Categoria: O mundo dos vinhos (Page 17 of 72)

Vinhas velhas

Vinhateiros nunca tiveram vida fácil: a concorrência é enorme, a variedade de uvas se aproxima de números astronômicos e a cada dia novas técnicas de vinificação são usadas. Isto sem falar na reedição de processos ancestrais, como as talhas, ânforas, kvevris e assemelhados. Tudo para deixar os consumidores sempre ligados nas próximas novidades.

Tradicionalmente, os vinhos eram elaborados a partir de uma mistura de diferentes uvas, um corte ou blend, como são classificados hoje. Coube, basicamente, aos produtores do Novo Mundo, insistirem nos vinhos varietais ou monocastas, o que nem sempre é uma verdade absoluta: dependendo da legislação local, um pequeno percentual de uma outra vinificação pode ser adicionado, sem ser declarado no rótulo.

Seguindo nesta linha, uma das recentes inovações foram os vinhos de vinhedos únicos ou de parcela única. São vinhos obtidos com uma matéria prima especial, ou diferenciada, a critério de seus produtores.

Não é nenhum mistério que, dentro de uma mesma área plantada, algumas regiões produzem frutos melhores do que outras. Há algumas explicações para este aparente fenômeno: os solos não são exatamente homogêneos; a insolação pode variar bastante dependendo da orientação do vinhedo; as mudas plantadas não são 100% iguais (diferentes clones), etc.

Outra situação que acentua estas diferenças, acontece quando há parreiras de diferentes idades num mesmo vinhedo. Existem, também, em diferentes países, vinhedos muito antigos. Em geral, esquecidos ou abandonados. Mas, em determinado momento, são recuperados mostrando uma qualidade, até então, insuspeita.

Um ditado popular diz que a idade é sinônimo de sabedoria. Se transplantarmos esta ideia para as velhas parreiras que existem ao redor do mundo, seriam elas as que produziriam os mais nobres vinhos. Para muitos produtores, isto tornou uma verdade que podemos identificar nos rótulos de alguns de seus vinhos, onde está escrito: Vinha Velhas, Old Vines, Vielle Vignes, Alte Reben, Antico Vitigno ou Viñas Viejas, entre outras opções. São vinhos especiais.

O paralelo com a vida de uma pessoa pode explicar um pouco mais. Assim como nós, quando jovens, as videiras são muito produtivas, gerando muitos cachos e frutos. Mas a qualidade nem sempre é a desejada. Quem cuida de vinhedos usa técnicas específicas para obter a o melhor resultado de uma videira nova. Já uma velha parreira, desde que tenha sido bem tratada, produz poucos cachos que nos dão frutos próximos da perfeição. Tudo que sonha um bom enólogo,

Não há um consenso sobre quando um vinhedo ou parte dele pode ser classificado como velho. Alguns produtores adotam 10 anos, outros preferem 25 anos e poucos trabalham com 50 anos ou mais.

E há quem preferira erradicar estes vinhedos de baixa produção, substituindo-os por videiras mais produtivas.

Este é um primeiro alerta: não existe mágica. Um verdadeiro “Old Vines” custa caro simplesmente porque as vinhas velhas ainda existem e produzem, pouco. Isto tem um preço.

Parreiras “velhas” é um bom sinal, mas não é determinante na produção de um vinho fora do comum. Há muitos outros fatores envolvidos que começam com o tipo da casta, passam pelas regiões onde estão plantadas e terminam nas cantinas e nos métodos de elaboração. Um bom exemplo é a casta País (Chile), muito comum nas Américas, onde recebe diferentes denominações como Criolla (Argentina) ou Mission (EUA). Podem ainda estar plantadas em pé franco, sem enxertos, o que é considerado uma raridade. Até poucos anos atrás ela estava esquecida. Agora, produz alguns rótulos muito interessantes.

O Chile é um campeão neste quesito. Os Andes protegeram seus vinhedos da Filoxera, uma terrível praga, que dizimou vinhedos em todo o mundo. Outro país que teve uma região muito protegida foi Portugal e os vinhedos de Colares, plantados em areia.

Outras castas que produzem excelentes Vinhas Velhas são a Cabernet Sauvignon, uma das uvas mais plantadas, Merlot, Pinot Noir, Malbec, Carignan e Zinfandel entre as tintas; Chenin Blanc (África do Sul) e Semillon (Argentina) são as brancas mais comuns em vinhedos antigos.

