Categoria: O mundo dos vinhos (Page 35 of 82)

Termos vínicos portugueses

Mario Prata publicou em 1994 um divertido livro, “Schifaizfavoire – Dicionário de Português”, onde ressalta as diferenças linguísticas entre o idioma português falado no Brasil e o falado na Europa. Viveu cerca de dois anos em Portugal onde passou por diversas situações que deixariam qualquer um confuso. “Premir o autoclismo” é apenas uma delas. Há passagens impagáveis.

Da mesma forma, um grande amigo e colaborador eventual destas páginas, Ronald Sharp Jr., passou por alguns apertos durante seu recente passeio pela terrinha, onde teve oportunidade de visitar algumas ótimas vinícolas e conversar com diversos vinhateiros.

“Este vinho tem alguma frescura e é pouco taninoso”.

Não é difícil entender a frase acima, mas soa estranha em nossos ouvidos. Ronald elaborou um pequeno glossário com o que aprendeu neste passeio. Aqui está ele, com alguns comentários nossos:

Adega = Cantina, termo brasileiro para o local onde os vinhos são elaborados;

Cave = Adega, no nosso país. O local onde guardamos os vinhos. Lá preferem o galicismo;

Copo = é a nossa taça de vinho. Cuidado! Taça, por lá, é a nossa xícara;

Frapé = Balde de gelo para resfriar o vinho. Mudando o acento temos Frapê, que é uma bebida com gelo picado, uma granita;

Frescura = Frescor, característica de vinhos com boa acidez que nos passam esta sensação. Atenção: fresco significa gelado. Não estranhe, portanto, “água fresca”;

Taninoso = Tânico. Vinhos que passam a sensação de adstringência.

Libertação (dos aromas) = Liberação;

Película = Casca da uva;

Grainha = Semente

Aguardentação = Adição de aguardente vínico, na elaboração de vinhos generosos. O Porto é um deles.

Gostei tanto que, não só, resolvi escrever sobre o tema como fiz algumas pesquisas e encontrei mais diferenças curiosas.

Aqui estão mais algumas delas, em ordem aleatória. Passear em Portugal vai ficar mais fácil…

Escanção = é o nosso Sommelier. Para entender as origens de ambos os termos é só ler está antiga publicação – “Sommelier, Escanção”;

Maridagem = o mesmo que harmonização, que também é usado lá;

Colheita = Safra.

Garrafeira = tem vários significados. Pode ser um vinho reserva, tinto ou branco, que atende a determinada norma de elaboração; uma loja especializada em vinhos; local de guarda dos vinhos em nossas casas (adega);

Tambor = barrica;

Vinha = vinhedo;

Abafado = vinho que recebeu uma aguardentação para interromper a fermentação;

Adamado = o equivalente a classificação “meio-seco” (máximo de 45g de açúcar por litro);

Agulha ou Pico = Sensação efervescente comum em alguns vinhos como os vinhos verdes e os espumantes;

Perlante = Vinho com agulha.

Capitoso = vinho com elevado teor alcoólico

Escolha = Classificação prevista na lei, reservada a vinhos com Denominação de Origem e Indicação Geográfica, que apresentem características organolépticas destacadas.

Não esgotamos o assunto, há muito mais termos pouco usuais para os brasileiros.

Saúde e bons vinhos!

Foto de Jimmy Chan no Pexels

Ucrânia: Vinhateiros unidos jamais serão vencidos

A foto, obtida no site Wines of Ukraine, mostra a vinícola Chateau Chizay, em Boregovo. Embora a produção vinícola ucraniana não seja tão conhecida como a de outros países, existe uma tradição que ficou escondida por muito tempo e só foi renascer depois do fim do regime totalitário da antiga União Soviética.

Há registros de produção vinícola desde o século IV a.C, na região da Crimeia, hoje separada da Ucrânia. A maior região produtora atual, Odessa, conta com 52.000ha de vinhedos. Somem-se as regiões de Kherson, Mykolaiv e Transcarpathia. Ao todo são mais de cinquenta vinícolas que vinificam desde tradicionais castas europeias como Cabernet Sauvignon, Chardonnay e Riesling, até as autóctones Telti Kuyruk, Odessa Negra e a branca Sukhyi Liman. Ao todo são 180 diferentes castas em produção.

Mas…

Tudo pode ser perdido neste insano momento em que uma inexplicável guerra pode colocar um triste fim nesta bonita história.

Vinhateiros ucranianos ainda não “engoliram” a separação da Crimeia, originalmente sua maior área de produção. A principal vinícola, Massandra, teve o seu diretor demitido e outro foi colocado para ser um capacho dos russos. O grande temor por trás disto tudo é ter que voltar a produzir ridículos vinhos adocicados em larga escala.

Os produtores ucranianos organizaram um movimento aberto de resistência e não pretendem vender barato um eventual derrota. Já se ofereceram para pegar em armas, inclusive.

