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Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – IV

Nosso último dia no Alto Douro tinha uma programação extensa. Logo pela manhã visitar a Quinta das Carvalhas. Após o almoço, nos deslocaríamos até Santa Marta do Penaguião para conhecer a Quinta das Gaivosas.
 
O agendamento destes passeios começou a ser feito com grande antecedência. Alguns amigos que residem em Portugal ofereceram as sugestões e fomos tentando conseguir que nos recebessem. Algumas quintas têm estrutura de enoturismo e nos aceitaram de braços abertos. Outras nos acolheram devido ao conhecimento de nosso trabalho e através de contatos pessoais em eventos de degustação. Poucas foram as que nem se dignaram a responder nossa solicitação.
 
A Quinta das Carvalhas é uma espécie de símbolo do Alto Douro e a joia da coroa da Real Companhia Velha, sua proprietária. Qualquer cartão postal de lá vai mostrar imagens de sua principal colina, com a Casa Redonda no cume, o ponto mais alto da região com vista de 360º.
Na troca de mensagens, ficou acertado que faríamos uma visita “vintage”, assim descrita pelo signatário, Álvaro Martinho:
 
“Esta visita teria uma duração variável de 1h30 a 2 horas. É uma visita acompanhada onde terá uma explicação detalhada de todo o cenário vitícola: vinha, plantas, o clima, as castas, a história e a vida das pessoas!!! No final poderá desfrutar de uma prova com 3 vinhos (2 douro DOC e um Porto). O custo associado a esta visita é de 20€ pax. Poderemos considerar esta visita… uma experiência no Douro!!! Recomendamos”.
 
Interessante notar que, com base em nosso conhecimento de outras viagens similares, formamos uma imagem do que poderia acontecer nesta visita, inclusive de quem seria o Sr. Álvaro que gentilmente respondia nossas mensagens, inclusive com outras sugestões de passeios e almoços. Não podíamos estar mais enganados, o que foi ótimo.
 
No dia e horário agendado embarcamos no veículo da Quinta para nos transportarem até lá, um percurso que poderia ser feito a pé, bastando atravessar a ponte sobre o Rio Douro, coisa de 3 ou 4 minutos, em frente ao nosso hotel. Conhecemos o nosso anfitrião, Álvaro, que se revelou um verdadeiro “one man show” (fomos descobrindo estas facetas ao longo do passeio): Guia de Turismo; Engenheiro Agrônomo; Paisagista; Gestor da Quinta responsável por toda a viticultura (120 ha); proprietário de uma vinícola na Cumieira de Santa Marta do Penaguião e Músico, com uma banda folclórica chamada Rama de Oliveira. Como se isto tudo não bastasse, aos 42 anos, casado (sua esposa canta na banda), pai de 3 filhos, é um apaixonado pela vida e por tudo que faz.
À medida que nos conhecíamos, ele comentava um pouco sobre sua vida, que sempre girou em torno dos vinhos (seus pais eram viticultores). Nasceu na aldeia de Covas do Douro, que fica a cerca de 5 km de distância do Pinhão. Tinha 13 anos quando visitou uma cidade grande pela primeira vez, Peso da Régua, o que lhe deixou deslumbrado: “Andei dois dias de elevador”!
 
Quando ingressou na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), para estudar Agronomia, compreendeu o valor da sua infância peculiar. Recebera outro tipo de cultura, única, que usava magistralmente para se destacar no seu grupo. Segundo suas palavras:
 
“Não sabia muitas coisas, mas distinguia o chilrear dos pássaros todos ou a cor dos ovos dos Melros, coisas que ninguém mais sabia”.
A visita transcorreu dentro deste clima (faço um aparte: aprendi, nestas duas horas com ele, muito mais do que já sabia, foi a melhor aula sobre a importância do trinômio solo, clima e tempo). Desde 2001 implantou o conceito de quinta produtiva de charme, transformando lugares, por exemplo, como a oficina de manutenção, antigamente banhada em óleo e graxa, num local cercado de agradáveis jardins.
 
