dos termos empregados, os “descritores”, são adaptados de outras expressões comuns, seja por semelhança, seja por traduções mal feitas (o Brasil engatinha neste assunto) e até por razões estranhas, por exemplo, quando alguma celebridade cunha um termo que acaba caindo no gosto de todos.
 
Objeto de colunas anteriores, mostramos que um vinho tem acidez, mas não é um ácido. Esta é uma característica desejável nos brancos, para os tornarem frescos e agradáveis, além de necessária nos tintos para contrabalançar os taninos. Alguns vinhos tintos são elaborados com um maior teor de taninos para serem longevos.
 
Acidez e Tanicidade são dois descritores muito importantes e largamente empregados nas fichas técnicas, leitura obrigatória para quem pesquisa bons vinhos e deseja comprá-los com segurança.
 
Mas o que pensar quando um importante crítico de vinhos como Hugh Johnson menciona: “tintos elegantes”?
 
O leigo irá logo imaginar uma bonita garrafa, um rótulo alinhado, tudo vendido dentro de uma fina bolsa de veludo ou quem sabe num elaborado estojo de madeira. Não é nada disto. Muito cuidado com vinhos embalados assim…
 
 
Começamos pela definição da palavra “Elegante”:
 
1. Que se veste com bom gosto (professor elegante).
 
2. Que se movimenta ou se comporta de maneira graciosa, harmônica (dançarino elegante).
 
3. Que revela requinte, gosto estético apurado: “A sala da casinha era simples e pequena, mas muito elegante…” (Aluísio Azevedo, O cortiço)
 
4. Que demonstra ter boa educação, distinção, correção em suas atitudes.
 
5. Diz-se de local frequentado por pessoas requintadas: Fomos a um restaurante elegante.
 
6. Que realiza sua função ou resolve um problemas de maneira simples, jeitosa, estética etc.: Achou uma solução elegante para o projeto gráfico.
 
 
Percebe-se que o mundo do vinho não foi contemplado com uma explicação.
 
Vamos a ela, começando por suas raízes latinas:
 
1 – do latim “ligare”, que significa amarrar, unir, juntar;
 
2 – do latim “eligere”, que significa selecionar, eleger.
 
Há um nítido viés cultural nestes dois verbos que nos passam a sensação de equilíbrio, igualdade ou entrosamento. Nesta linha podemos afirmar que:
 
Um vinho elegante é um vinho que demonstra um notável equilíbrio entre acidez, tanicidade, teor alcoólico, frutas e madeira. Uma bebida cheia de sutilezas que exigirão um paladar apurado para desfrutá-la.
 
O termo pode ser aplicado a qualquer tipo de vinho, mas não é tarefa fácil perceber a relação de igualdade entre todas estas características.
 
Alguns autores, por esta razão, preferem explicar este descritor por negação:
 
Um vinho que não é imponente, não é frutado, não é opulento, não é brilhante. 
 
Ou seja, não tem uma caraterística que se destaca mais que outras. É como um ator veterano que toda vez que entra em cena ofusca o resto do elenco. 
 
Múltiplas qualidades que impõem um tremendo respeito.
 
Exemplos típicos de vinhos elegantes são os de Bordeaux. Mas não pensem que, ao chegarem ao mercado estão prontos, serão necessários alguns anos em garrafa para atingir este equilíbrio. Pergunte a quem já provou um vinho deste ainda jovem.
 
Alguns sinônimos adotados por diversos autores: Polido, Fino, Delicado e Gracioso.
 
Concluindo: Elegante é um vinho que enche a boca, redondo, aveludado, sápido e que nos deixa satisfeito ao degustá-lo.
 
Dica da Semana: um Syrah dentro desta definição.
 
Casas Del Bosque Gran Reserva Syrah
 

Vermelho com toques roxos.

Apresenta-se como um grande expoente deste varietal.
É um vinho elegante caracterizado pelos aromas de pimenta negra, marmelada de frutas vermelhas e maduras.
Na boca apresenta uma acidez balanceada e, na parte média do céu da boca um frutado, untuoso de grande corpo, terminando com uma sutil adstringência própria de taninos maduros.
É um vinho elegante do princípio ao fim.
 
