Dica da Semana: uma ótima opção para este inclemente verão.
Recioto dela Valpolicella
Durante muito tempo este era o principal vinho da região do Veneto até ser desbancado pelo Amarone no início do século XX. Tecnicamente é o mesmo vinho, um doce, o outro seco. Diferenças importantes no processo produtivo fazem toda a diferença.
A técnica de produzir vinhos a partir de uvas parcialmente desidratadas teria sido trazida pelos gregos quando ocuparam a península itálica em busca de terras mais férteis (Segunda Diáspora). Até hoje alguns produtores usam a expressão “Greco” para indicar este estilo de vinho.
Durante o processo de “apassimento” as uvas destinadas ao Recioto são secas por mais tempo do que as reservadas ao Amarone, obtendo-se uma maior concentração de açúcares. Para garantir a qualidade, a seleção de cachos no vinhedo é extremamente cuidadosa – só os frutos mais maduros e localizados no topo da vinha, recebendo a maior insolação possível.
A fermentação é interrompida prematuramente capturando todas as características de frescor e doçura dos frutos, resultando num alto teor de açúcar residual (250g/l) e baixo teor alcoólico, 12%. Armazenado em pequenas barricas de carvalho francês durante 12 meses, produz um vinho de corpo médio com textura muito aveludada. Sabores intensos e sedutores de frutas negras e chocolate.
Quase uma raridade, sua produção é muito pequena, 2% do volume de Amarone. Um dos poucos vinhos tintos de sobremesa não fortificados. Os principais produtores são Masi, Tomaso Bussola, Corte Sant’Alda e Giuseppe Quintarelli . Os preços variam entre R$ 200,00 e R$ 500,00, mas não são fáceis de encontrar por aqui.
Ripasso
O quarto vinho obtido nesta saga do “Trio da Pesada” tem uma interessante história. Seu nome deriva da técnica empregada no seu preparo. Ripasso, que significa repasse ou reprocessamento, é um método de vinificação que ficou esquecido por alguns séculos e foi revivido, a partir de 1980, pelo grande produtor de Amarone, Masi Agricola.
Em termos simples, após a fermentação do Amarone as borras são removidas e misturadas a um vinho Valpolicella Clássico recém produzido. Isto provoca uma segunda fermentação que vai turbinar o vinho acrescentando mais cor, taninos, compostos aromáticos, corpo, etc.
O resultado final é um ótimo vinho, bem acessível ao bolso dos pobres mortais. A parte divertida fica por conta dos diversos apelidos: Amarone dos Pobres; Amarone Jr., entre outros.
A técnica faz muito sucesso hoje em dia e gerou uma batalha judicial entre alguns produtores para que fosse liberado o uso da expressão “Ripasso” nos rótulos de seus vinhos: as grandes empresas haviam registrado este nome como uma marca.
Apesar de terem ganho a batalha, nem todos adotaram o termo preferindo usar “Dupla Fermentação” ou “Segunda Fermentação”. Alguns dos produtores que originalmente reservaram o termo Ripasso simplesmente abandonaram esta referência embora usem a técnica, como no rótulo abaixo.
Curiosidade:
Existe uma casta branca nesta região, a “Soave” que produz um branco de grande popularidade no país. Também é produzido o Recioto di Soave, um delicioso vinho de sobremesa.
Dica da semana: O preço médio de um Ripasso está na faixa de R$ 150,00 (2012). Há vários bons exemplares à venda. A Masi tem uma vinícola na Argentina que produz um Ripasso sul americano, obtido a partir de uma vinificação de Malbec e Corvina Veronese. Um dos vinhos de melhor relação custo x benefício do hemisfério sul.
Masi Passo Doble Malbec / Corvina
A ótima acidez o deixa fresco e seco, ideal para acompanhar diversos pratos. Para Jancis Robinson, ele é “extraordinário” e um “great value”, “um vinho único, com um final de boca mais seco e sofisticado do que a maioria dos vinhos argentinos”.
Gewüztraminer
A grafia logo acima é como deve ser escrito o nome desta varietal, com um trema sobre a letra “u”. Um nome de origem germânica, ou como já se pronunciaram alguns leitores, um palavrão de difícil pronúncia. Como pedir um vinho desta casta?