A Quinta é literalmente uma joia e Álvaro acredita que mantê-la assim e dar as melhores condições de trabalho aos lavradores vai refletir na qualidade final dos produtos. Passou-nos a impressão que sabe nome e sobrenome de tudo que ali está plantado. As plantas são suas cúmplices, é capaz de fazer de uma simples erva daninha, tema de conversa para um dia, sem que isto seja um assunto aborrecido. Talvez a mais importante lição nisto tudo tenha sido nos fazer compreender a importância da dimensão de um terceiro fator que se junta ao binômio Solo (x) e Clima (y), sempre mencionados em qualquer compêndio de enologia: no Douro compreendem e dominam o Tempo (z), com grande sabedoria. O representam como o terceiro eixo de um gráfico imaginário:
Apresentou e explicou o conceito de “Vinhas Velhas”, algo que só existe lá. Reparem na foto a seguir.
Sem sair do lugar, nosso anfitrião girou o corpo e colheu 4 ou 5 folhas das parreiras ao seu redor. É desta forma que se identificam as videiras, comparando o formato das folhas. Resultado: 4 ou 5 espécies diferentes, podendo haver castas brancas entre elas. Na época em que foram plantadas eram “uvas que fermentadas se transformavam em vinho”. Este era o critério usado pelos antepassados. Hoje já estão fazendo o mapeamento genético para descobrir quais são estas castas, numa tentativa de preservar as características e a história destas vinhas. Se possível, reproduzir estes vinhedos aplicando avançadas técnicas de genética. Novamente, modernidade e tradição.
 
No dia da visita estavam replantando uma parcela de um vinhedo. Álvaro ressalta que para alcançar o mesmo nível de qualidade das outras parcelas terão que esperar 50, 60 ou mais anos. Ele, provavelmente, não vai provar vinhos oriundos desta nova área e não está nem um pouco preocupado com isto. Simplesmente “não me importa”! Está é a maneira de controlar corretamente o fator tempo, o duriense sabe esperar, tem paciência, o ritmo de vida aqui é outro, “nós não sabemos fazer outra coisa que não seja cuidar desta nossa biodiversidade que passa por milhares de tipos de ervas, arbustos, oliveiras, cítricos, sobreiros e parreiras”. São centenas de cheiros e cores e sabores que brotam a partir de um solo xistoso que para os olhos de um leigo não tem condições de gerar nada.
 
“As vinhas vivem, coabitam, são felizes aqui. Não querem dar vinho, querem amadurecer, dar sementes, prolongar a espécie”.
 
Emocionante tudo isto, temos que concordar com Álvaro: “Isto só existe aqui”!
A degustação que encerraria esta deliciosa visita foi de alto nível, com 3 excelentes vinhos:
 
Carvalhas Branco 2011 – elaborado com as castas Viosinho, Rabigato e Códega. As uvas são prensadas em prensa pneumática. A fermentação inicia-se em cubas de inox com controle de temperatura e termina em barricas novas de carvalho Francês. Segue-se um estágio de 8 meses nas mesmas barricas sobre borras finas.
 
Um branco limpo, claro, de brilhante cor citrina. No olfato apresenta aromas com notas de fruta com nuances de baunilha e tosta, provenientes do estágio em madeira. Embora encorpado no paladar, provoca uma sensação de leveza devido à sua frescura de sabores e acidez viva. Boa persistência. É um vinho altamente gastronômico que pode ser apreciado enquanto jovem, mas que pode surpreender após alguns anos em garrafa.
 