Quem já provou um bom vinho destes descobriu sabores intensos e marcantes com ótima permanência. São diferentes dos vinhos jovens e fáceis de degustar: não é para qualquer paladar! Há que ter alguma sabedoria para escolher, deixar maturar no ponto certo e apreciar.

Os “velhos” sabem como fazê-lo …

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de Tucker Monticelli na Unsplash

Qual branco abrir?

As respostas mais simples a esta questão seriam na linha de “qualquer um” ou “o que estiver mais gelado”. Nenhuma delas, entretanto, pode ser a melhor escolha na hora de fazer esta, aparente, simples harmonização.

Parafraseando Hamlet, em uma de suas várias traduções e adaptações: “Há mais vinhos entre o Céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.

Um dos primeiros mitos que enófilos iniciantes aprendem é a conhecida regrinha de harmonizar alimentos de acordo com a sua cor. Em linhas gerais, cores escuras combinam com vinhos tintos e, vice-versa, cores claras com vinhos brancos.

O problema com esta regrinha é que existem muitos tipos de alimentos e de vinhos e estas combinações nem sempre estarão corretas. Por exemplo, podemos harmonizar peixes com vinhos rosados, laranjas e até com alguns tintos leves. E ainda nem falamos dos diferentes estilos de vinhos: tranquilos, espumantes, doces e generosos…

Vários fatores vão influir nesta escolha, como o teor de gordura do alimento, modo de preparo e o tipo de frutos do mar: peixe de rio, de mar, crustáceos, moluscos, etc.

Quanto ao vinho, a quantidade de variáveis que devem ser levadas em consideração são: castas, safra, amadurecimento, origem, estilo e temperatura de serviço.

Duas castas brancas são quase uma unanimidade quando se pensa neste tipo de combinação, Chardonnay e Sauvignon Blanc. Há uma boa razão para isto: são vinhos com características bem equilibradas, pouco aromáticos, com boa acidez. Casam bem com os molhos mais cítricos e amanteigados. Castas mais aromáticas tendem a se sobrepor ao delicado paladar de um peixe. Vinhos madeirados devem ser evitados, honrosa exceção para os Chardonnay de estilo californiano.

Vinho Verde (Alvarinho, Loureiro), Pinot Grigio, se for um peixe muito delicado, Verdicchio, cortes com Semillon, Viognier ou Chenin podem ser muito interessantes.

Para a origem do vinho, as regiões costeiras e as de grande altitude seriam as melhores opções. A ideia é ter brancos frescos, com boa acidez e corpo mediano. Vinhos de clima frio.

Vinhos jovens são mais indicados. Deixem o maturados para algumas ocasiões muito específicas, por exemplo, peixes defumados ou muito condimentados.

Importante observar o teor alcoólico, busquem os mais baixos, na faixa de 12% ou um pouco mais. Vinhos com muito álcool são mais pesados no paladar desequilibrando a combinação com a leveza dos frutos do mar.

Um último fator a ser observado é a temperatura de serviço: devem estar frios, mas não estupidamente gelados. É preferível manter a garrafa num balde com gelo e água, procurando manter uma temperatura constante.

Algumas combinações curiosas:

Atum fresco: grelhado ou com molho leve vai bem com um Pinot Noir ao estilo do Novo Mundo. Cru, como na culinária oriental, combina com branco levemente adocicado, um Riesling Kabinett ou Spatlese, se o molho for doce;

Bacalhau: tudo vai depender da preparação. Brancos marcantes e com passagem por madeira e tintos leves;

Sardinha, Anchova: tinto portugueses da região do Minho levemente refrescados (Vinhão, Espadeiro, Alvarelhão). Para uma harmonização fora do comum, experimentem um Jerez seco tipo Manzanilla.

Com algumas analogias, podemos usar estas mesmas ideias para harmonizar carnes vermelhas com vinhos tintos.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS: Imagem de abertura por Freepik

Vinificação redutiva e aromas redutivos

De forma análoga ao texto que antecede este, temos, novamente, uma qualidade e um defeito. Alguns especialistas afirmam que esta situação é o oposto de vinhos oxidativos e vinhos oxidados.

Em parte, têm razão.

Vinificação redutiva, ou reduzida, como preferem alguns, é uma forma de elaboração que evita, de todas as formas possíveis, o contato com o oxigênio.

Já “aromas redutivos” são aqueles estranhos cheiros que nos remetem a ovos estragados, borracha, fósforo queimado e alguns outros que preferimos não mencionar. Surgem por falta de oxigênio, permitindo que composto derivados do enxofre se desenvolvam.

