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Existe lógica nos pontos de um vinho?

Robert Parker, um advogado norte-americano, dominou a cena dos críticos de vinhos durante muitos anos, até se aposentar. Coube a ele estabelecer uma relação de confiança entre a sua escala de avaliação e os consumidores: um 100 pts Parker era sinal de alta qualidade.

Ele não foi nem o primeiro e nem o único crítico de vinhos. Tampouco foi o inventor dessa escala de 100 pontos, mas foi o mais importante, apesar de suas avaliações serem voltadas para um mercado bem específico. Ainda assim, seus comentários continuam muito respeitados.

Formou uma equipe de novos profissionais a partir de sua revista, a Wine Advocate, hoje associada ao grupo Michelin. Era um verdadeiro “Dream Team”. Eis alguns dos nomes que hoje estão em destaque: Antonio Galloni; Luis Gutiérrez; Lisa Perrotti-Brown.

Contemporâneos de Parker, como Jancis Robinson, Hugh Johnson, James Suckling, Tim Atkin e Stephen Tanzer, entre outros, continuam na ativa e produzindo muito. Cada um com seu próprio método de avaliação, o que implica na multiplicação das formas de apresentar os resultados. Alguns desses, especializados em uma região ou país produtor. Na América do Sul temos o chileno Patricio Tapia (Descorchados) e o brasileiro Jorge Lucki.

A tecnologia das redes sociais também entrou nessa seara com aplicativos como o Vivino ou Cellar Tracker. Desta vez, somos os críticos de nossas escolhas. O sucesso tem sido grande.

Isso tudo criou uma certa impossibilidade, de difícil solução: como comparar as notas de tantos críticos com relação a um determinado vinho?

Quase sempre são divergentes, fruto da natureza de cada um. Não há nada errado em alguém detestar aquele vinho que você adora…

Só há um ponto em comum: quando todos atribuem nota máxima ao mesmo rótulo. Ninguém vai questionar esse resultado, é uma certeza. Este vinho é muito bom!

Para o consumidor, qual seria o significado dessas notas que podem ter valores máximos como 100 pontos, 20 pontos ou apenas estrelas?

Uma notação matemática?

Um grau de satisfação?

Ou o resultado de uma complexa equação que envolveria membros como o solo de uma região, as variações climáticas, o humor do vinhateiro e até mesmo se o seu saldo bancário tem fundos?

Mais uma perguntinha: Qual o grau de importância disso para o consumidor final?

Existem diferentes respostas para cada tipo de enófilo.

Os da velha guarda não estão nem um pouco preocupados com avaliações de terceiros. Confiam no seu “taco” e nas conversas com seu fornecedor de hábito.

Esnobes e “enochatos” usam estas avaliações para impressionar os amigos e fingir que entendem alguma coisa.

As novas gerações estão em outro caminho e ainda não se deram conta da existência desses críticos e da importância, ou não, das suas notas. Usam outros parâmetros para escolher e apreciar seus vinhos, entre eles, o respeito ao meio ambiente, quem desenhou a garrafa e o rótulo, a escolha do nome e até o ambiente onde será degustado: tem que ser uma experiência holística.

Sobram os neófitos que tentam entender essa confusão toda.

Para estes, o meu conselho: a nota não é nada sem a resenha que a acompanha. Justifica e explica a avaliação. Sem ela, o selinho certificador que adorna a garrafa não passa de uma bijou, nem sempre bonita.

As degustações feitas por estes profissionais do vinho são sempre comparativas. Muita coisa se passa na cabeça deles antes de classificar um vinho. O resultado vai expressar o seu grau de satisfação em relação a outros vinhos que já passaram por sua análise crítica – este é o principal ponto: tudo é relativo, não há certezas aqui.

Sempre que degustarem um vinho recomendado, habituem-se a fazer suas próprias análises críticas e as comparem com a que influenciou a compra. Desta forma, em pouco tempo será mais fácil encontrar as recomendações que melhor se ajustem ao gosto de cada um. Alternativas não faltam.

Saúde, boas compras e bons vinhos!

Créditos: Imagem de abertura de Tumisu por Pixabay

Uma casta, um vinho – Mencía

Não se pode falar sobre essa varietal sem associar uma região da Espanha, Bierzo, e um produtor, Alvaro Palácios, a quem coube elevar os vinhos elaborados com essa uva a uma outra categoria.

Não é exclusiva nem de um e nem de outro: é uma casta ibérica. Diversos autores e pesquisadores divergem, muito, sobre suas origens.