Separamos em três partes, ge-würz-traminer e pronunciamos assim:
Ge = “gue”
würz = “vúrz”
traminer = “tramíner”
Agora é só juntar tudo numa única palavra – “guevúrztramíner” e nunca mais usar a desculpa de não saber como pedir.
Neste simpático vídeo são apresentadas diversas expressões em alemão relativas ao vinho. Por volta do 1:06 minuto está a pronúncia original. Divirtam-se:
http://www.youtube.com/watch?v=c9yyzkx5g78
A Gewürz é única, não há outra parecida com ela e os vinhos obtidos não são para qualquer um: ficam na categoria do ame-o ou deixe-o. Traduzindo, poderíamos chamá-la de Traminer temperada ou Traminer perfumada. Esta família é uma das mais complexas do mundo do vinho, com um genoma de múltiplas ramificações. Teria sua origem ligada à vila de Tramin, na parte do Tirol que hoje pertence à Itália. A casta denominada Traminer teria características ampelográficas semelhantes à uva Savagnin Blanc (não confundir com Sauvignon Blanc) usada nos Vin Jaune da região francesa do Jura.
Em algum momento da história, ou a Traminer ou a Savagnin sofre uma mutação surgindo a Traminer Rose ou Savagnin Rose. A epidemia de filoxera desencadearia mais uma evolução, esta com características almiscaradas, dando origem à Gewürztraminer. Especula-se que a versão atual tenha surgido por meio de enxertia. Do Tirol a uva se espalhou pela região do Reno chegando à Alsácia através do Palatinado.
Interessante notar que as características dos vinhos produzidos nas diversas regiões onde está plantada, são muito diferentes entre si, principalmente Alemanha e Alsácia. Admite-se que existe, até hoje, uma confusão com todos os nomes pela qual é conhecida: Frankisch na Áustria, Gringet na Savoia, Heida na Suíça, Formentin na Hungria e Grumin na Bohemia. Apesar de serem sinônimos, podem não se referir ao mesmo tipo de uva. Os alsacianos reduziram o nome para Gewurz, sem o trema, em 1973, exceto para a região de Heiligenstein, deixando bem claro que sua uva não é mais da família “Traminer” e sim uma varietal única em seu território.
Diversos países plantaram esta varietal além de França e Alemanha: Austrália, Canadá, Itália, EUA, Chile, Argentina e até no Brasil, onde se produz alguns vinhos bem interessantes. Mas nada chega perto da qualidade dos alsacianos, um espetáculo à parte.
Para os vinicultores ele é uma “dama de difícil trato”. São necessários solo e clima compatíveis, o que explicaria a perfeita adaptação na Alsácia. Não gosta de solos calcários e tem uma forte tendência a pragas e doenças, principalmente por sua floração precoce. Embora necessite de verões quentes e secos, amadurece de forma irregular e tardia. Naturalmente muito doce, é pouco ácida o que dificulta enormemente a elaboração dos vinhos. Por esta razão, brilha intensamente nos “late harvest”.
Os vinhos são vigorosos, intensos e às vezes rudes, mas sempre maravilhosos. Lichia é a principal assinatura nos aromas e sabores que incluem, de forma bem clara, Rosa, Maracujá, e Manga. Exótico e Inconfundível!
ADOBE GEWURZTRAMINER
Produtor: Vinhedos Emiliana – produção orgânica certificada
Apresenta coloração amarelo pálido, limpo de transparente. Os aromas apresentam notas florais de jasmim e rosas, mesclando com notas suaves de ervas e frutas tropicais. Em boca, novamente aparecem notas florais e frutadas, deixando uma sensação doce, com uma delicada acidez. Saboroso, longo e persistente.
Harmonização: pratos temperados ou picantes, culinária oriental.
Fora da Alsácia e Itália sua expressão comercial é muito pequena ou nula. Mas no Chile, Argentina e no estado do Oregon (EUA), existem excelentes vinhos com esta curiosa uva. Sua origem remonta à Idade Média, na região da Borgonha, acreditando-se ser uma variação da Pinot Noir conhecida como Fromenteau. Em 1300 teria sido levada para a Suíça e mais tarde para a Hungria, onde seu vinho era um dos prediletos do Imperador Romano Carlos IV, que governou Luxemburgo, Bohemia, Itália e a Borgonha.