 

Compreendendo os Taninos

Assim como a acidez, que é uma marcante característica dos vinhos brancos, os taninos são a estrutura dos tintos.
 
De forma análoga a acidez, que provoca uma intensa salivação, aquela sensação de boca seca, que muitos acham desagradável, é a marca da presença dos taninos.
 
Para prosseguirmos nesta discussão precisamos, novamente, concordar com alguns pontos comuns:
 
1 – todo vinho que foi elaborado com a presença das cascas, sementes e engaços das uvas contém tanino. Isto inclui os tintos, os rosados e alguns brancos;
 
2 – taninos estão presentes em várias bebidas que consumimos, como os sucos de maçã, uva, amora, mirtilo, framboesa, cereja, morango (frutas vermelhas), ou qualquer outro que teve seu sabor modificado para se obter alguma sensação de adstringência (adição de tanino em pó).
Cervejas, principalmente as do tipo Lager. Normalmente parte destes taninos é removida para deixar o gosto mais suave.
Chá é outra bebida rica deste composto.
 
3 – Caqui, frutas vermelhas, romã, avelã e nozes contêm altos teores de taninos. Quase todas as frutas que escurecem com o tempo contem taninos em suas cascas. A mais conhecida entre os brasileiros é a banana – a bananada ou o doce em calda são escuros por esta razão;
 
4 – especiarias como estragão, cravo, canela, cominho, tomilho e até baunilha são fontes de tanino;
 
5 – a maioria dos legumes é tânica, sendo o feijão vermelho o que contém o maior teor. Na outra ponta desta escala estão o feijão branco, o grão de bico e o amendoim sem casca;
 
6 – alimentos defumados, devido à madeira usada no processo;
 
7 – produtos à base de chocolate amargo principalmente. Licores, por exemplo.
 
8 – para encerrar esta longa lista que não pretende ser completa, o tanino está presente em todo reino vegetal: caules, sementes, madeira, folhas, etc.
 
Do ponto de vista químico, os Taninos são compostos polifenólicos. Seu nome deriva de Tanna que no alemão arcaico significava carvalho ou pinheiro (tannembaum). A expressão também é usada para definir o tingimento do couro e, por analogia, o bronzeado por luz do sol (tanning, tan).
 
Durante as etapas de fermentação e maceração do vinho, o tempo de contato do mosto com as cascas, sementes e caules permite a dissolução do tanino no líquido (álcool e água). Na etapa de maturação nos barris de carvalho o tanino é transferido por contato. O mesmo efeito é obtido quando se utiliza cavacos, gravetos ou tanino em pó.
 
 
Algumas castas são mais tânicas que outras, mas isto não significa que seus vinhos também o sejam. Tudo vai depender da forma como serão vinificados. Eis uma relação comparativa:
 
 
Muito tanino   Pouco Tanino
Nebbiolo   Barbera
Cabernet Sauvignon   Zinfandel
Tempranillo   Pinot Noir
Montepulciano   Primitivo
Petit Verdot   Grenache
Petite Sirah   Merlot
 
Uma campeã indiscutível é a Tannat, hoje a casta emblemática do Uruguai, que nas mãos de competentes enólogos entregam vinhos maravilhosos.
 
Isto nos leva a discutir a importância dos taninos na vinificação. Para não nos estendermos por intrincados caminhos químicos, a arte de bem vinificar pode ser resumida numa única expressão:
 
“Gerenciar os taninos!”
 
Sem eles os vinhos ficam sem graça. Não nos conquistam.
 
Em excesso nos incomodam tirando todo o prazer em degustar.
 
Até a cor dos vinhos tintos é influenciada por este composto.
 