Carvalhas Tinto Vinhas Velhas – este foi um dos destaques desta degustação. Um corte com mais de 20 castas diferentes (Vinhas Velhas) fermentado em lagares (tanques abertos) seguido de um estágio de 18 meses em barricas de carvalho francês. Muito aromático onde se destacam notas de frutas vermelhas e negras aliadas à nuances de ervas e especiarias, bem harmonizadas com a madeira de carvalho através de sutis notas de baunilha. Taninos firmes e muito redondos, com sabores realçados por uma equilibrada acidez que torna a prova longa e persistente o fazem um vinho potente e elegante.
Royal Oporto Tawny 40 anos – este foi um capítulo à parte com sua linda garrafa lapidada. Esta é uma das marcas mais antigas de Vinhos do Porto. Uma bebida muito especial de grande intensidade aromática com notas de baunilha, especiarias e frutos secos. Potente e aveludado, enchendo o palato de sabores intensos, com um final muito longo. Uma verdadeira homenagem ao Vinho do Porto.
Tecnicamente, a visita terminaria após esta degustação, mas não foi bem assim. Quando descobrimos a faceta musical de nosso anfitrião, ficamos naturalmente curiosos e perguntamos se haveria alguma maneira de escutar o som do seu grupo musical. Não havia nenhuma apresentação programada o que gerou um convite informal: “só se vocês forem até o meu armazém, que fica sob minha residência”.
 
Nem em sonhos poderíamos imaginar o que aconteceria no final deste dia, logo depois da visita à Quinta da Gaivosa, localizada muito perto do “armazém” de Álvaro Martinho. Mas este episódio, só na próxima coluna.
 
Não há palavras suficientes para descrever o espetáculo que foi esta visita guiada por este novo amigo. Esperamos poder repetir esta incrível experiência o mais breve possível.
 
Dica da Semana:  para não ficarmos num eterna repetição, como no Bolero de Ravel, sugerindo os vinhos acima, vamos indicar um da vizinha região do Minho.
 
Alvarinho Soalheiro
Sempre nas listas dos melhores Alvarinhos de Portugal segundo a imprensa especializada, é proveniente da subrregião de Melgaço que produz os melhores vinhos verdes.
 Leve, frutado e refrescante, com ótima acidez. Delicioso e cheio de charme é mais encorpado e complexo do que os outros vinhos verdes.
 Pode ser armazenado nas condições ideais por 5 até 10 anos
 Combinações: Peixes, carnes brancas, frutos do mar, ostras e mariscos, queijos.
 

Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – III

O segundo dia no Pinhão prometia uma aventura bem diferente. Nosso destino era a conhecida Quinta do Crasto. Partiríamos de barco pelo Rio Douro num percurso de 1 hora até o Ferrão, um pequeno cais de onde um “transfer” nos levaria morro acima até a vinícola.
Às 11h, de acordo com a nossa agenda, estávamos à bordo do Pipadouro, partindo logo em seguida para um tranquilo passeio, singrando o rio e observando a linda paisagem em ambas margens. Para animar, foi servido um Evel branco, saboroso corte das castas Rabigato, Arinto, Viosinho e Fernão Pires, produzido numa das muitas quintas da Real Companhia Velha.
 
Honestamente, um luxo só, estávamos nos sentindo muito VIPs com este tratamento todo. Vejam as imagens:
 
 
 
Este passeio custa 35€ por pessoa e dura 2 horas. No nosso caso, como tínhamos uma visita e almoço agendados, desembarcamos no “Cais do Ferrão” após 1 hora de viagem. Foi agradável, mas achamos que ficaram nos devendo mais uma hora de passeio…
 
No desembarque, novas surpresas nos aguardavam: o nosso “transfer” era um simpático caminhão marca Bedford da década de 50, devidamente preparado para transportar os visitantes morro acima.

Eu achei muito interessante e bem dentro do espírito deste tipo de visita. Tudo nesta região respira tradição, inclusive a modernidade que é encontrada nos robôs que simulam o pisa-a-pé; os atuais tanques de fermentação com temperatura controlada; ou em outros equipamentos de ponta. Alta tecnologia, mas com um ar de pompa e circunstância de antigamente. Novamente, me senti “o rei do pedaço”, no alto da carroceria. A foto que está logo abaixo bem que merecia uma legenda como “Quinta do Crasto, aqui vou eu”!
 