Os monges Cisterianos eram encarregados dos vinhedos surgindo, a partir deste fato, o nome Szürkebarat que significa monge cinzento. Foi redescoberta na Alemanha em 1711, pelo mercador Johann Seger Ruland, crescendo livremente na região do Palatinado. O vinho produzido foi chamado de Ruländer, que mais tarde foi identificado como Pinot Gris.
Pesquisas recentes feitas pela Universidade de Davis comprovaram que esta Pinot é um clone da famosa uva da Borgonha. A semelhança entre as duas é impressionante e somente a cor mais clara da Gris é que permite a correta identificação. Durante muito tempo foi usada na composição dos vinhos borgonheses e no Champagne, mas devido à sua baixa produtividade e safras irregulares foi sendo gradativamente abandonada.
Hoje a Itália é o maior plantador desta varietal, mas seus vinhos pecam por pouca qualidade. Somente na região do Friuli alguns vinicultores se esmeram para obter vinhos Premium. Na Alsácia, segunda maior área plantada, a situação é bem diferente: a Pinot Gris é uma estrela de primeira grandeza. Foi trazida para esta região por mercadores húngaros o que pode ter originado a antiga denominação de Tokay, numa tentativa de dar mais prestígio ao vinho produzido.
A varietal alsaciana é considerada diferente das demais, talvez devido ao solo e condições climáticas produzindo vinhos muito saborosos e concentrados. Os de colheita tardia são considerados verdadeiras joias. Seus aromas remetem a flores e frutas cítricas e os sabores passam por baunilha e mel. Sua cor pode variar conforme a origem da uva: do amarelo palha até o rosado.
Há uma tendência mundial que aponta os vinhos desta varietal como os da moda. Na nossa opinião, nunca saíram de moda para os apreciadores de bons vinhos: são oníricos!
Semana que vem vamos conhecer mais uma estrela: Gewurztraminer.
Vamos inovar e apresentar duas sugestões, um alsaciano um pouco mais caro e um excelente argentino que será uma ótima introdução para os que ainda não conhecem esta cepa.
Dica da Semana 1:
Le Fromenteau Pinot Gris – 2006
Produtor: Domaine Josmeyer
País: França/Alsácia
O vinho mostra como o cultivo cuidadoso e o terroir adequado podem gerar grande complexidade e riqueza de perfumes. Avelãs, mel, laranja e damascos e o frescor e textura agradáveis pedem mais vinho na boca.
RP: 89 (2004); JR: 15/20 (2006); ST: 88 (2006)
Dica da Semana 2: vinhos da Alsácia são maravilhosos, mas muito caros. Depois de uma boa pesquisa encontramos esta joia.
Lurton Reserva Pinot Gris 2010
Produtor: Bodega François Lurton
País: Argentina / Vale do Uco
Cor dourada com tênues reflexos esverdeados. No nariz notas de flores brancas, como nardo e jasmim, se misturam com aromas de pêssegos brancos e delicadas insinuações de espécies silvestres como arruda e sálvia. Na boca é aveludado e enche a boca. Sua acidez fresca oferece um contraponto harmônico característico dos vinhos brancos do alto Valle de Uco. Paladar longo com notas florais que deleitam o olfato.
Medalha de Prata – Argentina Wine Awards 2011
Harmonização para as duas dicas: grelhados ou carnes ao molho leve, peixes e frutos do mar, massas, queijos e comida oriental.
Vamos conhecer um pouco mais sobre esta curiosa região franco-alemã, sua uvas, e seus vinhos.
Riesling
Originária da região do Reno, esta uva é considerada como a verdadeira rainha dos brancos em franca oposição à Chardonnay. Produz vinhos muito aromáticos, perfumados, com claras notas florais e alta acidez. Dados estatísticos de 2004 mostram que esta varietal é a 20ª mais plantada no mundo e seus vinhos estão sempre entre os melhores brancos do planeta.