Já aprendemos sobre a importância da exposição do mosto ao oxigênio. Se for muita, o vinho oxida, se for pouca, o vinho fica reduzido. Ambos os casos são considerados como defeitos.

Na vinificação tradicional, a fase mais importante do processo, a fermentação, é feita em aberto. Denominamos como oxidativa. Uma alternativa é que esta fase seja feita em um tanque hermético que pode, em situações extremas, receber uma carga de gás inerte, como o Argônio.

O vinho resultante, neste caso, é muito aromático, frutado e com uma bela cor. Vale para tintos e brancos. Mas há um limite: as leveduras que fermentam o mosto precisam de uma quantidade de oxigênio para se desenvolverem corretamente e fazerem sua “mágica”.

Mesmo depois de pronto, há que engarrafar, sob as mesmas condições – quase nenhum contato com o ar. Não é uma tarefa fácil e as armadilhas estão por todos os lados.

Qualquer falha e os compostos sulfurosos e os mercaptanos aparecem. Um vinho sempre vai necessitar de uma quantidade específica de oxigênio para ficar pronto, para polimerizar, no jargão dos especialistas. Algumas castas são mais susceptíveis aos métodos redutivos, como a Syrah, a Chardonnay e a Sauvignon Blanc.

São vinhos frescos, aromáticos e fáceis de beber. Mas não são vinhos de guarda. São produzidos para serem degustados ainda jovens.

Não existem vinhos redutivos icônicos, como alguns dos vinhos oxidativos citados no outro artigo. Entretanto, os aromas e notas redutivas são bastante comuns na gama de vinhos orgânicos e naturais. Decorrem do processo específico de vinificação que utilizam leveduras indígenas e nenhum sulfito como conservante.

Neste caso, não chega a ser um defeito. Basta uma boa aeração ou decantação para que estes incomuns aromas se dissipem.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de abertura por Florian Berger para Pixabay

Vinhos oxidativos e vinhos oxidados

Uma qualidade e um defeito, ambos relacionados com a presença de oxigênio durante o processo de vinificação.

Os vinhos oxidativos são deliberadamente expostos ao oxigênio em busca de um resultado diferente do que se obtém nos processos convencionais. Já um vinho oxidado é um vinho que estragou por superexposição ao oxigênio, seja por defeito em alguma etapa do processo ou mesmo depois de engarrafado, por exemplo, por culpa de uma rolha de má qualidade.

Alguns vinhos oxidativos são famosos e muito especiais: Madeira, Jerez e o “Vin Jaune” da região do Jura, na França.

Cada um destes vinhos, embora pertencentes a uma mesma categoria, usam diferentes técnicas para atingir seus estilos peculiares: aromas mais intensos, paladar marcante, cor mais escura e opaca, notas de maçãs muito maduras, avelãs e uva passa.

A elaboração tradicional do vinho Madeira pode parecer um ato de loucura para os menos avisados: os barriletes contendo o precioso líquido são deixados ao efeito de sol e chuva. As vinícolas mais modernas adotaram um sistema de estufas, onde tudo é controlado para obter o mesmo efeito. Para saber um pouco mais, cliquem aqui: Madeira

O Jerez é elaborado segundo um sofisticado sistema denominado Solera. Vejam, na foto a seguir, a estrutura que está ao fundo:

O vinho mais novo é depositado no barrilete mais alto enquanto o vinho considerado pronto é retirado da parte mais baixa. Cada barrica destas está parcialmente cheia e protegida por um “veu” que vai controlar a oxidação da bebida na medida certa. Saibam mais clicando aqui: Jerez

O “Vin Jaune”, do Jura, que podemos traduzir como “vinho amarelado”, também passa por um período de oxidação controlada: as barricas de amadurecimento não são completadas ao longo do período de seis anos, permitindo, como no Jerez, a formação de um “véu”. Tipicamente são perdidos cerca de 40% do volume neste estágio, o “angels share” ou a parte dos anjos.

Existem outros vinhos oxidativos. Um que está sendo revivido, com muito sucesso é o “vinho de talha”. Se a fermentação for “aberta” o resultado é oxidativo. O mais famoso vinho doce, da Itália, o “Vin Santo” também se inclui neste estilo.

Quando outros fatores entram em ação e ocorre uma exagerada de exposição ao oxigênio temos um vinho oxidado, estragado, impróprio para o consumo. Lado a lado ambos têm aparência semelhante, mas no aroma e paladar são diametralmente opostos.