 
Com localização privilegiada na Região Demarcada do Douro, esta empresa é propriedade da família de Leonor e Jorge Roquette há mais de um século. Como costuma ser com as grandes Quintas do Douro, a origem da Quinta do Crasto remonta a tempos longínquos – o nome Crasto deriva do latim “castrum”, que significa forte romano. Produzem vinhos brancos, tintos e do Porto além de deliciosos azeites. Importantes investimentos realizados nos últimos anos permitiram modernizar as vinhas e as instalações de vinificação. Utilizam as mais avançadas tecnologias, conjugadas com o tradicional método de pisa-a-pé em lagares.
 
 
 
Chamou a nossa atenção o formato tronco cônico dos tanques. Tem alguma semelhança com os ovais mostrado em colunas anteriores. Esta tecnologia é bem recente e, definitivamente, influi positivamente no resultado final.
 
Depois do recorrido nas instalações fomos levados para o local do nosso almoço, que foi previamente encomendado com base no programa abaixo.
 
 
 
 
Nossa escolha foi o Arroz de Pato. Estava delicioso e harmonizou corretamente com os vinhos oferecidos. A vista, deslumbrante, nos deixou maravilhados com o local, difícil foi ter que deixar isto para trás e voltar para o hotel.
 
 
 
O estilo duriense de receber os visitantes tem uma característica própria que enfatiza mais o estilo de vida, a gente e os vinhos, um trinômio indissolúvel. No almoço, não há aquela preocupação de harmonizar isto com aquilo. Tudo estava ao nosso alcance, os vinhos “eram nossos”, segundo um atendente, o que significava que estávamos livre para fazer as nossas próprias combinações.
 
Ao final, na hora da sobremesa, foi servido um queijo tipo Serra da Estrela, delicioso, no ponto certo, fez a alegria de todos. Eu experimentei com todos os vinhos que foram oferecidos até fazer a minha escolha. Sensacional!
 
Um resumo do que foi degustado:
 
Quinta do Crasto Branco 2012: Elaborado com Gouveio, Viosinho e Rabigato. Cloração citrino. Excelente intensidade e frescura aromática, onde se destacam notas de lima, maracujá, flor de laranjeira, e vibrante mineralidade. No palato apresenta início envolvente, evoluindo para um vinho com excelente volume, acidez e estrutura, tudo em perfeito equilíbrio com notas de grande frescura e profunda mineralidade. Termina vibrante, fresco e persistente.
 
Crasto Douro Tinto 2012: Elaborado com Tinta Roriz, Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Barroca. Coloração Violeta intenso. Perfeita projeção de aromas de frutos silvestres do Douro de grande frescura e intensidade, muito bem integrados com suaves notas florais. Na boca é elegante, com volume correto, taninos redondos de textura fina que lhe conferem uma estrutura em perfeito equilíbrio. Muito rico em notas de frutos silvestres frescas que consolidam um conjunto harmonioso. Boa persistência.
 
Crasto Superior Tinto 2011: Vinificado a partir das castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Souzão e Vinha Velha. Coloração violeta intenso. Ótima expressão e intensidade aromática, onde se destacam frescos frutos silvestres, em perfeita harmonia com elegantes notas de esteva (uma flor), e suaves especiarias. No paladar tem início fresco, evoluindo para um vinho sério, de excelente volume, e estrutura compacta, onde se destacam taninos redondos e firmes. Termina persistente com agradáveis sensações de frutos silvestres em perfeita integração com especiaria fresca.
 
Quinta do Crasto Vinhas Velhas 2011: Vinificado a partir de Vinhas Velhas (25 a 30 castas diferentes, inclusive brancas). Coloração rubi carregado. Fantástica expressão, concentração e complexidade aromática, onde se destacam frutos silvestres do Douro, em perfeita harmonia com suaves notas de especiaria e aromas frescos de cacau e esteva. Ataque poderoso no palato, evoluindo para um vinho muito elegante, de excelente densidade. Taninos de textura muito fina, em perfeita envolvência com frescos sabores de frutos silvestres do Douro. Termina longo e muito persistente, com uma agradável sensação de frescura. Elevado potencial de envelhecimento.
 