Alguns conselhos finais:
 
– quem não gosta da sensação de adstringência dos vinhos tintos opte por consumir vinhos brancos que não passam por madeira e nem são vinificados com suas cascas e engaços;
 
– vinhos jovens tendem a ser mais tânicos que os maduros. Muitas vezes deixar um vinho novo guardado por um tempo melhora a qualidade de seus taninos;
 
– se na primeira prova o vinho estiver muito agressivo, deixe-o respirar por mais tempo, use um decantador e o esqueça por um par de horas;
 
– se este procedimento não ajudar é hora de riscar este rótulo do caderninho de compras – foi mal vinificado e ponto final. Nem para cozinhar vai servir;
 
Para refletirmos: Apesar de ser chamada de Rainha das uvas tintas, a Cabernet Sauvignon entra em qualquer relação de castas tânicas. Entretanto seus vinhos são considerados, em todo o mundo, como os melhores, sejam eles de Bordeaux, da Califórnia, do Chile ou de outros países produtores.
 
Qualquer enólogo gostaria de fazer um belo Cabernet e ser reconhecido por isto.
 
Por que será?
 
Dica da Semana: um aveludado Tannat do vizinho Uruguai.
 
Pisano RPF Tannat 2011
 
 
Ótimo tinto da casta Tannat, a melhor e mais plantada do Uruguai, onde ela se mostra menos dura e tânica que na sua região de origem, Madiran, mas continua cheia de corpo e cor.
O bouquet é concentrado e o palato macio, rico e bastante saboroso.
O RPF foi recomendado pela revista do Guia Peñin, o mais respeitado guia espanhol de vinhos.
 
 

Acidez, uma característica pouco compreendida

Alguns temas mencionados na nossa coluna semanal geram ótimas respostas dos leitores. Mitos, saúde e harmonização são os campeões, sempre aparecem dúvidas que resultam em ótimo material para novos textos.

Na semana passada dois tópicos chamaram a nossa atenção com frases semelhantes a estas:

– “não gosto de vinhos ácidos, atacam o estômago”;
– “não aprecio vinhos tânicos”.

Quando a assunto é o gosto pessoal, não se questiona, mas se o assunto for acidez ou tanicidade do vinho há espaço para alguns esclarecimentos.

Para iniciarmos esta discussão, que vai se estender na próxima coluna, precisamos entrar num acordo:

a) todos os alimentos, inclusive vinhos, têm acidez;
b) vinhos tintos têm tanino (em certos casos, brancos e rosés também).
c) laranjas, limões e vinhos são menos ácidos do que o conteúdo normal do nosso estômago (*)

Infelizmente, no caso da acidez, esta palavra, na língua portuguesa, induz a outras ideias ou imagens. Tipicamente quando alguém menciona que “este vinho tem uma acidez alta”, logo imaginamos uma limonada azeda ou um coquetel de ácido sulfúrico e clorídrico, corroendo as nossas entranhas.

Nada mais errado!

Talvez o termo empregado para definir um vinho que tem brilho na cor, muito sabor, que nos faz salivar intensamente e é ótimo para harmonizar com comida, não devesse ser associado à palavra ácido, mas o que usar então?

Um vinho sem acidez simplesmente não tem gosto, é insosso, sem graça.

Existem vários ácidos nos vinhos. Alguns decorrem da fruta e outros do processo de vinificação. A maioria dos ácidos indesejáveis é eliminada ou é convertida em ácidos benéficos.

Os principais ácidos nos vinhos são o Tartárico e o Málico, com os ácidos Cítrico e Lático em segundo plano. Muitas vezes, se no vinho base há carência de alguns destes compostos, eles podem ser adicionados, dependendo de legislações específicas.

O ácido Tartárico é quase uma exclusividade das uvas. Sempre será predominante e tem como funções dar cor e sabor ao vinho. Rico em sais de potássio e de cálcio ajuda nas condições sanitárias prevenindo contaminações por microrganismos indesejáveis. É um fator importante no controle do pH do produto final.

O ácido Málico está presente em diversas frutas e vegetais. Sua concentração é menor em proporção direta ao tempo de maturação de uma fruta. Aquela sensação de “fruta verde” é, simplesmente, excesso de ácido Málico. Seu controle é fundamental na produção de vinhos, muitas vezes através da fermentação ou conversão malolática, onde o excesso é transformado em ácido lático, que amacia o sabor percebido no vinho.