A oxidação é irreversível, este vinho não serve para mais nada. Entretanto, alguns poucos especialistas acreditam num mito: colocar uma moeda de cobre, extremamente limpa, no fundo da taça e verter o líquido. Agitar suavemente até os aromas desagradáveis desaparecerem…

Há uma explicação, o cobre reagiria com os compostos sulfurosos decorrentes da oxidação, mascarando os aromas (eu não arriscaria).

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto de abertura por Andrew Ian Halloway no Pixabay

Solera por Derek Law

Descomplicando a nossa relação com o vinho

As novas gerações, denominadas “do milênio” e “z”, não bebem vinho regularmente por acharem que é uma bebida muito formal, complicada. Preferem usá-lo para uma celebração especial, optando por caras garrafas. Com isto, o mercado dos vinhos do dia a dia está perdendo força.

Desde sua origem, o vinho nunca foi uma bebida, digamos, difícil. Talvez cercada de algumas lendas e mistérios. Para dar uma boa embasada neste raciocínio, vamos lembrar que as primeiras vinificações ocorreram milênios atrás, na era que chamamos de “antes de Cristo”. Muito depois, coube a Igreja associar a cor da nossa bebida ao sangue de Cristo, tornando-a muito simbólica e, quem sabe, iniciando uma era de (desnecessárias) complicações.

À medida que o mundo foi se civilizando, que vem de “civil”, só para lembrar, em cada lugar onde vinhos eram produzidos começam a surgir normas, regulamentos, impedimentos, taxas e, no limite, proibições.

Somos os culpados! Para agravar, nem todo Enófilo tem um tempo disponível para pesquisar este desenrolar histórico e achar brechas que, pelo menos, tornem o ato de comprar e degustar um vinho em algo agradável e fácil de desfrutar.

A atitude mais comum é nos apegarmos a algumas certezas e não nos afastarmos destes portos seguros sob nenhuma hipótese: compramos sempre o mesmo vinho, no mesmo local. Nada pode mudar e acreditamos que o risco de dar errado é grande.

Monótono e restritivo. Ficamos presos a um círculo vicioso.

O mercado de vinhos é muito dinâmico. Por exemplo, aquele “grande vinho” de alguns anos atrás, hoje, por razões mercadológicas, passou a ser o menos importante da vinícola. Acreditem, é mais comum do que se possa imaginar.

A nossa primeira dica para desenrolar este novelo é muito simples: façam amizade com as pessoas que lhes vendem suas garrafas. Eles sempre serão a melhor forma de obter informações detalhadas sobre o que vale a pena ou não. E não fiquem com uma só, escolham mais fornecedores e cultivem este tipo de conversa.

A segunda se resume em uma palavrinha: experimentem!

Já existe uma boa oferta de bares de vinho no nosso país, além da opção de vinho em taça nos bons restaurantes (embora o preço nem sempre seja competitivo). Esta sugestão vale para tipos de vinhos, castas, regiões produtoras, taças e até inusitadas formas de harmonizar vinho e comida.

Se Malbec argentino é o foco, experimentem as versões chilenas, francesas e americanas. Se a preferência recai sobre “vinhos argentinos”, está na hora de fugir do Malbec e partir para Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon ou a exótica Criolla Chica (País, Mission) a casta vinífera mais antiga do continente. Claro, incluam alguns brancos. Um belo Chardonnay do país vizinho entrou na lista dos Top 10 do mundo na sua categoria.

Há muito o que descobrir. Ficar sentado olhando para os rótulos de sempre não ajuda em nada.

A última sugestão é fazer uma extravagância de vez em quando. As opções são muitas começando com um belo espumante a troca de nada. Se for um Champagne é ainda melhor. Simplesmente abram e desfrutem, não precisa de uma desculpa. Garantimos que vão descobrir novos prazeres.

Outra bela extravagância é visitar uma vinícola. No Brasil elas já existem “de norte a sul”, a grande maioria com belos programas turísticos que passeiam desde pequenas degustações guiadas, passam por oficinas de degustação ou de elaboração de cortes de vinhos até elaboradas refeições harmonizadas, com direito a aulinhas com Chefs e Sommeliers.

Se o bolso permitir, vá para um grande país produtor e tomem um banho de cultura vínica. Argentina, Chile e Uruguai dão show neste setor. Na Europa, Portugal e Espanha estão acima da média principalmente pela proximidade dos idiomas. Mas não podemos deixar de lado Itália e França. Aprender e se divertir.

O vinho nunca mais será o mesmo, literalmente.

Saúde e bons vinhos!

CRÉDITOS:

Foto por Pixabay.

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