Quinta do Crasto LBV 2008: Obtido a partir de Vinhas Velhas (mistura de castas). Coloração violeta muito escuro. Impressiona pela fantástica frescura e exuberância aromática, que apresenta distintos aromas de frutos silvestres do Douro, muito bem integrados com elegantes notas de flor de esteva. Início harmonioso, de perfil muito elegante. Estrutura compacta, de volume correto, com taninos redondos. Textura fina e excelente profundidade. Final intenso, elegante, muito fresco e de excelente persistência.
 
Nosso retorno estava programado por volta das 15h. Seria de trem, que passa pontualmente às 15:27 na estação do Ferrão que fica ao lado do cais. Depois de uma curta viagem de 5 minutos, a um custo de 1,50€ por pessoa, o que nos fez achar que foi um mau negócio a ida de barco, exceto pelo visual, desembarcamos na estação do Pinhão com seus azulejos classificados como Patrimônio da Humanidade.
 
 
 
Este dia ainda teria mais uma surpresa, a visita do amigo Maurício Gouveia, sua esposa e filha que vieram de Mirandela e nos levariam até Vila Real. Mas este episódio fica para a última coluna desta série.
 
Nosso próximo destino: Quinta das Carvalhas.
 
Dica da Semana:  qualquer dos vinhos citados seria uma ótima escolha. Optamos por indicar um delicioso branco que foi descoberto numa prova aqui no Rio de Janeiro.
 
 
MC-Maria do Céu Reserva Branco 2012
 
Vinificado com as castas Malvasia, Moscatel Galego e Gouveio.
Apresenta cor amarelo palha, aromas de flor de laranjeira menta, chá de ervas e um leve toque fumado devido à sua fermentação em barricas.
Na boca é um vinho encorpado, fresco e equilibrado, com carácter gastronómico.
 

Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – II

Pinhão é uma freguesia do concelho de Alijó com 3Km2 de área e população em torno de 700 habitantes. Situada na margem direita do rio Douro, no centro da região demarcada do Vinho do Porto, onde estão localizadas várias quintas produtoras. A paisagem do Pinhão está classificada pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade.
 
A chegada, de carro, é cinematográfica. A estrada margeia o lado esquerdo do rio terminando na ponte que cruza o Douro e nos deixa na porta do nosso hotel, o Vintage House.
 
 
 
Depois de acomodados, saímos em busca do almoço. O restaurante do hotel, excelente por sinal, oferecia um menu harmonizado que optamos por experimentar no jantar. Indicaram-nos uma alternativa, o Veladouro, localizado à curta distância. Fomos caminhando pela bonita orla do cais.
 
Não era bem o que esperávamos. Uma casa simples, confortável, especializada em grelhados. Nada de alta gastronomia. Optamos por compartilhar um Bacalhau com Batatas, que estava muito seco e uma Dourada que achei correta, embora o peixe fosse servido inteiro, exigindo um paciente trabalho de remover as espinhas.
 
Melhor estava o vinho. Escolhemos um Pedra Cancela branco, da região do Dão (embora estivéssemos no Douro). Elaborado a partir das castas Encruzado, Cercial e Malvasia Fina recebeu 15 pontos (15/20) do Guia Vinhos de Portugal de João Paulo Martins. Foi um bom acompanhante para este dia de temperatura inesperadamente alta para a época. Mostrou leve notas de feno e vegetais secos no aroma além de fruta madura. Nada de cítricos, o que o torna diferente da média. Boa acidez, fresco e fácil de beber.
 
 
Nosso próximo compromisso seria às 18h quando visitaríamos a Quinta do Seixo (pertence à poderosa SOGRAPE) onde é produzido o Porto Sandeman, uma das marcas mais conhecidas internacionalmente. Fica a 5 minutos de carro.