Isto tudo nos leva a uma extensa reflexão sobre a palavra “democracia” e suas diversa interpretações mundo afora. Etimologicamente, significa o exercício do poder pelo povo ou por seus representantes eleitos. Apesar desta clareza, muitos ditos “representantes do povo” se esmeram em distorcer esses conceitos, moldando-os de modo que justifiquem suas mais desprezíveis ideias.

Esta ocupação russa da Ucrânia é, apenas, mais uma delas. Toda forma de resistência por parte dos vinhateiros, ou de quaisquer outros grupos será sempre apoiada por nós.

A democracia moderna está apoiada em alguns firmes pilares:

– A garantia da liberdade individual;

– A liberdade de opinião e expressão;

– A liberdade de eleger seus representantes, independente do regime político (presidencialista, parlamentarista, etc.);

– A igualdade de condições, direitos políticos e oportunidades favoráveis entre os indivíduos;

No entanto, estamos cansados de ver atentados diários a qualquer destes pilares, em várias “democracias” do mundo, inclusive no nosso país.

Vinho, no Brasil, ainda é visto como um item elitista, restrito aos mais favorecidos, não só financeiramente, mas, sobretudo, culturalmente. Para apreciar um bom vinho é preciso entendê-lo desde as suas origens. É uma viagem cultural acima de tudo.

Há gente que ainda acredita em mitos e nem foram capazes de abrir um bom dicionário e procurar uma definição. Eis alguns sinônimos que podem ajudar: alegoria, crença, fantasia, história, legenda, lenda, metáfora, mitologia, narrativa, quimera, utopia.

Apenas 1 comentário: zero, pelo conjunto da “obra” …

Saúde e bons vinhos, enquanto podemos…

PS: existem alguns vinhos ucranianos à venda no Brasil. Uma pesquisa no seu mecanismo de busca predileto pode revelar alguns achados. Infelizmente a maioria está indisponível. Creio que uma reposição, por enquanto, está fora de cogitação.

“Enfrentando” uma carta de vinhos

Este é um dos mais belos ritos de passagem para quem se insere no mundo dos vinhos. Um momento esperado e ao mesmo tempo temido até por Enófilos experientes: selecionar um vinho no restaurante.

Há vários caminhos a serem considerados nesse momento: os preços, o tipo de comida que será servida, a variedade de opções e muito mais. O que vai estar em jogo, definitivamente, é a reputação de bom conhecedor de assuntos enológicos. E isto não é pouco.

O preço costuma ser um fator dominante, principalmente por estas bandas onde os impostos sobre vinhos importados são altíssimos. Some-se a isto, a necessidade de lucro de alguns restaurantes que não hesitam em colocar sobrepreços abusivos. Honestamente, seria melhor, para estes, não gastar o seu capital em vinhos, mas aplicá-lo na Bolsa…

A nossa defesa é um movimento clássico: o vinho mais barato ou o segundo mais barato e pronto. Nem sempre é o ideal.

Numa boa casa, a carta de vinhos chega pelas mãos de um Sommelier. Uma conversa franca com ele pode ajudar muito. Perguntar sobre vinhos em promoção é o primeiro caminho. Estoques têm que ser renovados e, por esta razão, alguns vinhos que ficaram meio esquecidos nas adegas são oferecidos, fora da carta, a preços convidativos.

Outro aspecto a ser conversado com o Sommelier é estabelecer um limite de preço: pretendo gastar até esta quantia no vinho, o que você tem a oferecer?

Se nenhum destes aspectos é significativo, podemos usar esta situação para aprimorar nossos conhecimentos. Que tal buscar por um vinho que ainda não conhecemos?

Cartas bem elaboradas trazem descrições confiáveis sobre cada rótulo oferecido. Com isto em mente, é a hora certa para provar um vinho de origem pouco comum ou mesmo de pequenos produtores que nunca chegam nas prateleiras de mercados ou lojas especializadas. Rótulos de produção orgânica, biodinâmica e outros desta mesma linha, estão cada vez mais presentes nestas listagens.

Não é difícil encontrar uma destas preciosidades, mas é preciso dedicar algum tempo e atenção na leitura da carta. O ideal é explorar da primeira até a última página. Surgiram dúvidas? O Sommelier está ali para isto.

Uma última ferramenta, que quase todos nós carregamos no bolso, o celular tipo smartphone, pode ser outra boa fonte de informação. Aqui vai uma regrinha básica: antes de escolher um vinho, perguntem se há uma rede “wi-fi” disponível. Acessem e peçam ajuda a aplicativos como Vivino, Cellar Tracker, Google ou outro mecanismo de pesquisa.

Recentemente esbarramos com um vinho esloveno elaborado com a casta “Sivi Pinot”. Obviamente, quem elaborou a carta apenas reproduziu o conteúdo do contrarrótulo e não se preocupou com maiores esclarecimentos. Uma rápida consulta a um mecanismo de busca logo esclareceu: Pinot Gris.

Saúde e bons vinhos!