A acidez de um vinho é indicada por dois valores: a acidez total, expressada em % e o pH, que é uma medida de intensidade, variando de 1 a 14: quanto maior o número, menos ácido é o vinho. Um pH 7 indica neutralidade.

Valores típicos dos vinhos:

pH entre 2.5 e 4.5;

Acidez Total entre 0.50% e 0.85%.

Para compreendermos corretamente a acidez, apresentamos em seguida o pH de produtos que consumimos diariamente: (*)

Abobora – 5.0 – 5.4
Bananas – 4.5 – 4.7

Batata – 5.6 – 6.0
Cenoura – 4.9 – 5.3
Cereja – 3.2 – 4.0
Farinha de trigo – 5.5 – 6.5
Laranja – 3.0 – 4.0
Leite de vaca – 6.3 – 6.6
Limão – 2.2 – 2.4
Milho 6.0 – 6.5
Refrigerantes – 2.0 – 4.0
Ostra – 6.1 – 6.6
Ovos – 7.6 – 8.0

Definitivamente, o vinho não é o vilão da acidez.
Mais preocupante seria o seu teor alcoólico, como citado no texto anterior a este.

Na próxima coluna: os Taninos. 

Dica da Semana: um bom chileno, bem vinificado com boa acidez.

 
Valdivieso Merlot 2013
 
Cor: Vermelho escuro brilhante.
Aroma: Intensos aromas de ameixas maduras, especiarias adocicadas, café, chocolate e delicada nota tostada.
Palato: Na boca é suave e elegante, com taninos sedosos dando bom corpo e estrutura.
Harmonização: Ótimo na companhia de cordeiro, carnes vermelhas assadas e massas.

Escolhendo o melhor vinho para a nossa saúde

Usando uma terminologia bem moderna, vinho e saúde é o hype do momento. Desde que se descobriu o paradoxo francês, que aconselhava pelo menos uma taça de tinto por dia, muito tem sido discutido em vários centros de pesquisa, mundo afora.
 
Recentemente publicamos algumas “verdades” sobre este tema (*). A conclusão de algumas pesquisas jogava o famoso balde de água fria sobre os reais benefícios do vinho, contrariando a ideia que fosse uma panaceia universal: a quantidade a ser consumida para ser obter o propalado benefício era de tal monta que o destino certo de quem tentasse esta proeza era se associar ao AA.
 
Nada como um pouco de bom senso para recolocar esta discussão no rumo certo.
 
Algumas características de nossa bebida favorita são efetivamente mais benéficas do outras, então, porque não nos aproveitarmos deste conhecimento para escolher o melhor vinho para a nossa saúde?
 
1ª regra: Baixo teor alcoólico.
 
Um estudo ainda experimental já sugere que efeitos colaterais dos polifenóis encontrados nos vinhos tintos, sem álcool, ajudariam a diminuir a pressão arterial. Os efeitos dos polifenóis decorrentes do etanol ainda não foram corretamente avaliados.
 
Para que fique claro, o vinho utilizado neste estudo foi elaborado normalmente, passando posteriormente por um processo de desalcoolização por nanofiltração. 
Não é um suco de uva.
 
Conclusão: vinhos de menor teor alcoólico são melhores para o nosso organismo.
 
2ª regra: Quanto mais escura a cor, melhor.
 
A chave para entender este ponto são as Antocianinas, um antioxidante que é o responsável pela coloração do vinho. É encontrada em diversas frutas e plantas, a uva sendo uma delas. Mas cada variedade apresenta diferentes intensidades:
 
As castas que apresentam os mais altos teores são:
 
 
– Petite Sirah
– Tannat
– Sagrantino
– Touriga Nacional
– Aglianico
 
 
 
 
Não significa, entretanto, que devemos optar só por estas uvas.
 
3ª regra: Prefira vinhos mais tânicos.
 
Que me perdoem os amantes dos vinhozinhos suaves e adamados, mas tanino é fundamental.
 
É um Flavonoide e antioxidante presente no vinho. Faz ótima dobradinha com as Antocianinas. Está presente na casca e nas sementes da uva e nos barris de carvalho.
 
Mas nada de exageros, não precisa ser daquelas bebidas que enrugam a língua.
 