Durante muitos anos acreditou-se que era uma casta clone da Cabernet Franc, surgida na Espanha. Mais tarde, já com o auxílio de análises por DNA, conclui-se que era a mesma casta conhecida por Jaén, na região do Dão, Portugal. Especulava-se que peregrinos, retornando de Santiago de Compostela, a teriam plantado em território português.

A descoberta mais recente, com o auxílio de moderníssimas técnicas de análise do perfil genético das plantas, concluiu que é uma casta portuguesa, com certeza, surgida através do cruzamento, natural, das uvas Alfrocheiro e Patorra, típicas da região do Dão.

A área plantada, somando os dois países, alcança 11.600 hectares. A maior concentração está em Bierzo. Sempre foi usada na elaboração de vinhos de mesa até que Alvaro Palacios redescobriu alguns antigos vinhedos de altitude. Aplicou métodos de vinificação atuais e obteve pequenas joias.

Críticos colocam os vinhos desta casta entre um Pinot Noir e um Syrah. Apresentam um corpo médio a encorpado, com características florais e de frutas vermelhas como Romã, Ginja e Framboesa. Os taninos estão presentes, sempre muito suaves e domados. Amadurece com grande dignidade.

Por ser um vinho bem gastronômico, a paleta de harmonizações é ampla incluindo variados pratos de carne, bovina, suína, ovina, aves e caça, elaboradas de diversas maneiras; queijos amarelos duros, como o Manchego ou macios como o Serra da Estrela e Azeitão.

Especiarias também não são problemas para este versátil vinho: pimenta negra, cravo, anis, cardamomo, alecrim, alho, cebola e muito mais. No capítulo dos vegetais enfrenta até uma difícil alcachofra.

É pau para toda obra!

Escolhemos um vinho espanhol para representar esta interessante casta:

Pétalos del Bierzo, da vinícola Descendientes de J. Palacios.

Elaborado com 100% Mencía por Alvaro Palcios e seu primo Ricardo Peréz, é uma delícia para ser degustado. Potente, encorpado e muito elegante, recebeu 92 pontos do crítico Antonio Galloni, na safra de 2015. Um dos melhores “best buys” da Espanha.

Saúde e bons vinhos!

Créditos: foto de abertura – https://glossary.wein.plus/mencia

Repensando as harmonizações

Combinar vinhos e alimentos ou harmonizar, como preferem alguns Sommeliers e Enófilos mais dedicados, é quase considerado como uma arte, para este grupo. Por outro lado, há quem entenda que embora haja o vinho envolvido, essas combinações pertencem muito mais ao mundo da restauração do que ao universo da vinificação.

Eis alguns fatos para serem avaliados:

– O cultivo de vinhas e a produção de vinhos é uma atividade muito antiga. Arqueólogos já demonstraram que uvas eram plantadas há cerca de 6.000 anos a.C.;

– Os restos do que seria uma primeira vinícola foram datados como sendo de 4.100 anos a.C.;

– As primeiras notícias sobre tentativas de combinar pratos de um restaurante com um vinho específico vem da França, no século XIX, quando os serviços de restauração se tornaram populares;

– A primeira regra de harmonização e mãe de muitas outras é a que estipulava: “vinho e comida combinam se tiverem a mesma origem”.

Era uma regra bem rígida e limitada que impunha uma regionalização, quem sabe, inevitável para aquela época. De certa forma, seria impensável juntar os clássicos pratos da culinária francesa com nobres vinhos italianos, por exemplo.

Esticando um pouquinho esse conceito, vamos entender a origem da segunda regra mais comum: carnes com tintos e peixes com brancos. Novamente, preceitos que impunham uma rígida restrição.

A Europa ainda se considerava o centro cultural e até mesmo gastronômico do mundo. Podia ditar suas vontades e costumes.

Nos dias de hoje, até mesmo um observador desatento vai constatar que tanto a gastronomia quanto a enologia evoluíram de uma maneira incrível, abrangendo outras culturas e trazendo novos alimentos, novas técnicas, novas castas para serem vinificadas e, o mais importante, novos “terroirs”, nos obrigando a uma releitura da regra original.

Como reescrevê-la para incluir a culinária fusion, por exemplo, que propositadamente mistura, numa mesma refeição, alimentos e técnicas de diversos lugares? Talvez seja melhor não pensar mais nela. Como alternativa, vamos usar estas regras clássicas como se fossem nada mais que uma “vaga ideia”.

Abre-se um campo para novas combinações que vão incluir os novos estilos de vinificação, que já dominam o mercado, como os vinhos naturais, os vin jaune, rótulos de países que nunca foram considerados nos concursos e análises de críticos ou que apenas ficaram esquecidos, como a Grécia, Croácia, Eslovênia e muitos outros.

Há muito o que descobrir e inovar.