Sandeman

 

 
Esta foi a única vista não agendada previamente. Assim que chegamos ao nosso hotel solicitamos que nos reservassem um horário. Conseguimos o último disponível neste dia. É uma visita clássica, orientada para o turista curioso e não para um especialista. Mas surpreendeu pela simpatia de nossa guia e pela qualidade de tudo que nos foi apresentado ou servido. Na chegada selecionamos qual tipo de visitação gostaríamos de fazer: os homens optaram pela “Vintage” com uma degustação com 5 vinhos do Porto incluindo o premiado “Vau Vintage” (16€ pax); as esposas preferiram a opção “Clássica” (6€ pax) com degustação de 2 vinhos apenas. O tour é o mesmo para todos.
 
Passamos para uma pequena antessala onde somos recebidos pela nossa simpática guia que vem caracterizada como o “Don”, o cavalheiro que está no logotipo da empresa. Ela explica que se trata de uma dupla homenagem: “O “Sandeman Don” é uma das primeiras imagens de marca criada no mundo e o primeiro grande ícone no mundo dos vinhos. Foi pintado, em 1928, por George Massiot Brown e, com a sua capa negra de estudante de Coimbra e o “sombrero” típico de Jerez, ainda hoje mantém toda a sua mística e atração, representando o mistério e a sensualidade da marca Sandeman”.
 
Esta imagem teria inspirado, entre outros heróis da ficção que usam capas, a do Zorro, alter ego de Don Diego de la Vega.
 
O passeio é interessante e fácil. Passamos pelos lagares onde as uvas são processadas, observamos um recorte do subsolo, a cave de envelhecimento, assistimos a um rápido filme institucional e fomos conduzidos para o conjunto sala de degustação e loja. A imagens falam por si.
 
 
Apesar de pouco técnica, foi uma bela introdução ao mundo das vinícolas do Douro. Os vinhos provados estavam ótimos.

Para encerrar este primeiro e movimentado dia, depois de alguns momentos de descanso, provamos o jantar harmonizado com os bons vinhos da Quinta da Pedra Alta, no luxuoso restaurante Rabelo. Um cardápio de 4 etapas.

1º passo:

Melão com presunto e geleia vermelha
Porto Branco Seco Reserva

 
Interessante combinação (a foto do prato se perdeu). O vinho do Porto está em fase de modernização numa tentativa de reaquecer o seu consumo que, hoje, está restrito a grandes comemorações e pessoas idosas. Jovens não se interessam. Este branco, consumido gelado, é uma das opções para conquistar novos apreciadores.


2º passo:

Massa folhada recheada com Alheira e Pasta de Azeitonas
Quinta da Pedra Alta Branco Reserva 2011

 
Elaborado com as castas Malvasia Fina, Rabigato e Gouveio, se mostrou equilibrado e agradável de beber. Ótima combinação com o sabor marcante das Alheiras, um embutido condimentado produzido a partir de carne de aves.


3º passo:

Pato Mudo – corte da ave caramelizado acompanhado de Purê de Batata
Quinta da Pedra Alta DOC Douro (15,5/20)

 
Um corte de Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Tinta Barroca com agradável acidez e taninos finos. Boa presença de frutas maduras que harmonizaram delicadamente com o toque de caramelo da ave. Aprovado!


4º passo:

Maçã Assada, Sorvete de Creme e Frutas Vermelhas
Porto LBV Quinta da Pedra Alta

 
Harmonização clássica que encerou esta boa refeição.

Nossa próxima etapa: Quinta do Crasto.

Dica da Semana:  um porto branco para inovar os drinques de verão: Portonic e Caipiporto.

Porto Cálem Velhotes Fine White

Portonic – Num copo alto com gelo sirva 1 dose de Porto Branco Seco e complete com água tônica bem gelada. Decore com uma rodela de limão.

Caipiporto – num copo baixo coloque 4 gomos de Lima da Pérsia, gelo picado e açúcar a gosto. Esmague até obter um bom sumo. Cubra com generosa dose de Porto Branco seco.