4ª regra: Vinhos secos, com pouco carboidrato.
 
Esta nem precisa explicar. Se puder escolher, deixe os vinhos de sobremesa na prateleira da loja.
 
5ª regra: Vinhos jovens são mais benéficos que os envelhecidos.
 
Pode parecer surpreendente, mas os vinhos elaborados para rápido consumo têm uma carga de antioxidantes maior que os amadurecidos.
 
Um estudo feito na China descobriu que em poucos meses de maturação um vinho chega a perder 90% dos seus antioxidantes.
 
Um bom efeito colateral desta regra: vinhos jovens são mais em conta.
 
6ª regra: Alta acidez.
 
Esta descoberta foi feita aqui no Brasil. Pesquisadores analisando os nossos Cabernet Sauvignon notaram que quanto mais baixo o Ph do vinho (ácido), mais estabilizados ficavam os famosos antioxidantes.
 
Infelizmente o melhor Ph seria em torno de 3.2, o que é muito ácido para um tinto.
 
Conclusão: é melhor voltarmos ao início desta coluna – bom senso acima de tudo.
 
Não tentem encontrar um vinho que reúna todas estas características.
 
Não será agradável consumi-lo: azedo, amargo, muito ácido e com pouco álcool.
 
Em nossa opinião, o melhor vinho para a nossa saúde é aquele nos faz feliz, afinal, não é só do corpo que precisamos cuidar: o andar de cima é muito importante.
 
Saúde e bons tragos!
 
Dica da Semana: um ótimo representante de Portugal, que nos traz um corte de Touriga Nacional. Ótimo em vários aspectos.
 
Lavradores de Feitoria Douro tinto 2010
 
Um dos grandes Best Buys de Portugal, o Lavradores de Feitoria Tinto combina as uvas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Tinta Barroca de algumas das melhores Quintas do Douro.
Trata-se de um vinho moderno e saboroso, com nítidas notas de fruta vermelha madura e invejável equilíbrio.
 
 
 
 

Vinhateiro doméstico – um experimento

Algumas semanas atrás li uma matéria no site “Wine Pair” (*) sugerindo que todos nós, enófilos de carteirinha, poderíamos realizar o sonho de nos tornarmos vinhateiros, em casa, produzindo o nosso próprio corte Bordalês a partir de varietais comprados no mercado.
 
Confesso que fui seduzido pela ideia. Com se isto não bastasse, recebi esta mensagem da leitora Luiza Samara, de Curitiba, que reproduzo abaixo:
 
“Tuty,
 
Li quase todas as suas colunas e gostei da maioria. Não por defeito delas, mas por interesse meu.
 
Vi que às vezes o enólogo, por uma razão ou outra, mistura uma ou duas uvas para obter um vinho de melhor qualidade, isso seria um corte, não?
 
Bem, considerando isso, lá vai minha pergunta:
 
Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois? rs.
 
Explico minha pergunta: hoje no almoço em casa de amigos, bebi um vinho argentino que era um corte de Merlot, Cabernet Sauvignon e Malbec e estava muito bom. Acompanhou um cozido e desceu muito bem.
 
Dá pra entender que misturar uvas é uma coisa e misturar vinhos é outra, mas com certeza estragaria a taça de vinho, mesmo em qualquer percentual?
 
A propósito, adoro vinhos verdes.
 
Abraços”.
 
(A resposta completa a este e-mail está depois da Dica da Semana. Leiam, também, esta coluna sobre os cortes, publicada em Fevereiro/2015:
 
O que serviu de estopim para o experimento que passo a descrever em seguida foi esta frase de Luiza:
 
“Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois”?
 
Decidi que era hora fazer algumas misturas, com vinhos comprados no mercado,demonstrando que isto pode ser feito sem sustos. Basta seguir algumas recomendações. Diversão e aprendizado garantidos!
 
Convidei José Paulo e Valter para participarem do experimento. Seriam três opiniões sobre os diversos resultados.
 