Os melhores e mais atuais restaurantes do mundo romperam com quase todas as tradições do ramo. Toalhas e guardanapos de linho branco, impecáveis, foram substituídas por jogos americanos de papel e descartáveis. Talheres de prata deixaram de existir, usa-se aço inoxidável ou madeira.

Pratos de porcelana?

Para quê?

Em seu lugar, materiais inovadores e formatos absolutamente inesperados, isso quando não lhe servirem a refeição diretamente no tampo da mesa e sugerirem que se usem os dedos da mão…

Faz sentido harmonizar ou regras de harmonização?

Entretanto, a busca por uma maior satisfação nas refeições continua e a cada momento novas formas de entreter olfato e paladar são criadas.

Para desfrutar o nosso vinho teremos que abandonar as regras mais rígidas e aceitar essas novas formas de desafiar os nosso sentidos. É um caminho sem volta.

Saúde e bons vinhos, harmonizados na moda antiga ou simplesmente livres e soltos.

Créditos: Foto de abertura por Creative Vix no Pexels

O vinho pode combater a COVID?

É quase inacreditável que, ao mesmo tempo em que estamos num período da história onde a alta tecnologia é a grande estrela, tenhamos nos tornados reféns da desinformação.

A situação é tão grave que já há pesquisadores que cunharam a frase “era da desinformação” para que os futuros historiadores classifiquem e comparem com outros períodos da vida humana, como os da era Mesozoica: Triássico, Jurássico e Cretáceo. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

A tecnologia tem sua parcela de culpa nisso tudo, afinal, a busca por uma maior facilidade e velocidade para resolver as tarefas do dia a dia foi a grande impulsionadora das chamadas “redes sociais”, um tipo de mal necessário que acabou com o nosso bom senso e a capacidade fazermos uma análise crítica do que nos é oferecido ali.

Há pessoas que acreditam, piamente, que só nestes ambientes é que se encontra a verdade, como um certo Dignitário, lá no Planalto Central: o resto é lixo!

Por ser considerado um especialista quando o assunto é vinho, fui bombardeado com mais de uma centena de cópias, de uma mesma mensagem, junto com as mais curiosas manifestações de aprovação: a de que “consumir vinhos combateria a epidemia de COVID”.

Tudo bem que este “oba oba” certamente proporcionou alguns instantes de pura felicidade para esses leitores. Só que nenhum deles passou da manchete sensacionalista. Ninguém se preocupou em buscar uma fonte original para, pelo menos, ter uma ideia do que se estava falando.

Pior, não deram importância para uma conjugação do verbo poder, na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo: PODE.

Copiado de um dicionário da nossa língua:” Ação de poder, de ter capacidade, direito ou autoridade para conseguir ou para realizar alguma coisa”.

Perfeito! Creio que ficou claro, para nossos leitores, que PODE não significa que VAI, não é uma CERTEZA: tem a capacidade, mas outras condições são necessárias.

Esta pesquisa, que começou em 2003, quando da epidemia de SARS, descobriu que, em laboratório, o ácido tânico tinha capacidade para inibir duas enzimas importantes do coronavírus da SARS.

A epidemia passou e a pesquisa foi abandonada.

Recentemente, pesquisadores de um centro médico em Taiwan retomaram esses estudos e confirmaram que o ácido, em questão, agia igualmente no coronavírus da COVID, nas condições obtidas em laboratório.

Aqui começa a confusão que tentarei esclarecer:

– O ácido tânico e taninos não são a mesma coisa;

– Taninos são polifenóis, um composto de origem vegetal que pode ser encontrado em diversos alimentos como nas cascas da banana, caqui, maçã, uva, em sementes como nozes e castanhas e em algumas bebidas como chá e o vinho;

– Taninos contêm quantidades variáveis de ácido tânico e nem todos os taninos são iguais. No caso do vinho, tudo dependerá da casta vinificada, da forma de elaboração, principalmente do tipo e tempo de maceração empregada e, até mesmo, do famoso terroir;

– Inferir que os taninos do vinho PODEM combater a COVID é uma afirmativa, no mínimo, imprecisa;

– Em tese, sabendo que há um pouco de ácido tânico nos vinhos, seria viável supor que um consumo controlado da nossa bebida favorita teria algum efeito terapêutico.

Mas…

1 – Segundo alguns pesquisadores que tentaram responder a essa questão, a quantidade mínima de vinho, altamente tânico, que uma pessoa, com boa taxa de absorção de taninos (varia muito), deveria consumir para obter algum efeito terapêutico seria 1 litro por dia!

Se optarem por esse caminho, aconselho ter, sempre à mão, o endereço da reunião do AA mais próxima de suas residências.