Viagem Enogastronômica à Espanha e Portugal – I

Mais uma grande aventura, desta vez em terras do Velho Mundo. O principal objetivo era conhecer a região do Douro, Portugal, onde é produzido o famoso vinho do Porto e também alguns dos melhores vinhos de alta gama deste tradicional país produtor. Aproveitamos a oportunidade para experimentar a sempre sofisticada gastronomia espanhola e alguns de seus vinhos icônicos.
 
Nosso roteiro começou por Madrid onde ficamos um par de dias. Depois, a bordo de um confortável automóvel, passeamos por Ávila, Salamanca, Pinhão, Vila Real, Peso da Régua, Porto, Óbidos, Sintra e Lisboa. Foram 10 dias e muito chão. Visitamos algumas Quintas no Alto Douro onde conhecemos pessoas encantadoras, restaurantes deliciosos e vinhos espetaculares.
 
Ao contrário de outros relatos das nossas viagens, este será mais focado no aspecto enogastronômico. Começamos pela nossa estadia em Madrid.
 
O Restaurante Estay
 
 
Com um estilo que se intitula “Pinchos & Vinos” procura unir a ideia das Tapas, pequenos bocados, com alta gastronomia. Um ambiente muito acolhedor e confortável com um cardápio para se pedir todas as opções e passar longas horas desfrutando boa comida e bons vinhos.
 
 
Para acompanhar a diversidade de pequenas porções escolhidas (Queso puro de Oveja, Jamón Bellota, Crepe de Txangurro, etc.) selecionamos uma ótima Cava, a Juve y Camps Rose Brut de Pinot Noir, que harmonizou corretamente.
 
Este produtor já recebeu diversos prêmios por suas Cavas, talvez as melhores do país. A ilustração a seguir mostra as medalhas ou notas deste espumante.
 
 
Na nossa segunda e última noite na capital espanhola fomos nos divertir na tradicional Bodega de La Ardosa, uma casa fundada em 1892. Um ambiente que nos leva de volta no tempo. Oferece um cardápio das mais tradicionais tapas e uma seleção de bebidas que passeiam desde a boa cerveja até um vermute tirado diretamente do barril, como se fosse o nosso Chopp.
 
 
Na manhã seguinte partimos para Salamanca.
 
Bar Tapas 2.0, Salamanca
 
Este foi o local escolhido para o almoço na chegada a esta cidade universitária, cheia de história. Muito interessante ser chamado de “Gastrotasca”, praticamente um bar de rua, sem nenhuma pretensão. Mas tudo que nos foi servido estava delicioso. Para acompanhar um grande vinho: Predicador!
 
 
Elaborado por Benjamin Romeo, autor do consagrado Contador (100 pts Parker), este vinho, embora jovem (2012) já mostrava excelentes qualidades. Um corte de 94% de Tempranillo e 6% de Garnacha, que estagiou por 15 meses em barricas de carvalho francês de 1º uso.
 
O nome é uma homenagem ao eterno personagem de Clint Eastwood, “The Preacher”, reparem no chapéu do rótulo. Excelente vinho.
 
Restaurante El Monje, Salamanca
 
Para a despedida, jantamos num dos melhores da cidade. Ambiente elegantíssimo, comida refinada e uma carta de vinhos que nos deixou cheio de dúvidas sobre qual escolher. Decidimos pelo Abadia Retuerta Selecion Especial 2009, um clássico da região de Castilla e Leon (Sardon del Duero). A safra de 2001 foi considerada a melhor do mundo no International Wine Challenge de 2005. Um delicioso e complexo corte de 75% Tempranillo, 15% Cabernet Sauvignon e 10% Syrah que estagiou por 16 meses em barricas de carvalho francês e americano.
 
 
Plagiando o lema da vinícola: “um trabalho bem feito”. Ficou perfeito com os pratos pedidos, inclusive com o meu polvo, acreditem.
 
 
Próxima parada: Pinhão, no coração do Douro, Portugal.
 
Dica da Semana:  o irmão menor do melhor vinho degustado na Espanha.
 