Um equipamento mínimo se faz necessário: um pequeno decanter, para receber e homogeneizar as misturas e um copo graduado para dosar. Pode ser este de cozinha mesmo, mas escolham um que tenha graduações de 50ml pelo menos.
No nosso caso dispúnhamos de um Becker com marcações de 20 ml, mas foi um luxo. Medidas padrões de cozinha, xícaras ou copos também podem ser usados. Basta ter imaginação.
 
 
O segundo passo foi selecionar os vinhos. Não pretendíamos nada muito exótico nem elaborar grandes volumes. Decidimos por usar três garrafas de 375 ml, compradas no supermercado perto de casa:
 
– Dal Pizzol Merlot 2012 (Brasil);
 
– Finca Negra Reserva Cabernet Sauvignon 2012 (Miguel Torres – Chile);
 
– Dona Dominga Reserva de Família Carménère 2013 (Casa Silva – Chile).

A regra foi uma só: vinho varietal, ½ garrafa. O que estivesse à venda.
 
Alguns acepipes, torradas e água serviram de coadjuvantes numa tarde muito agradável.
 
 
O primeiro passo foi provar individualmente os 3 vinhos e anotar todas as características, assim poderíamos comparar objetivamente as mudanças.
 
Merlot: coloração rubi claro, muito aromático com notas de ameixa preta e cassis. Percebe-se que não passou por madeira. Taninos educados e presentes. Corpo médio, muito redondo. Bom vinho.
 
Cabernet Sauvignon: coloração rubi escuro com reflexos violáceos. Aromas herbáceos e “sous bois” (chão do bosque) típicos da casta. Corpo médio, redondo, taninos presentes e agradáveis. Boa boca, com notas de alcaçuz. Muito bom.
 
Carménère: coloração rubi intensa com reflexos violáceos. Aroma agradável de frutas escuras e herbáceo, “Sous Bois”, discreto. No palato era persistente e intenso. Taninos marcantes e quase aveludados. Notas de banana ou baunilha e um final de boca que remetia à cinza ou fumaça. O melhor dos três. Surpreendeu.
 
Neste ponto, como não havia nos vinhos degustados nenhuma característica que merecesse uma tentativa de correção, optamos por fazer as nossas misturas apenas com o intuito educativo: primeiro aos pares e depois em trios. 
 
Conforme o resultado, optaríamos, ou não, por alterar proporções.
 
1º corte: 50% Cabernet e 50% Merlot – clássico bordalês.
 
Resultado: a cor ficou mais intensa, com predominância dos aromas herbáceos do Cabernet.
 
Todos concordaram que o vinho ficou melhor, com mais sabor do que em cada um, individualmente. Valter mencionou que compraria um vinho como este. O resultado foi tão positivo que decidimos variar as proporções para a próxima tentativa.
 
2º corte: 40% de Cabernet e 60% de Merlot
 
Esta foi a mistura mais difícil de fazer e o copo graduado ajudou muito. Foram 50 ml de Merlot e 30 ml de Cabernet, aproximadamente.
 
A coloração ficou inalterada em relação à anterior, mas surgiu um inesperado aroma floral que encantou e intrigou a todos. Afinal, não estava presente em nenhum dos vinhos na prova de controle. José Paulo logo classificou como Rosas.
 
Sensacional!
 
Nítida predominância do Merlot, como esperado. O resultado ficou muito melhor que o imaginado.
 
3º corte: 60% de Cabernet e 40% de Merlot
 
Escolha quase óbvia, invertemos a proporção da mescla anterior.
 
A coloração se tornou um pouco mais clara. Novamente se percebia o aroma de rosas, ainda predominante. Os taninos ficaram mais intensos e mais ásperos. 
 
Concordamos que era menos interessante que o anterior.
 
Após algumas considerações, concluímos que o corte 50/50 seria a melhor escolha.
 
4º corte: 50% Carménère e 50% Merlot
 
Houve um predomínio do Carménère tanto na cor quanto na parte aromática: cor violácea, aromas de ameixa preta e alcaçuz, mas todos discretos. Um pouco do “sous bois” foi percebido também. Boa complexidade.
 
Na boca o vinho se mostrou muito bom, agradável, boa acidez. Presença de cerejas maduras. Outra surpresa – este não é um corte usual nas vinícolas.
 