Isto se deve a uma característica muito particular: é a uva que melhor expressa o terroir em que está plantada. Um Riesling do Reno é diferente do Alsaciano que é diferente do Australiano e assim por diante. Para os apreciadores, a disputa pelo melhor fica restrita entre França e Alemanha. Podem ser produzidos desde vinhos secos até os doces, de colheita tardia bem como espumantes. Raramente são envelhecidos em madeira o que sugere que devem ser consumidos jovens, mas devido sua acidez característica, suportam muito bem um longo período de guarda. Os secos duram de 5 a 15 anos, os meio-doces de 10 a 20 anos e os late harvest duram 30 ou mais anos. Há registros de Riesling alemães com mais de 100 anos.
Chegaram à Alsácia em 1477 adaptando-se ao tipo de solo mais calcário desta região. Tecnicamente o Riesling alsaciano é considerado uma variação de sua irmã germânica. Seus vinhos são mais alcoólicos e mais redondos devido às técnicas francesas de vinificação.
Rieslings maduros tem uma tendência a apresentar aromas e sabores de derivados de petróleo, querosene principalmente. Existe uma discussão interminável se esta característica é uma qualidade ou um defeito. Podemos ter certeza, apenas, que é um autêntico. Esta uva é encontrada nos principais países produtores, entre eles Austrália e Nova Zelândia, Áustria, Estados Unidos e Canadá, Chile, Argentina e Brasil.
Seus vinhos são de fácil harmonização sendo muito versáteis: do peixe à carne de porco, passando sem problemas pelos sabores condimentados das culinárias Thai e Chinesa.
Resposta ao Desafio da semana passada
Como ninguém se deu ao trabalho de pesquisar, eis a resposta. Quando se trata de proteger seus domínios, os franceses são imbatíveis. Em 1954, após o relato de numerosos casos de OVNIs, o Prefeito da comuna de Châteauneuf-du-Pape, Lucien Jeune, editou um decreto municipal:
“Art. premier. Le survol, l’atterrissage et le décollage d’aéronefs dits soucoupes volantes ou cigares volants de quelque nationalité que ce soit, sont interdits sur le territoire de la commune.
Art 2. Tout aéronef, dit soucoupe volante ou cigare volant, qui atterrira sur le territoire de la commune, sera immédiatement mis en fourrière.
Art 3. Le garde champêtre et le garde particulier sont chargés, chacun en ce qui le concerne, de l’exécution du présent arrêté”.
Tradução:
1º – Ficam proibidos no território desta comuna, o sobrevoo, a aterrissagem ou a decolagem das aeronaves conhecidas com discos voadores ou charutos voadores, de qualquer nacionalidade que seja.
2º – Toda aeronave denominada disco voador ou charuto voador que aterrissar neste território será imediatamente arrestada.
3º – A Guarda Campestre e a Guarda Particular estão incumbidas, cada uma em sua área, da execução do presente decreto.
O curioso é que esta postura está válida até hoje, ninguém se deu ao trabalho de revogá-la!
Do outro lado do mundo, na Califórnia, um moderno e atrevido produtor, Bonny Doon, lançou em 1984 uma família de vinhos elaborados nos moldes dos Châteauneufs. Bem ao seu estilo informal e quase debochado, o nome escolhido não poderia ser outro Le Cigarre Volant, ou Disco Voador…
Cantinho do Gils: Nosso sempre atento comparsa nos traz uma preciosa informação sobre o 6º Concurso Internacional de Vinhos do Brasil, ocorrido em Bento Gonçalves entre os dias 03 e 06 deste mês de Julho. Reuniu 503 amostras de 17 países que foram avaliadas por um júri formado por 45 degustadores de 11 nacionalidades. Foram premiados 148 vinhos de 12 países. A relação completa está neste link: (download formato PDF) www.enologia.org.br/pt/component/kd2/item/download/3
Dica da Semana: vinhos da Alsácia são maravilhosos, mas muito caros. Depois de uma boa pesquisa encontramos esta joia:
Riesling 2009
Produtor: P.E. Dopff & Fils
País: França/Alsácia
Uvas obtidas em vinhedos próprios, rendimento limitado e colheita manual. A vinificação é tradicional em tanque de aço inoxidável com controle de temperatura. Não sofre fermentação malolática e nem passa em barrica. Um Riesling, seco e marcante, bem típico da Alsácia. Mostra notas floras e minerais e uma ótima acidez. Pode ser guardado por até 10 anos.
Harmonização: Frutos do mar e pratos orientais.
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