Abadia Retuerta Rívola 2009
60% Tempranillo, 40% Cabernet Sauvignon
Cor cereja intenso, lágrima densa e transparente.
No nariz, se mostra apurado, com aromas complexos: morango, café, alcaçuz, pimenta negra, cacau.
Na boca, é redondo, frutado muita fruta roxa, barrica, caramelo e toque mineral.
Robert Parker: 88 pontos
 
 
 

Ícones Espanhóis – I

Vamos iniciar uma pequena série e reparar uma injustiça: comentamos muito pouco sobre os vinhos da Espanha. Em 2013, este país ibérico se tornou o maior produtor de vinhos do planeta com um impressionante volume de 50 milhões de hectolitros. É muito vinho!
 
Por razões históricas preferimos os vinhos de Portugal, mas fora isto não existe motivo para relegar a Espanha a uma nota de pé de página. Algumas castas são comuns em toda a Península Ibérica como a emblemática Tempranillo que recebe outros nomes na terrinha: Aragonez e Tinta Roriz. Há outros exemplos.
 
Na terra das touradas, boa gastronomia e de um futebol muito competitivo (foram prematuramente eliminados na copa de 2014) são produzidos alguns dos melhores vinhos do mundo. Em 2011 apresentamos o Vega Sicilia (http://oboletimdovinho.blogspot.com.br/2011/11/um-icone-espanhol.html), mas ele não é o único “monstro sagrado” de lá. Vamos conhecer alguns outros.
 
1 – Pingus
 
Talvez seja o vinho mais procurado da Espanha e não é fácil encontra-lo: artigo raro. O Domínio de Pingus é uma minúscula vinícola, localizada na Ribera del Duero. Conta com 5 hectares de vinhedos, 100% Tempranillo, com idade média de 65 anos. O método de produção, que segue os princípios orgânicos e biodinâmicos, é totalmente artesanal. Utilizam um prensa rudimentar e a fermentação é feita em grandes dornas de madeira: o vinho é meio que deixado por conta própria. Para o amadurecimento são utilizadas poucas barricas novas de carvalho, onde o vinho passa por fermentação malolática. Só é engarrafado após 20 meses de repouso, sem filtração ou clarificação. São produzidas apenas 500 caixas por ano. A primeira vinificação foi em 1995, conseguindo notas altíssimas de vários críticos, inclusive Parker, que lhe atribuiu 100 pontos sem maiores delongas, afirmando ser um dos vinhos mais espetaculares que provou.
 
 
Por trás deste sucesso encontra-se o enólogo e proprietário Peter Sisseck, um dinamarquês que trabalhou e aprendeu suas técnicas em diversos grandes produtores. Pingus era seu apelido de infância.
 
 
Dois outros vinhos são produzidos por ele, o Flor de Pingus, também 100% Tempranillo, considerado como o segundo vinho da empresa, obtido a partir de vinhedos de outros produtores. Desde 2003, elabora, também, o limitadíssimo Ribera del Duero Amelia, a partir de vinhas com 100 anos ou mais. Em parceria com outros produtores da região colabora no vinificação do PSI, outro interessante projeto.
 
Por ser um vinho caro e quase é necessário ser “amigo do rei” para colocar a mão numa destas míticas garrafas do Pingus, mesmo que tenhamos os recursos disponíveis: o preço médio, nos EUA, ultrapassa os 1.000 dólares podendo chegar a cinco vezes este valor, dependo da safra.
 
Para os mais aventureiros há uma curiosa forma de conseguir um: em 1997 um navio, que transportava 75 caixas desta preciosidade para os Estados Unidos, naufragou no meio do Atlântico Norte.
 
Já encontram até o Titanic, então…
 
Dica da Semana: outro bom Tempranillo espanhol com preços para os pobres mortais…
 
Senda 66 – 2011 – $
Cor púrpura, com aromas de amora e carvalho. No palato é médio encorpado, acidez moderada, taninos médios, intensidade de moderada a alta. Destacam-se notas de café, cereja preta e creme de cassis. Final de médio a longo.
RP 88 pts
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