5º corte: 50% Cabernet e 50% Carménère
 
Resultou numa bonita cor rubi escura e intensa. Na parte aromática predominaram as características do Carménère: ameixa preta; herbáceos como feno cortado. No palato ficou extremamente agradável, bem gastronômico, com taninos domados e notas de baunilha (madeira). Ótima acidez.
 
O melhor vinho que obtivemos!
 
Para encerrar o experimento, elaboramos mais três cortes, com todos os vinhos em diferentes proporções. Ficaram desinteressantes, nenhum se destacou. Eis um resumo desta última parte:
 
6º corte: partes iguais dos 3 vinhos
 
A coloração final ficou mais clara. Nítida presença de aromas tostados ou defumados indicando a presença de madeira. Deixado na taça aerando, apresentou aromas herbáceos. Paladar indefinido, embora com boa acidez. 
 
Tânico e sem graça.
 
7º corte: 50% Merlot, 25% Cabernet e 25% Carménère
 
Bonita coloração rubi escura, intensa com reflexos violáceos. Muito brilho indicando acidez alta o que se confirmaria no palato. Pouco aromático com predominância de notas herbáceas.
 
No paladar se mostrou muito ácido, quase cítrico ou azedo. Desagradável.
 
8º corte: 50% Cabernet, 25% Merlot e 25%Carménère
 
Uma tentativa de reverter o insucesso anterior. A coloração ficou mais escura, rubi vermelho. Mais aromático que os anteriores, apresentou intensas notas herbáceas, ameixa preta e cassis (doces ou compotas). O paladar era desinteressante, não disse a que veio.
 
Conclusão
 
Em função do resultado pouco animador das misturas em trio, decidimos que não teria sentido experimentar um último corte com predominância do Carménère. Já havíamos percebido que este era um vinho de qualidade superior aos demais, impondo sua presença nas mesclas onde participou. No guia Descorchados de 2015 este vinho recebeu 89 pontos. Os outros dois nem foram mencionados…
 
Este experimento foi totalmente empírico, sem nenhum caráter científico ou exato. Apenas um exercício didático que nos encantou e que certamente será repetido.
 
Uma última recomendação: não esperem que estes resultados se repitam com outros vinhos das mesmas cepas. Cada experimento será único.
 
Este é a graça desta prova. Junte os amigos e faça uma reunião diferente, divertida e cheia de surpresas.
 
Dica da Semana: como o “nosso” melhor vinho ainda não está à venda, a indicação fica com este protagonista:
 
Dal Pizzol Merlot 2012
 
Cor intensa, potente, vermelha rubi com tons violáceos.
 
Aroma pronunciado com notas de ameixa e cassis. Sabor persistente, com bom “volume de boca”, encorpado, harmônico com taninos aveludados.

Harmonização: Vitela, rosbife, bacalhau, massas com molhos de carne, aves bem condimentadas, pato ou ganso, carne de porco, cordeiro, patê de Foie Gras, suflês, queijos tipo gorgonzola, brie, roquefort, port salut.
 
 
 
Resposta ao e-mail: 
 