Foto: de Georgia Pictures no Pixabay

Prêmio Vin de France – VDF

VDF ou Vin de France é uma denominação francesa, estabelecida em 2009. Basicamente substituiu a antiga Vin de Table (vinho de mesa) e passou a atender às normas da Comunidade Europeia. Além desta, continuam existindo a famosa AOC (Appellacion d’origine controlée) e a VDP (Vin de pays).

Com o intuito de divulgar estes vinhos a Anivin de France, associação que regula a comercialização dos vinhos tranquilos sob a denominação VDF, promove, anualmente, uma degustação de seus produtos, convidando avaliadores de todo o mundo. Nesta última edição, um deles era brasileiro.

Uma das características mais interessantes destes vinhos é o grau de liberdade criativa permitido nas normas. A regionalização é posta de lado e os vinhateiros podem usar uvas de qualquer parte do país. Vinhos varietais são bem-vindos e as castas estão declaradas nos rótulos. O resultado são vinhos deliciosos e com preços convidativos.

O movimento é um sucesso e um dos lemas mais simpáticos deste grupo pega carona na revolução francesa: Liberté, Egalité, Fraternité se torna Liberté, Qualité, Criativité.

O resultado da prova de 2022 foi considerado excepcional. 133 vinhos foram selecionados com Embaixadores: 64 medalhistas de ouro e 69 de prata. Muitos deles vão aparecer no nosso mercado, ostentando um dos selinhos que ilustram a abertura deste texto. Podem comprar, sem medo.

Na foto, a seguir, é possível ver alguns dos ganhadores e seus rótulos indicando as castas.

A relação completa dos vencedores está neste link, em inglês.

https://www.vindefrance.com/wines/contest-medals

Saúde e bons vinhos!

Explicando vinhos do velho e do novo mundo

Um evento, que tinha por finalidade apenas apresentar alguns vinhos norte americanos para o consumidor europeu, acabou se tornando um marco histórico, afinal, ninguém poderia imaginar que um painel de especialistas, daquela época, 1976, escolhessem desconhecidos rótulos como superiores a tradicionalíssimos e consagrados rótulos franceses.

O Julgamento de Paris foi quase um escândalo!

A partir disso, a utilização das expressões “vinho do Velho Mundo” e sua análoga, “vinho do Novo Mundo”, passaram a ser empregadas para marcar diferenças de estilo, principalmente. O estilo Napa Valley, com um frutado bem característico, quase sempre calcado numa única casta, encorpados, mais alcoólicos e, talvez o mais significativo, muito mais em conta que seus similares europeus. Nas entrelinhas, um “novo mundo” era uma espécie de senha para “vinho barato e de pouca qualidade”.

O Velho Mundo nunca gostou de concorrentes…

O que começou com vinhos dos EUA se tornou um grande negócio mundial e o “Novo Mundo” expandiu para outros países. Chile, Argentina, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e alguns outros, produzem vinhos respeitáveis e apreciados nos quatro cantos de nosso planeta.

Todos são vinhos e se olharmos para este fato por um ângulo diferente, vamos descobrir que esta divisão é bem injusta, principalmente agora que novas pesquisas arqueológicas datam as primeiras vinificações a cerca de 8.000 anos atrás, na Georgia. Velho Mundo é pouco…

Outro fato a ser ponderado nos leva aos tempos dos grandes descobrimentos e o papel da Igreja, que seria fundamental como base de toda a indústria do vinho nos países novos. Missionários levaram as primeiras mudas e produziram os primeiros vinhos que eram utilizados nas cerimônias religiosas. Algumas destas espécies, na América do Sul e EUA, ainda são usadas para produzir alguns dos vinhos mais inovadores do momento.

Talvez seria mais justo usar “vinhos tradicionais” e “vinhos modernos” como alternativa. Ainda assim não estaríamos sendo totalmente corretos. O que realmente diferencia os dois estilos de vinhos é a famosa definição de Terroir: o clima ou microclimas, as temperaturas de cultivo, os diferentes tipo de solo, mas não só isso. Importante, também, são as regras, as normas de elaboração, menos rígidas, que concedem maior liberdade aos vinhateiros.

O velho ou mundo tradicional sentiu o impacto e está reagindo.

Tendo como pano de fundo as mudanças climáticas, novas castas estão sendo aceitas nas principais regiões produtoras da Europa. Da mesma forma, alguns produtores começam a se aproximar do estilo dito “Novo Mundo”, em busca de melhores resultados comerciais.

Curiosamente, os produtores fora do circuito tradicional, também estudam mudanças em seus estilos, desta vez em busca de soluções que são inspiradas nos velhos vinhos de corte.

Não há mais uma clara e precisa linha divisória entre produtores de qualquer continente. Novos players surgem ou ressurgem a todo instante. Países que ficaram muitos anos escondidos sob regimes totalitários, como a Eslovênia, a Croácia ou a própria Georgia, agora têm luz própria e vinhos maravilhosos.

É só procurar e provar.

Saúde e bons vinhos!

Foto: Mapa vetor criado por channarongsds em Freepik

« Older posts Newer posts »

© 2025 O Boletim do Vinho

Theme by Anders NorenUp ↑