2 – Isso tudo só faria sentido se você estivesse CONTAMINADO – o que não é desejado em nenhuma hipótese. A pesquisa afirma, categoricamente, que “não existe efeito preventivo no consumo desta substância”.

Resumindo: se você desenvolver os temidos e mortais sintomas vai degustar, na veia, uma grande coquetel de medicamentos, mas vinho não será um deles…

Como diz aquele velho jargão, “Melhor prevenir do que remediar”!

Aqui vão os conselhos de sempre:

– Protejam-se – usem máscaras, mantenham um saudável distanciamento, higienizem mãos e objetos que precisem manusear;

– Escolham outras desculpas para degustar vinhos, há uma infinidade delas: tristeza, alegria, boa comida, comida ruim, boas companhias (devidamente distantes) e até mesmo péssimas companhias – troque-as por uma boa taça!

Opções não faltam. Combater o vírus não é uma delas.

Saúde e bons vinhos!

Imagem de abertura: “Ácido Tânico” por Michał Sobkowski sob licença CC BY-SA 4.0

Quingentésima Coluna

Poderia abrir esta coluna desfiando um rosário de sinônimos para marcar bem esta efeméride. Nem eu acredito – meio milheiro – seria a expressão perfeita, num linguajar menos sofisticado. Nosso rico idioma nos permite quase infinitas variações sobe um mesmo tema. Lembra Paganini e seu Capricho nº 24: além do compositor ter feito variações em cima da partitura original, foi seguido por Liszt, Schumann, Brahms e Rachmaninov.

Quem me dera que alguém “variasse” sobre qualquer dos meus textos. Curiosamente, já fui citado por outros autores.

Também posso comemorar, nesta próxima 5ª feira, 11/02/2021, dez anos de atividade no site O Boletim, do Valter Bernat, que teve a coragem de me convidar para colaborar, escrevendo duas colunas: uma sobre tecnologia e outra sobre vinhos. No meio do caminho, abandonei o tema tecnologia ficando exclusivo com os vinhos.

Por falta de espaço no servidor que originalmente hospedava o site, as colunas mais antigas teriam que ser “sacrificadas”, o que me deixou um pouco triste. Era um bom material que deveria estar sempre disponível.

Entrou em cena o meu filho, Tomás, que providenciou o meu site pessoal, “O Boletim do Vinho”, onde meus leitores podem encontrar todo o material que já publiquei. Valeu, filho!

O nome do meu site é, declaradamente, uma homenagem ao Valter. Reconheço que é uma cópia, sem nenhuma cerimônia, do título de seu site, adaptada ao meu tema.

Obrigado amigo!

A primeira coluna, “Vamos beber um vinho”, era como um cartão de visita. O texto já mostrava uma tendência que se consolidou ao longo desses anos: gosto de desmistificar o vinho. (nunca revisei esse texto e deve estar bem desatualizado)

Durante muito tempo as minhas matérias eram muito comentadas por diversos leitores. Renderam boas trocas de mensagens. A partir de um momento simplesmente desapareceram. Talvez tenham cansado ou já se sentem seguros para interpretar as sempre presentes entrelinhas nos meus escritos ou, quem sabe, se aborreceram com alguma diatribe – nem sempre o vinho foi o tema focal…

Ei! Comentaristas de plantão, reapareçam, nem que seja para reclamar. Estou com saudades.

Vocês sabem qual a coluna de maior sucesso? (medida no meu site, OK?)

Aqui está ela: Qual a taça ideal para Vinho do Porto?

Muito curioso, Vinho do Porto não é uma unanimidade no Brasil, país onde tenho mais leitores, seguido de Portugal e Suíça.

Originalmente a coluna terminava com a indicação de um vinho: a Dica da Semana, que depois foi rebatizada como Vinho da Semana.

Honestamente, era trabalhoso selecionar um vinho com boa relação custo x benefício e passível de ser adquirido, pelo menos, nas grandes cidades brasileiras. Optei por acabar com as indicações, apesar de ter sido a única característica que já foi patrocinada no site. O parceiro era a boa loja de vinhos de BH, Casa Rio Verde/Vinho Clube. O pagamento era em garrafas de vinho.

Bons tempos!

Para matar as saudades aqui vai um Vinho da Semana comemorativo:

Quinta da Aveleda Alvarinho Branco 2019 – $$

Apresenta típica coloração amarelo palha com toque esverdeado, límpida e brilhante. No nariz é fresco e frutado, com notas cítricas e de frutas exóticas. Na boca é muito fresco, macio e ligeiramente mineral. Ideal para substituir a cerveja no Carnaval da pandemia.

Rumo aos 1000 textos!

Saúde e bons vinhos.

Foto de abertura por Justin Little para Unsplash

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