Luiza,
Boas questões estas que você coloca, este é um dos assuntos mais interessantes para escrever na minha coluna de vinhos. Tenho umas ideias em andamento sobre este tema, uma delas vai tocar exatamente neste ponto.
Alguns esclarecimentos são necessários, vou fazê-los usando o seu próprio texto.
1 – você menciona: “Vi que às vezes o enólogo por uma razão ou outra, mistura uma ou duas uvas para obter um vinho de melhor qualidade, isso seria um corte, não?”
Sim isto é um corte, também chamado de assemblage, blend ou mescla.
O ponto importante são as razões pelas quais o enólogo ou um winemaker decide fazê-lo.
A principal é que os vinhos cortados são produtos superiores aos vinhos varietais (obtidos por vinificação de uma única casta).
Basta olhar para as listas de melhores vinhos que você perceberá que raramente encontramos um vinho monocasta nestas relações (Pinot Noir é a exceção).
Mesmo se aparecer, aposto que é um corte disfarçado: na maioria dos países produtores, um vinho para ser classificado como varietal precisa ter um % mínimo da casta, podendo receber adição de outras vinificações. Por exemplo, os famosos Cabernet da Califórnia recebem até 10% de Merlot ou outra uva. Na Argentina, os seus deliciosos Malbec só precisam ter 70% desta casta.
Esta prática é tão comum que quando um vinho é realmente elaborado com uma única uva, recebe a indicação 100% XXX num dos rótulos.
Para seguir na explicação, fixe esta ideia: o enólogo ao decidir por um corte busca um vinho melhor.
Óbvio que outros fatores podem provocar esta decisão: safras ruins, produções pequenas que não justificam um engarrafamento, etc. Afinal, por mais artistas que sejam os vinhateiros, isto ainda é um negócio que precisa ser bem gerido e dar lucro…
2 – duas frases suas:
“Se eu misturar dois vinhos o que acontecerá, além de estragar os dois?”
“Dá pra entender que misturar uvas é uma coisa e misturar vinhos é outra, mas com certeza estragaria a taça de vinho, mesmo em qualquer percentual?”
Não é bem assim: Quem disse que ao misturar dois vinhos vamos estragá-los?
Deixando os possíveis erros de fora desta história, esta é a principal técnica de elaborar um corte: misturam-se duas (ou mais) vinificações.
Um enólogo passa algum tempo num laboratório dosando e experimentando diferentes misturas até chegar a seu objetivo que pode ser um vinho com menos tanino, ou mais ácido, com fruta, com madeira, enfim, inúmeras possibilidades.
Resolvida a equação, as diferentes partidas de vinhos serão misturadas na proporção indicada e passarão por processos adicionais de estabilização, filtragem, clarificação, amadurecimento e, um dia, engarrafadas.
Só para não deixar você sem uma resposta completa, está não é a única técnica de se fazer uma mescla.
Pode se obter bons resultados com a co-fermentação: as uvas são fermentadas juntas obtendo-se uma vinificação já na proporção desejada.
É muito mais complicada pois não há como controlar tudo o que vai acontecer na cuba de fermentação. Até para equilibrar a quantidade de cada uva é uma operação mais difícil.
Mas uma vez dominada a técnica os vinhos ficam espetaculares.
Outra técnica, muita usada em Portugal, é o “field blend” (mistura de campo): as diferentes uvas são todas plantadas numa mesma área, colhidas e fermentadas juntas, mesmo que algumas variedades ainda não estejam no ponto certo.
Os tintos portugueses, principalmente do Douro, são elaborados desta forma (há exceções). Na minha recente visita a Portugal aprendi que num vinhedo destes podem ser encontradas mais de 20 diferentes uvas, algumas desconhecidas até hoje. Mas que vinhos!
Se quiser lembrar disto é só acessar estas colunas:
http://www.colunadotuty.com.br/2014/11/viagem-enogastronomica-espanha-e_29.html (leia a descrição do vinho Quinta do Crasto Vinhas Velhas)
http://www.colunadotuty.com.br/2014/12/viagem-enogastronomica-espanha-e.html (leia a descrição do vinho Carvalhas Vinhas Velhas)
A chave para nada dar errado é escolher corretamente o que será misturado. Não adianta selecionar dois vinhos parecidos e nem vinhos com estruturas opostas.
Por exemplo: Cabernet com Sangiovese, ambos reis dos taninos, ou Pinot Noir com qualquer outra casta tinta (no Chile já conseguiram…).
Existe uma razão para os vinhos de Bordeaux serem famosos: o corte bordalês é um exemplo de harmonia entre castas diferentes: Cabernet Sauvingnon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère, estas duas últimas em desuso por lá atualmente. Importante: cada uma é vinificada separadamente e as dosagens variam consideravelmente por safra e por área de Bordeaux.
3 – para encerrar: vinhos brancos também podem ser elaborados por corte e o Champagne, apesar de ser produzido na versão varietal, os clássicos são o famoso corte de Chardonnay e Pinot Noir, uma uva branca e uma uva tinta!
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